sábado, 30 de abril de 2022

Arte (Clarissa Ferreira)


O sistema é perfeito na lógica de fazer culpado quem tenta fugir dele.


(…) de matriz normativa, capitalista e neoliberal, ocupa todas as frestas dis poníveis para um possível respiro de nada mais do que: vida.


No meio de tudo, falta tempo para pensar em como dizer e quando, no que foi dito e como, no que pode ser feito melhor e onde.


O (re)pensar não tem vez nesta sociedade instantânea, espontânea – somente dentro dos papéis sociais esperados.


A (des)culpa sim, tem vez - mas não aquela do perdão.


A sociedade associal do cansaço precisa brincar (e dormir). O lugar para o lúdico está extinto, assim como o instinto.


Artigo raro é a real espontaneidade. Fica difícil assim. Complicado ser artista desse jeito.


Se o atual sistema tira as condições de sobrevivência por causa de gênero, raça e classe, o que ele dirá sobre modos diferentes de viver a própria vida, e sobre outra cosmovisão?


Fonte: O modus operandi do ser artístico. Ferreira, Clarissa. Gauchismo líquido: reflexões contemporâneas sobre a cultura do Rio Grande do Sul. Porto Alegre (RS): Editora Coragem, 2021, p. 161/162.



Capa: Evelyn Abs.

Ilustrações: Clara Trevisan

Pensar (Clarissa Ferreira)

 

(…) pensamos demais.


Bloqueamos tudo que nosso pequeno cérebro não dá conta. Deixamos de pensar com o restante do corpo. Como somos racionais, dicotômicos e simplistas!


A filosofia a partir do Iluminismo acho que explica. Preciso de um reforço nessa aula.


A fronteira entre a realidade e magia é uma outra e não obedece aos padrões da racionalidade europeia”, diz o escritor Mia Couto.


Penso que a racionalização também nos tira a fé.


Fonte: Ferreira, Clarissa. Gauchismo líquido: reflexões contemporâneas sobre a cultura do Rio Grande do Sul. Porto Alegre (RS): Editora Coragem, 2021, p. 160.




Capa: Evelyn Abs.

Ilustrações: Clara Trevisan

sábado, 16 de abril de 2022

Júlio de Castilhos (Carlos Reverbel)

 

Júlio de Castilhos exerceu a presidência do Estado de 1893 a 1898. Não quis reeleger-se.


Escolheu Borges de Medeiros para sucessor. Fora do governo, ficou na chefia pessoal do Partido Republicano.


Não concordou em candidatar-se à Presidência da República. Era extremista moralista em relação aos negócios públicos. As licenciosidades federais punham-lhe fogo nas vestes.


Ao submeter-se a ato cirúrgico, morreu em 1903 de um câncer na garganta.


A um dos médicos que lhe advertira a ter coragem, respondeu com energia:


Não me falta coragem, falta-me o ar.”


Fonte: Reverbel, Carlos Macedo. Maragatos e Pica-Paus. Guerra Civil e Degola no Rio Grande. L & PM Editores: Porto Alegre, 1985, 2ª ed., p.22




Capa: Retamozzo

sexta-feira, 15 de abril de 2022

Capistrano de Abreu – Hóspede em Pedras Altas

 

Nas suas visitas a Pedras Altas, certa vez Capistrano de Abreu ali permaneceu cerca de seis meses, deixando bem assinalada a sua presença, viva até hoje. Tanto assim que a memória do grande historiador ainda humaniza o lugar, quando se indica, aos atuais visitantes, “a sanga do banho do Capistrano”, local onde ele tomava seus banhos.


Ou, então, quando se mostra o recanto onde ele se colocava sua rede nordestina, ali permanecendo como lembrança as antigas argolas de sustentação.


Sendo costume do autor de Capítulos de História Colonial ler até tarde, à luz de vela, certa noite numa parede de madeira da casa de hóspedes que ele ocupava ficou chamuscada. Embora indicasse o sinal de um princípio de incêndio, jamais se permitiu que aquela mancha negra na parede de tábua fosse removida. Seria conservada, com todo carinho, como recordação de Capistrano de Abreu. E ali permanece.


Fonte: Reverbel, Carlos. Assis Brasil (Rio Grande Político) – 2ª ed. Porto Alegre: IEL, 1996, p. 94.




Capa: Márcia Contri

Vida (José Carlos del Toro Iniesta)

 

Meu primeiro sentimento é o de qualquer ser humano: a estupefação perante a beleza. Se algo nos diferencia como seres humanos é que sabemos distinguir, compreender e comunicar a beleza. É o que dá sentido à nossa vida."


Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/geral-60571495

Acesso 15/04/2022

quinta-feira, 14 de abril de 2022

Política Pastoril - Carlos Reverbel/Rio Grande Político, 1990

 

Em 1895, quando foi enviado a Portugal, como Ministro Plenipotenciário junto à corte de Lisboa, para restabelecer a normalidade nas relações entre os dois países, rompidas desde a Revolta da Armada, em 1893, ele adquiriu duas vacas Jersey na Inglaterra, dando início, assim, à sua criação dessa raça bovina, com vistas, ao mesmo tempo, a introduzi-la no Brasil.


Os animais pertenciam ao plantel da Rainha Vitória, não havia melhores no Reino Unido. Mantidas inicialmente em Portugal, as duas excelentes vacas, ambas “vitorianas”, foram levadas para a estância de Ibirapuitã e, posteriormente, para a Granja de Pedras Altas.


Foi assim que se introduziu a raça Jersey no Brasil, sem dúvida um ato de boa política agrícola.


Reportando-se um dia a esse fato, informaria Assis Brasil:


Outra peculiaridade da raça é a aptidão para dar leite continuamente, mesmo durante o período de nova gestação, ou durante os anos em que a vaca, por qualquer motivo, permanece falhada. Desde que se alimente por outra forma o bezerro, é mesmo preferível desmamá-lo quando ainda muito tenro. A mãe não deixará por isto de dar leite regularmente.


Para não ir buscar longe o exemplo – as duas vaquinhas que serviram de fundamento ao atual plantel de Pedras Altas foram logo separadas das crias e deram rico e abundante leite durante três anos, sem que fossem de novo cobertas.”


Fonte: Reverbel, Carlos. Assis Brasil (Rio Grande Político) – 2ª ed. Porto Alegre: IEL, 1996, p. 81/82.




Capa: Márcia Contri

domingo, 10 de abril de 2022

Pedras Altas (Assis Brasil, 1908)

 

(Introdução ao opúsculo publicado por Assis Brasil em Buenos Aires, em 1908, sobre “o que é e o que deve ser Pedras Altas”)


A Granja de Pedras Altas, em cujo terreno está encravada a estação do mesmo nome, demora a margem da estrada de ferro que une a cidade de Rio Grande à de Bagé e, prolongando-se ao entroncamento de Cacequi, se liga a todo o sistema ferroviário nacional e platino. Dista da cidade e porto de Rio Grande menos de 200 quilômetros e menos de 100 de Bagé.


Ao ponto mais próximo da República Uruguaia contam-se pouco mais de 30 quilômetros. A essa fronteira terá de levar-se brevemente um ramal ferroviário que, ligado à estrada uruguaia, em adiantada construção, porá Pedras Altas a poucas horas de Montevidéu.


Essa situação foi calculada para o mais fácil acesso dos visitantes e para a mais conveniente expedição dos produtos da granja.


Há na estação de Pedras Altas serviço de correio, estação telegráfica em combinação com o telégrafo geral, bem como telefone de longa distância.


O estabelecimento se levanta sobre o dorso da Coxilha Geral ou Coxilha Grande, onde se divorciam as águas da bacia do Prata das que correm para as lagoas dos Patos e Mirim.


A grande elevação que esta circunstância ocasiona - cerca de 400 metros sobre o nível do mar – e a latitude avançada – coisa de 32 graus – dão ao sítio um clima fresco e agradável. A terra granítica, ainda de composição diferente, é profunda e permeável e presta-se bem à cultura, mediante os socorros da agronomia; a água é abundante, clara, leve, francamente potável; as pastagens variadas e suculentas.


A fundação da granja é relativamente recente. No dia 7 de maio de 1904 foi adquirido o terreno, inculto e deserto. Ainda que esse desde esse dia se haja lidado incessantemente, o progresso do estabelecimento tem sido grandemente retardado pela quase constante ausência do proprietário. Agora apesar de tudo, três anos depois de batida a primeira estaca, vai aparecendo algum resultado apreciável: as árvores começam a dar sombra e fruto; as terras vão obedecendo ao amanho e aos corretivos; veem-se já muitos e conspícuos representantes das várias espécies e raças de animais domésticos que compõe, o programa definitivo; trabalha-se nos últimos edifícios e instalações; o fundador, enfim, se estabelece no teatro do labor e vai dirigir em pessoa toda a atividade.


Quando a granja estiver em plena operação, o visitante há de encontrar nela:


Uma biblioteca de alguns milhares de volumes sobre todas as ordens de conhecimentos e especialmente ciências, artes e indústrias agrícolas;


Instrumentos aratórios e outros aparelhos de uso rural em harmonia com as condições peculiares ao Rio Grande do Sul e distritos análogos do Brasil, sendo os interessados instruídos sobre a montagem e utilização dos mesmos e vendo-os operar nos campos experimentais da granja;


Mudas e sementes de plantas úteis, ornamentais, frutíferas e industriais;


Produtos autênticos de reprodutores puros (selecionados segundo as mais escrupulosas regras da zootecnia e adaptados ao clima e outras circunstâncias locais) das espécies domésticas de maior utilidade – aves de diferentes raças, suínos para carne e gordura, ovinos para lã e carne, vacuns para carne, leite e trabalho, cavalares para velocidade, montaria e tração;


Finalmente, instalações industriais econômicas para fabricação de laticínios, conservas de frutas e outros produtos.


Muitos dos objetos referidos – quase a totalidade deles – podem desde já serem vistos na granja, ainda que sem a profusão e regularidade que devem existir quando houver tempo para se fazer sentir a influência da presença do dono.


Pedras Altas representa um esforço no sentido de demonstrar com o exemplo o que a palavra, escrita e falada, tem evangelizado à saciedade quanto a muitas reformas de economia rural necessárias entre nós.


É também uma tentativa de realizar, em pleno campo e mediante modestíssimos recursos de fortuna, a vida confortável e inteligente – bem-estar sem luxo, repouso sem ociosidade.


Para responder a esses intuitos, o estabelecimento inteiro – construções, divisões, distribuição das várias secções de lavoura, criação e indústrias rurais – obedece a um plano concertado durante anos de meditação e experiência própria e alheia.


O ideal do fundador de Pedras Altas é que, quando a granja estiver completa e em plena operação, digamos, nestes dois anos, uma visita a ela valha por uma lição de coisas. Não há vaidade pretensiosa nessa aspiração. Lição não é imposição.


Todos somos livres para não aceitar o que se nos ensina.


Mas nenhuma pessoa razoável poderá negar a utilidade de qualquer ensinamento honesto, embora seja para seguir por caminho muito diverso. Neste sentido, é mestre toda gente que faz alguma coisa, ainda que seja errada.


Quem nada faz é que nada ensina.”


Fonte: Reverbel, Carlos. Assis Brasil (Rio Grande Político) – 2ª ed. Porto Alegre: IEL, 1996, p. 59/61.




Capa: Márcia Contri

sábado, 9 de abril de 2022

Tradicionalismo (Assis Brasil, 1904)


Excertos da conferência proferida no Centro Econômico de Porto Alegre, a 12 de dezembro de 1904


Quando estava no estrangeiro, li várias notícias referentes à fundação de associações gaúchas; e fiquei satisfeito pensando que, na nossa terra, os moços estavam cuidando de reavivar as boas tradições rio-grandenses.


Pensei que, nesses centros gaúchos, os mais capazes tratavam de assuntos literários e históricos do Rio Grande do Sul: de indicar os meios de aperfeiçoamento das raças cavalares e bovinas; de vulgarizar conhecimentos úteis ao desenvolvimento da indústria pastoril; que todos se dedicavam aos exercícios utilíssimos da equitação, montando bons cavalos, que honrassem a criação riograndense, saindo para o campo a se exercitarem no manejo da espada e da lança, como quem, folgando, se prepara para defender amanhã os brios da Pátria; organizando esta diversão tradicional e interessante denominada cavalhada.


Chegando, porém, ao Rio Grande, ávido de curiosidades, fui visitar várias associações desse gênero, e aí apenas encontrei decepção, pois todo o ideal e toda a ação desses gaúchos limitava-se a pouco: vestir bombachas de procedência e caracterização muito duvidosas; cavalgar animais que são vergonha da nossa indústria pastoril, pois não passam de reles matungos; e comer churrasco – comer carne ordinária e cansada, com grave prejuízo para a nutrição e, portanto, para todo o organismo.


O que essas agremiações deviam fazer era, quando menos, ensinar aos nossos homens de campo que ser gaúcho não deve ser apenas montar a cavalo e comer churrasco, porém ter a sua casa com o conforto possível, com a sua horta ao lado, com os elementos indispensáveis ao melhor aproveitamento da terra, que, para ser produtiva, deve ser tratada convenientemente, não se a deixando abandonada e inculta, à lei da natureza.”


Fonte: Reverbel, Carlos. Assis Brasil (Rio Grande Político) – 2ª ed. Porto Alegre: IEL, 1996, p. 55.




Capa: Márcia Contri

Destaques de Dois Irmãos (MIlton Hatoum)

(...) as palavras parecem esperar a morte e o esquecimento ; permanecem soterradas, petrificadas, em estado latente, para depois, em isen...