sábado, 22 de abril de 2017

ALGACIR COSTA (Entrevista - Revista Cacimba - ANO XII - Março 1996)



Natural de Vila Teixeira, 7º Distrito de Passo Fundo, hoje município de Tapejara, Jesus Algacir Costa é um dos mais completos artistas que participam do movimento nativista no Rio Grande do Sul. Criou método pioneiro para gaita de botão, outro método para iniciação ao violão, outro para piston. Lançou método inovador de solfejo, leitura musical. Participou em mais de 25 festivais de música nativista, como compositor, intérprete e jurado. Esteve por todo o interior do Estado, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pará.

Algacir Costa escreve arranjos para corais, toca gaita de botão, violão, contrabaixo, cavaquinho, piston, trombone, estuda piano e escreve música para todos esses instrumentos.

Na realidade, nos dias atuais, ou melhor, há quase dois anos, o Algacir Costa que todos recordam com saudades dos tempos de “Os Fronteiriços”, está afastado das apresentações.

Vitimado por uma enfermidade que “está me castigando os ossos”, a sua rotina é tomar uma bateria de medicamentos, diariamente, além de cuidar da alimentação sua e dos filhos Diego e Dyamandu (em guarani: Profeta do Dilúvio).

Fala das curiosidades, mas não se queixa, porque orgulha-se dos muitos amigos que tem e que o ajudam muito. “Tenho sangue forte que me dá esta valentia de enfrentar a peleia com muita raça”. Filho de Galdino Costa e Dalila Alves Gavião Costa, nascido sob os cuidados da parteira Dona Nenê, no dia 11 de outubro de 1944, Algacir recorda os bons tempos da infância quando acompanhava o trabalho de seu pai que era mascate e ia vender fumo feito em casa. “Saia com a mercadoria dentro da carroça de tolda rumo a Vacaria, Lagoa Vermelha e voltava com pelegos, queijo, de tudo um pouco”.

Em casa ficava a mãe Dalila, professora. “Sou bisneto de professora, a vó, a bisa, todas professoras. Minha veia artística é um legado que vem da parte da família Gavião, da minha mãe. A família Gavião, lá da Fazenda do Umbú”.

Mas para quem lhe indaga sobre o aprendizado da música a resposta é imediata e sincera: “A música nasce com a pessoa. Vem de berço. Porém, independente de dom, a pessoa tem que se dedicar, ter muita disciplina. Porque, como tudo na vida, a música também é uma sequência. Lenta, e de muita disciplina. Música é como a Matemática: é uma ciência exata”.

Além da herança materna, Algacir Costa teve um grande amigo norteador e incentivador em Iran Vargas Nunes. “Um parente afastado mas que me transmitiu muito otimismo e mostrou-me o caminho das pedras. Depois de ter servido no 20º Regimento de Cavalaria (tema de uma de suas composições mais conhecidas), orientado por Iran, fiquei uns tempos tocando na banda da Brigada Militar, em Passo Fundo. Pouco tempo. Depois entrei para o Conservatório Musical, aí é que eu fui aprender a ler e escrever músicas. Esta a minha grande formação que, aliada ao dom natural que a gente traz de berço, possibilitou-me desenvolver trabalhos completos.

Repertório Internacional

Indagado sobre a sua tendência musical, se exclusivamente nativista gaúcho, Algacir Costa responde: “Olha, abracei todas as tendências musicais. A música não pode ter fronteiras. Pelo menos para mim. Acho que escrevi mais de mil partituras. Depois que vim de muda para Porto Alegre fiz mais ou quase que exclusivamente música gaúcha.

No tempo dos Fronteiriços, fizemos muitos folclores. Quase ninguém fazia. Os chamamés, polca paraguaia; quase ninguém fazia. Como conjunto, fomos os primeiros. Cantando em castelhano estivemos em festivais na Argentina, em Portugal por doze dias representando o Brasil com um grupo folclórico da VARIG – “Os Teatinos”.

Patrimônio e Saudades

Algacir Costa realizou-se financeiramente em sua profissão? É um homem feliz? Ele responde: “Não posso me queixar. Sempre soube administrar os meus negócios. Não sou rico, mas ganhei dinheiro com a música. Esta casa, um apartamento no Humaitá (da Gringa), tenho um ônibus “motorhome”, telefone, carro... Mas não me adianta muito...

Separado de Clari Marcom, a mulher que esteve sempre em sua companhia no conjunto “Os Fronteiriços”, “mãe de meus filhos... Ela e meu irmão estiveram em Canarana, lá no extremo norte do Mato Grosso, onde eu estava. Foram lá me buscar. Eu estava lá há um ano e pouco. Colocaram minha mudança no ônibus e me trouxeram para cá”.

Algacir está morando na Rua Patrimônio, 323 altos do Morro da Polícia, junto com os filhos Diego, 22 e Dyamandu, 16 anos. Nota-se a sua tristeza por não ter Clari, a sua gringa a seu lado. “Os guris me dão alegria. O Dyamandu está indo muito bem. Canta e toca violão muito, mas muito mesmo. Como os dias não estão fáceis, devido ao grande número de remédios que tenho que tomar, e são caros, além do auxílio dos filhos e da pequena renda que vou recebendo com a venda do meu livro “Décimas”, e agora com o lançamento de um CD que gravei com o Dyamandu, CD e fita K7, também conto com o auxílio da companheirada do meio artístico. Já fizeram quarteadas para mim em Sapucaia, mais de uma em Porto Alegre, Passo Fundo.

Tenho saudades de gente, de tudo, do tempo em que podia estar tocando, me apresentando em shows. Mas vou guentando o tranco. Estou escrevendo um arranjo para banda, para o Egídio, de Cidreira (onde o Romera é Secretário de Turismo).

Mexo com teclados e um pouco de gaita, quando não estou em dia de crise, mas é pouco, o pouco que posso fazer. Ainda consigo dirigir, de teimoso.

Crioulismo é com Pêlo Duro

De seis meses para cá não tenho feito nada de especial, devido a minha enfermidade. Mas gravei com o Dyamandu o CD que falei há pouco, só com músicas que contam a história das reduções jesuíticas. Porque esse negócio de música missioneira, isso não existe. Isso é música argentina e paraguaia. Eles é que estão com a raiz. A única coisa que permite nos irmanarmos aos castelhanos é através da história das reduções jesuíticas. Aí somos todos iguais. A gente tem, eu tenho sangue de guarani puro. Também tenho sangue castelhano. A mãe do meu pai, que era do Cerrito do Ouro, de Taquarembó, do Uruguai. Então, castelhano e bugre, esta raça que tenho em mim; esta força que a gente não larga, não afrouxou e não me deixa frouxar, é sangue, é raça.

Que me desculpem os alemães, os gringos, japoneses, não quero menosprezar ninguém. Mas nesta questão de gauchadas de folclore, tem que ser Pêlo Duro, com sangue, com raça. Castelhano e bugre, o negro também, com uma contribuição muito poderosa”.

A Graça de Morar Quase no Céu

Deixando de lado fatores genéticos e étnicos, Algacir volta-se ao seu Éden, na Rua Patrimônio, que lhe permite por vezes esquecer a dor física causada pela enfermidade que lhe judia o corpo, e mergulhar num magnífico lirismo.

“A minha vida sofreu uma grande transformação. Tive que aguentar a mudança total. Porém, quando chega a noite, e a piazada não está fazendo festa aqui na frente, posso desfrutar de muito silêncio. Fico olhando o céu, as estrelas... fico olhando Porto Alegre iluminada; que belo espetáculo! Em noites de lua cheia, aí é demais!

Durante o dia, no meu pátio, fico observando os pássaros, tem pomba rola, sabiá, tem tudo que é passarinho. E corre um vento delicioso. Aqui não tem calor. Além de ter uma vista privilegiada, tenho mato por todos os lados aqui no Morro.

Deste jeito, se por um lado Deus faz-me padecer com esta enfermidade, por outro me abençoa com a paisagem belíssima comigo todos os dias. Por maior que seja a dor, sinto também a alegria do amor, por tudo que DEUS me oferta. Tenho pensado muito nisto. Funciona como uma poderosa mensagem que me dá forças para seguir lutando. Enquanto tenho vida tenho esperança e muita FÉ”.

Fonte: Revista Cacimba – ANO XII – Março/Abril 1996

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