segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Economia da Atenção - Entrevista de Marta Peirano a Diana Massis

‘Somos cada vez menos felizes e produtivos porque estamos viciados na tecnologia’



"Há um usuário novo, uma notícia nova, um novo recurso. Alguém fez algo, publicou algo, enviou uma foto de algo, rotulou algo. Você tem cinco mensagens, vinte curtidas, doze comentários, oito retweets. (...) As pessoas que você segue seguem esta conta, estão falando sobre este tópico, lendo este livro, assistindo a este vídeo, usando este boné, comendo esta tigela de iogurte com mirtilos, bebendo este drinque, cantando esta música."

O cotidiano digital descrito pela jornalista espanhola Marta Peirano, autora do livro El enemigo conoce el sistema (O inimigo conhece o sistema, em tradução livre), esconde na verdade algo nada trivial: um sequestro rotineiro de nossos cérebros, energia, horas de sono e até da possibilidade de amar no que ela chama de "economia da atenção", movida por tecnologias como o celular.

Nesse ciclo, os poderosos do sistema enriquecem e contam com os melhores cérebros do mundo trabalhando para aumentar os lucros enquanto entregamos tudo a eles.

"O preço de qualquer coisa é a quantidade de vida que você oferece em troca", diz a jornalista.

Desde os anos 90, quando descobriu a cena dos hackers em Madri, até hoje, ela não parou de enxergar a tecnologia com um olhar crítico e reflexivo. Seu livro narra desde o início libertário da revolução digital até seu caminho para uma "ditadura em potencial", que para ela avança aos trancos e barrancos, sem que percebamos muito.

Marta Peirano foi uma das participantes do evento Hay Festival Cartagena, um encontro de escritores e pensadores que aconteceu na cidade colombiana entre 30 de janeiro e 2 de fevereiro. A seguir, leia a entrevista concedida à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.

BBC News Mundo - Você diz que a 'economia da atenção' nos rouba horas de sono, descanso e vida social. Por quê?
Marta Peirano - A economia da atenção, ou o capitalismo de vigilância, ganha dinheiro chamando nossa atenção. É um modelo de negócios que depende que instalemos seus aplicativos, para que eles tenham um posto de vigilância de nossas vidas. Pode ser uma TV inteligente, um celular no bolso, uma caixinha de som de última geração, uma assinatura da Netflix ou da Apple.
E eles querem que você os use pelo maior tempo possível, porque é assim que você gera dados que os fazem ganhar dinheiro.

BBC News Mundo - Quais dados são gerados enquanto alguém assiste a uma série, por exemplo?
Peirano - A Netflix tem muitos recursos para garantir que, em vez de assistir a um capítulo por semana, como fazíamos antes, você veja toda a temporada em uma maratona. Seu próprio sistema de vigilância sabe quanto tempo passamos assistindo, quando paramos para ir ao banheiro ou jantar, a quantos episódios somos capazes de assistir antes de adormecer. Isso os ajuda a refinar sua interface.
Se chegarmos ao capítulo quatro e formos para a cama, eles sabem que esse é um ponto de desconexão. Então eles chamarão 50 gênios para resolver isso e, na próxima série, ficaremos até o capítulo sete.

BBC News Mundo - Os maiores cérebros do mundo trabalham para sugar nossa vida?
Peirano - Todos os aplicativos existentes são baseados no design mais viciante de que se tem notícia, uma espécie de caça-níquel que faz o sistema produzir o maior número possível de pequenos eventos inesperados no menor tempo possível. Na indústria de jogos, isso é chamado de frequência de eventos. Quanto maior a frequência, mais rápido você fica viciado, pois é uma sequência de dopamina.

Toda vez que há um evento, você recebe uma injeção de dopamina — quanto mais eventos encaixados em uma hora, mais você fica viciado.

BBC News Mundo - Todo tuíte que leio, todo post no Facebook que chama minha atenção, toda pessoa no Tinder de quem gosto é um 'evento'?
Peirano - São eventos. E na psicologia do condicionamento, há o condicionamento de intervalo variável, no qual você não sabe o que vai acontecer. Você abre o Twitter e não sabe se vai retuitar algo ou se vai se tornar a rainha da sua galera pelos próximos 20 minutos.
Não sabendo se receberá uma recompensa, uma punição ou nada, você fica viciado mais rapidamente.

A lógica deste mecanismo faz com que você continue tentando, para entender o padrão. E quanto menos padrão houver, mais seu cérebro ficará preso e continuará, como os ratinhos na caixa de [B.F.] Skinner, que inventou o condicionamento de intervalo variável. O rato ativa a alavanca obsessivamente, a comida saindo ou não.

BBC News Mundo - Os adultos podem entender isso, mas o que acontece com as crianças que apresentam sintomas de abstinência quando não estão conectadas ao Instagram, YouTube, Snapchat, Tik Tok por exemplo?
Peirano - As redes sociais são como máquinas caça-níqueis, quantificadas na forma de curtidas, corações, quantas pessoas viram seu post. E isso gera um vício especial, porque trata-se do que a sua comunidade diz — se o aceita, se o valoriza. Quando essa aceitação, que é completamente ilusória, entra em sua vida, você fica viciado, porque somos condicionados a querer ser parte do grupo.

Eles [as empresas] conseguiram quantificar essa avaliação e transformá-la em uma injeção de dopamina. As crianças ficam viciadas? Mais rápido do que qualquer um. E não é que elas não tenham força de vontade, é que elas nem entendem por que isso pode ser ruim.

Não deixamos nossos filhos beberem Coca-Cola e comer balas porque sabemos que o açúcar é prejudicial; mas damos a eles telas para serem entretidos, porque dessa forma não precisamos interagir com eles.

BBC News Mundo - E o que podemos fazer?
Peirano - Interagir com elas. Uma criança que não tem uma tela fica entediada. E uma criança entediada pode ser irritante, se você não estiver disposto a interagir com ela, porque talvez você prefira estar fazendo outras coisas.

BBC News Mundo - Olhando para sua própria tela, por exemplo?
Peirano - Vemos famílias inteiras ligadas ao celular e o que está acontecendo é que cada um está administrando seu próprio vício. Todo mundo sabe que os jogos de azar são ruins, que a heroína é ruim, mas o Twitter, o Facebook, não — porque eles também se tornaram ferramentas de produtividade.

Então, eu, que sou jornalista, quando entro no Twitter é porque preciso me informar; a cabeleireira no Instagram estará assistindo a um tutorial; há uma desculpa para todos.

O vício é o mesmo, mas cada um o administra de maneira diferente. E dizemos a nós mesmos que não é um vício, mas que estamos ficando atualizados e mais produtivos.

BBC News Mundo - Poderíamos nos caracterizar como viciados em tecnologia?
Peirano - Não somos viciados em tecnologia, somos viciados em injeções de dopamina que certas tecnologias incluíram em suas plataformas. Isso não é por acaso, é deliberado.

Há um homem ensinando em Stanford (universidade) àqueles que criam startups para gerar esse tipo de dependência.


Existem consultores no mundo que vão às empresas para explicar como provocá-la. A economia da atenção usa o vício para otimizar o tempo que gastamos na frente das telas.

BBC News Mundo - Como você fala no livro, isso também acontece com a comida, certo? Somos manipulados por cheiros, ingredientes, e nos culpamos por falta de vontade e autocontrole (na dieta, por exemplo).
Peirano - É quase um ciclo de abuso, porque a empresa contrata 150 gênios para criar um produto que gera dependência instantânea.

Seu cérebro é manipulado para que a combinação exata de gordura, açúcar e sal gere uma sensação boa, mas como isso [a combinação] não nutre o corpo, a fome nunca passa, e você experimenta um tipo de curto-circuito: seu cérebro está pedindo mais, porque é gostoso, mas o resto do seu corpo diz que está com fome.

Como no anúncio da Pringles, "Once you pop, you can't stop" [depois que você abre, não consegue parar, em tradução livre]. O que é absolutamente verdade, porque abro um pote e até que eu o coma inteiro, não consigo pensar em outra coisa.

Então, dizem: 'bem, isso é porque você é um glutão'. O pecado da gula! Como você não sabe se controlar, vou vender um produto que você pode comer e comer e não fará você engordar, os iogurtes light, a Coca-Cola sem açúcar.

E a culpa faz parte desse processo. No momento, no Vale do Silício, muitas pessoas estão fazendo aplicativos para que você gaste menos tempo nos aplicativos. Esse é o iogurte.

BBC News Mundo - Essa conscientização, de entender como funciona, ajuda? É o primeiro passo?
Peirano - Acho que sim. Também percebo que o vício não tem nada a ver com o conteúdo dos aplicativos.

Você não é viciado em notícias, é viciado em Twitter; não é viciado em decoração de interiores, é viciado em Pinterest; não é viciado em seus amigos ou nos seus filhos maravilhosos cujas fotos são postadas, você é viciado em Instagram.

O vício é gerado pelo aplicativo e, quando você o entende, começa a vê-lo de maneira diferente. Não é falta de vontade: eles são projetados para oferecer cargas de dopamina, que dão satisfação imediata e afastam de qualquer outra coisa que não dá isso na mesma medida, como brincar com seu filho, passar tempo com seu parceiro, ir para a natureza ou terminar um trabalho — tudo isso exige uma dedicação, já que há satisfação, só que não imediata.

BBC News Mundo - De tudo o que você cita, manipulações, vigilância, vícios, o que mais a assusta?
Peirano - O que mais me preocupa é a facilidade com que as pessoas estão convencidas a renunciar aos seus direitos mais fundamentais e a dizer: quem se importa com meus dados? Quem se importa com onde eu estive?

Há 40 anos, pessoas morriam pelo direito de se encontrar com outras pessoas sem que o governo soubesse suas identidades; pelo direito de ter conversas privadas ou pelo direito de sua empresa não saber se há uma pessoa com câncer em sua família.

Custou-nos muito sangue para obtê-los (os direitos) e agora estamos abandonando-os com um desprendimento que não é natural — é implantado e alimentado por um ecossistema que se beneficia dessa leveza.

BBC News Mundo - Quando você envia um email, sabe que outros podem lê-lo, mas de fato pensamos: quem se importará com o que eu escrevo?
Peirano - Ninguém realmente se importa, até o momento que se importe, porque todo esse material é armazenado e, se estiver disponível para o governo, ele terá ferramentas para contar qualquer história sobre você. E você não poderá refutá-lo.

Se o governo quiser colocá-lo na cadeia porque você produz um material crítico, ele pode encontrar uma maneira de vinculá-lo a um terrorista. Bem, talvez seus filhos tenham estudado juntos por um tempo e possa ser mostrado que as placas dos seus carros coincidiram várias vezes na mesma estrada por três anos. Nesse sentido, seus dados são perigosos.

BBC News Mundo - Você diz no livro que "2,5 quintilhões de dados são gerados todos os dias", incluindo milhões de e-mails, tuítes, horas de Netflix e pesquisas no Google. O que acontece com tudo isso?
Peirano - Estamos obcecados com nossos dados pessoais, fotos, mensagens... Mas o valor de verdade é estatístico, porque suas mensagens, com as de outras bilhões de pessoas, informam a uma empresa ou a um governo quem somos coletivamente.

Eles os usam primeiro para os anunciantes. E depois para criar previsões, porque este é um mercado de futuros.

Eles sabem que quando, em um país com certas características, o preço da eletricidade sobe entre 12% e 15%, acontece X; mas, se sobe entre 17% e 30%, outra coisa Y acontece. As previsões são usadas para manipular e ajustar suas atividades — para saber, por exemplo, até onde você pode prejudicar a população com o preço das coisas antes ela se revolte contra você ou comece a se suicidar em massa.

BBC News Mundo - Como o que aconteceu no Chile, com manifestações motivadas inicialmente pelo aumento no preço da passagem do metrô..?
Peirano - Talvez o governo chileno não esteja processando dessa maneira, mas o Facebook está, o Google está — porque todas as pessoas na rua têm o celular no bolso. E elas o carregaram durante os últimos anos de sua vida.

O Facebook sabe em que bairros aconteceu o que e por quê; como as pessoas se reúnem e como se dispersam; quantos policiais precisam chegar para que a manifestação se dissolva sem mortes.

BBC News Mundo - Mas quem está disposto a ficar sem o celular, a internet? Qual é o caminho para o cidadão normal?
Peirano - O problema não é o celular, não é a internet. Todas as tecnologias das quais dependemos são ferramentas da vida contemporânea, voluntariamente as colocamos em nossos celulares. Mas elas não precisam da vigilância para funcionar, nem precisam monitorar você para prestar um serviço. Eles não precisam disso, o que acontece é que a economia de dados é muito gulosa.

BBC News Mundo - Os negócios são tão lucrativos que vão continuar a fazê-lo da mesma maneira ainda que tentemos impor limites?
Peirano - É muito difícil para um governo enfrentar tecnologias que facilitam esse controle populacional, que é interessante. Mas a ideia é exigir que isso aconteça.

Se, agora, você desativar todos os sistemas de geolocalização do seu celular, eles continuarão a geolocalizá-lo.

Assim como no Facebook ou no Twitter, em que você pode bloquear o que posta para algumas pessoas ou para todos — somente você... e o Facebook veem. O que acontece nos centros de dados deles, acontece para você e para eles. Você não pode bloquear o Facebook, porque você está no Facebook.

BBC News Mundo - Você está sugerindo que precisamos nos rebelar e exigir privacidade?
Peirano - Mas não contra empresas. É natural que elas se beneficiem de uma fonte de financiamento tão barata e gloriosamente eficaz.

O que não é natural é que um governo destinado a proteger os direitos de seus cidadãos o permita. E a questão é que cada vez mais governos chegam ao poder graças a essas ferramentas.

Então, o que deve ser feito? Precisamos começar a transformar essa questão fundamental em um debate política nos níveis local e mais amplo, ou seja, em ação coletiva, ação política.

BBC News Mundo - Esse debate está acontecendo em algum lugar do mundo?
Peirano - Nas primárias democratas da campanha presidencial dos EUA deste ano, essa é uma das questões cruciais. Está em debate se essas empresas devem ser gerenciadas de outra maneira ou serem fragmentadas, porque além de tudo também são um monopólio.
No entanto, na Europa e na América Latina, nos cansamos de falar sobre notícias falsas, seus efeitos, campanhas tóxicas... Na Espanha, houve três eleições gerais em três anos e nenhum político fala sobre isso.

BBC News Mundo - O sistema é nosso inimigo, então?
Peirano - Somos integrados a e dependemos de sistemas que não sabemos como funcionam ou o que querem de nós. Facebook, Google e outros dizem que querem que nossa vida seja mais fácil, que entremos em contato com nossos entes queridos, que sejamos mais eficientes e trabalhemos melhor, mas o objetivo deles não é esse, eles não foram projetados para isso, mas para sugar nossos dados, nos manipular e vender coisas.

Eles nos exploram e, além disso, somos cada vez menos felizes e menos produtivos, porque somos viciados [na tecnologia].

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/geral-51409523
Acesso: 24/02/2020

sábado, 22 de fevereiro de 2020

Dialogar (Ana Beatriz Rosa)



Como ter conversas melhores? Um guia para você se comunicar sem precisar lacrar


Seja mais interessado para ser mais interessante.


12/02/2020



Ser alguém com quem as pessoas gostam de conversar parece ser algo natural. Basta ser você mesmo e demonstrar interesse pelo que as outras pessoas têm a dizer.
Certo? Certo.
Mas isso parece bem mais simples na teoria do que na prática. Como é possível se comunicar e desenvolver melhor as conversas — ainda mais em tempos de muita lacração e palestrinha e de pouca escuta?
Preparamos um guia para te ajudar em conseguir uma comunicação mais efetiva.

1. Entenda as camadas que podem compor uma conversa

O primeiro passo, talvez, seja entender quais são os temas que podem render o papo e por onde é mais seguro seguir.
A primeira camada é a mais superficial, e também a mais confortável. Aqui, vale discutir qualquer novidade que esteja bombando na cultura pop, como foi o desempenho do seu time no último jogo, o que esperar do clima e qualquer outra experiência mais banal. Sabe o clichê de “conversa de elevador”? A primeira camada é exatamente isso!
Na segunda camada, você já pode testar se debruçar por temas que demandam mais argumentos - e também mais escuta - por seu potencial de controvérsias. Inclua: religião, política e até mesmo relacionamentos. A principal dica para avançar por esses temas é o bom senso. Preste atenção se as outras pessoas estão dispostas a discutir o noticiário com ênfase, ou se só preferem falar do último lançamento do Tarantino. Se for este o caso, não tem problema. Se você sentir abertura, vá adiante, escute e opine também. Sempre respeitosamente.
Depois, a terceira camada. Pode parecer que só os corajosos adentram por aí, mas essa é talvez a sua grande oportunidade de construir intimidade com outras pessoas. Experimente, por que não, falar sobre si, e não só perguntar do outro. Isso pode deixar as pessoas mais à vontade para compartilhar. Mas não seja egocêntrico. É como se fosse uma tentativa de “abrir espaço” para que a conversa se torne confortável — para que família, saúde, emoções e vida profissional ganhem mais espaço no diálogo.
Outra dica bem básica é evitar perguntas que coloquem outras pessoas em uma saia justa. Em vez de questionar: “Como anda sua noiva?”, ou “E aí, foi promovido?”, experimente perguntar: “E aí, me atualiza da sua vida?” ou “Me conta as novidades do seu trabalho?”.
Lembrete mental: A forma como a gente se comunica é tudo.

2. Seja mais interessado para ser mais interessante

É isso. Uma escuta atenta faz toda a diferença.
Sabe aquela sensação de cansaço e exaustão quando a gente deixa uma roda de conversa? Talvez alguns introvertidos possam se identificar comigo, mas isso vale também para os extrovertidos.
Às vezes, temos tanta pressa em expor os nossos pontos e deixar claro o que queremos dizer que falamos demais e ouvimos “de menos”. Depois, vem aquele sentimento de ressaca moral: será que eu deveria ter dito tudo aquilo?
Para evitar essas sensações, o melhor é ouvir mais e esperar o outro compartilhar também os seus pontos de vista.
O estudo “Diálogo: Conexão que atravessa bolhas” traz um ensinamento importante. Precisamos nos afastar de uma escuta colonizadora (que muitas vezes é autoritária e sempre parte do ‘eu’) para uma escuta transformativa (mais inclusiva).
A escuta colonizadora é um modelo falacioso em que se ouve o outro a partir da própria perspectiva, já a “escuta transformativa”, que inclui o outro como relevante, necessário e pertencente, é operar um movimento contra-narcísico”, explica Christian Dunker, psicanalista e professor titular de Psicologia da Universidade de São Paulo.
Ou seja, praticar uma escuta ativa de verdade é não apenas ouvir o outro, mas tentar afastar as nossas perspectivas, o nosso pré-julgamento, e estar aberto ao que está sendo dito, de fato.

3. Afaste a ideia de querer ser o sabe-tudo, o ‘lacrador’ da roda de conversa

É sério, todos nós já nos irritamos com alguém em uma roda de conversa. Mas e quando nós somos essa pessoa? Sim, isso também acontece...
Sabe aquela brincadeirinha do “bastão” da palavra? Ela também funciona na vida adulta. Tudo bem a gente ter as nossas convicções, mas o outro sempre terá um ponto interessante a acrescentar, mesmo que seja divergente. Portanto, evite ser o lacrador da roda — aquele que sabe tudo, que sempre tem razão.
Ter empatia, no entanto, não quer dizer sobrepor todos os limites. Se o comentário do outro é uma ofensa, por exemplo, ai é hora de se preservar. Não precisamos aceitar tudo que é dito.
Mas, em geral, o que vai fazer a diferença em uma boa conversa é a nossa capacidade de estar presente, de se fazer atento. Olho no olho, curiosidade, perguntas e reflexões compartilhadas são bons ingredientes.
Em temas controversos, uma boa saída é pensar e formular o seu ponto de vista na hora de apresentá-lo. Mas ser incisivo também é uma opção, desde que não desrespeite ninguém.
Por exemplo, se você quiser colocar uma posição que considera mais dura, experimente dizer: “Eu acho que a verdade é essa. Mas o que você acha?”.
No mais, quer você ame ou odeie, os diálogos são importantes.
Uma boa conversa pode te render amigos para toda a vida, parceiros de negócios e até alguns crushs.
No fim, o mais importante é estabelecer conexões. Vá em frente. Converse!

Acesso: 22/02/2020

Sobre Errar (Ana Beatriz Rosa)



Cometi um grande erro. E agora?


É próprio da natureza humana que se fique chateado quando cometemos um erro. Mas é muito importante tentar manifestar a nossa vulnerabilidade.


19/02/2020

Ops.
Então quer dizer que você respondeu aquele email de trabalho com comentários desnecessários para a pessoa errada. Ou quer dizer que você perdeu completamente a noção do horário e se atrasou para a reunião mais importante do dia. Ainda, aquela discussão com o seu parceiro na noite anterior foi longe demais e você disse coisas que não queria ter dito.
Parece que o seu mundo vai acabar, certo? Errado.
É claro que todos nós sabemos que isso não é verdade. Todo mundo erra de vez em quando e provavelmente isso acontecerá com você mais vezes do que gostaria. Os nossos erros raramente são tão catastróficos quanto a dimensão que damos a eles. E isso não quer dizer que nós deixamos de ser responsáveis pelas consequências de nossas falhas.
Embora seja verdade que há erros mais significativos que os outros, eles não precisam ser tratados como os desastres que vão acabar com a nossa vida.
Então, o melhor que pode ser feito é respirar fundo e descobrir como lidar com essa situação.

O que fazer quando percebemos que cometemos um erro

Talvez, o primeiro passo seja realmente parar um pouco e examinar o erro.
Existem muitas maneiras de errar. A primeira coisa é tentar entender o que aconteceu e o que nós estamos chamando de erro”, explica o cientista social Luis Mauro Sá Martino em entrevista ao HuffPost Brasil.
Segundo Sá Martino, existem vários tipos de erros e saber exatamente o que nós fizemos nos ajuda a lidar com as consequências, como os sentimentos de culpa, remorso e aquela vontade de voltar no tempo e refazer as coisas.
Há aquelas circunstâncias em que a gente erra sem saber. Muitas vezes, a gente não tem acesso a todas as informações sobre algo e acabamos errando, por exemplo.
Outra situação é quando erramos porque naquele momento nós não raciocinamos direito, acabamos nos deixando levar por uma emoção e cometemos um equívoco.
Ainda, há outro tipo que é quando a gente erra sem motivo aparente. Tendemos a achar que somos seres super racionais, mas, às vezes, os motivos de nossas falhas estão muito mais em nosso inconsciente, na nossa personalidade, na subjetividade que compõe cada um.
Primeiramente, nós temos que pensar o que estamos chamando de erro. Será que não atingir um patamar que é muito alto e que colocaram para mim, e não que eu coloquei, é um erro? Ou será que as condições não me permitiram acertar?”, questiona Sá Martino.

Mas será que realmente a culpa é sempre nossa?

Talvez, uma das fontes de culpa contemporânea mais angustiantes é a construção de patamares inatingíveis e a sensação que todos devemos ser super-humanos aos 30 anos.
Isso é irreal, mas a frustração que vem com toda essa situação e a sensação de que nunca somos bons o suficiente é esmagadora. É cômodo achar que a culpa de tudo é nossa.
Diante de um erro, é importante questionar se, nessa condição, você poderia acertar. Se não há escolha, não existe culpa. Esse é um ponto clássico da ética. Eu sou inteiramente responsável por minhas escolhas, claro. Mas isso quando eu tenho escolha”, enfatiza o cientista social.
A nossa ideia de culpa, então, estaria diretamente ligada a possibilidade de escolha. Se eu não posso escolher, eu deveria me perguntar se eu tenho culpa em errar.
No cotidiano, não é sempre que eu posso escolher. Às vezes a vida cria armadilhas que a gente não consegue escapar naquele momento. É preciso sempre pensar na natureza do erro: eu podia não ter errado? Eu tive escolha?”, explica Sá Martino.

Nota mental: ninguém é infalível

Mas, e se depois de analisar a situação com certo distanciamento, eu concluir que, sim, a culpa é minha. O que fazer? Parece óbvio, mas assumir o erro e pedir desculpas pode parecer assustador.
Nós nos esquecemos que uma das coisas que nos tornam iguais é a nossa vulnerabilidade. Eu erro, eu erro feio, mas você também. Então, quem sou eu para cobrar dos outros uma perfeição que eu não posso exigir nem mesmo de mim?”, questiona.
Uma das razões pelas quais às vezes nos apegamos as coisas que sabemos que estão erradas é devido ao nosso viés de compromisso.
Tendemos a deixar que nossas decisões e ações passadas ditem como nos comportaremos no presente e no futuro - mesmo que de uma forma irracional.
Para algumas pessoas, ser visto como alguém que é impecável é um grande mérito. Nesse caso, reconhecer que uma decisão que tomamos foi um erro destrói essa imagem.
E isso acaba por ser um gatilho, já que os nossos cérebros estão quase sempre trabalhando contra mudanças, agravando a dificuldade que temos em consertar qualquer falha na rota.
Então, sim, se você busca corrigir um erro é preciso ser honesto e crítico consigo mesmo e reconhecer que você falhou.
É próprio da natureza humana que se fique chateado quando cometemos um erro. Mas é muito importante tentar manifestar a nossa vulnerabilidade.
Se esquecermos disso, há um grande risco de criarmos uma ilusão e pensarmos que nós somos perfeitos, já aqueles que erram são os problemáticos.
Esse é um sintoma que para mim é muito triste. Me parece que a cobrança por uma perfeição que é impossível de se atingir se espalha de maneiras diferentes entre as faixas de idade”, reflete Sá Martino.

Compreender um erro não é justificá-lo

E se reconhecer o erro é importante, o segundo passo é ainda mais crucial: aceitar que foi um erro, mas não permitir que isso defina a sua autoestima.
Errar é ruim. A gente fica mal quando erra. Ficar mal é parte da natureza humana. Mas me parece que uma das cobranças contemporâneas é que a gente precisa estar sempre bem. E não é isso. A gente precisa do tempo de recolhimento”, diz.
Toda perda implica um tempo de luto, inclusive um erro. Mas é importante deixar claro que é um tempo. Não é ficar se cobrando para resto de sua vida.
Errei. Foi ruim. A minha primeira reação vai ser sempre emocional. Mas depois eu passo para a elaboração desse sentimento. Eu realmente errei? Se eu tivesse feito de outro jeito, eu teria errado? Mas eu tinha a escolha de fazer de outro jeito?”
Ser excessivamente crítico com nós mesmos pode aumentar os nossos níveis de ansiedade. Se for possível, pare de ficar remoendo o erro e faça o que estiver ao seu alcance para não piorar a situação.
A solução, no entanto, não virá de uma ou duas ações que vão melhorar toda a sua vida. Mas ela passa por um processo de construção
Entender o erro que nós cometemos não nos exime da responsabilidade por ele. O erro tem efeitos. Uma vez conscientes desses efeitos, nós temos que refazer a rota, pedir perdão, restaurar a ordem das coisas. Não é ignorar e fingir que o erro não existe”, afirma Sá Martino.

Acesso: 22/02/2020


sábado, 15 de fevereiro de 2020

"Escrotizando Like a Boss" - Hoje Tem Ep. 2, com Leila Germano

Muitos são os chefes, mas poucos são os líderes inspiradores que sabem o que estão fazendo. E é aí que a cultura do assédio e da falta de noção vem à tona e destroem visão, missão e valores de muitas empresas. 

Nesse papo engraçadíssimo com as publicitárias Nina Furtado, Rebs Freitas e Babi Morrone, Leila discute os bons e maus hábitos das chefias, comentando casos absurdos e bizarros do mercado de trabalho. Este podcast não é recomendado para chefes sensíveis.


Fonte: https://hojetempodcast.com/2019/06/21/2-escrotizando-like-a-boss/
Acesso: 15/02/2020

Arguição de Tese - Piada (Fernando de Barros e Silva)

O arguidor fala ao sujeito que está defendendo a tese:

"A sua tese tem coisas boas e coisas novas.

O problema é que as coisas novas não são boas,

e as coisas boas não são novas."


Fonte: 
Foro de Teresina #4: Um elefante na eleição, o recado do Tocantins e a dança dos números (20:33) 
https://www.youtube.com/watch?v=B__EOvwkkrE&list=PLn_YkZF2TTNswsNEGCLOCXJIJdHTcBj_k&index=93&t=0s
Acesso: 15/02/2020

A vida ao lado de um homem que tem megatons de frustração represados (Leila Guerriero)


Nos olhos dele não há compreensão, só um pântano seco onde pulsa o rancor


O fim será pavoroso. Mas agora prepare tudo com a ilusão que surge da ignorância. Convença-se de que você faz isso por amor. 

Diga a si mesma que é a maneira –adulta, racional– de as coisas retomarem seu curso, de que escutá-lo voltar para casa –o ruído emocionante da chave na porta, a forma como ele a abre, como se temesse atropelar alguém do outro lado– seja, como costumava ser, a melhor parte do dia.

Tente se lembrar de quando começou. Aquele mutismo rude que ele engendra desde as primeiras horas da manhã e que se dirige a você como um míssil sem dissimulação; aquela hostilidade que o recobre como uma névoa solta e que parece uma mensagem que tem você como destinatária: como se você tivesse feito algo repugnante, imperdoável: como se você fosse repugnante, imperdoável. Diga a si mesma, como já faz há algum tempo, que o assunto deve levar alguns meses (se pergunte se não vai levar anos e descarte de imediato o pensamento com um respingo de dor supersticiosa).

Agora, quando chega em casa, em vez de cumprimentá-la –"oi, amor!"–, diz coisas como "esqueci a maldita peça na loja de ferragens"; e quando você pergunta se tudo foi bem no trabalho, responde coisas como: “Sim. Mas discuti com o imbecil do meu irmão”. Você sente que essas palavras –maldito, imbecil– têm você como destinatária, como se fosse o centro em ebulição de uma culpa inexplicável, de uma amargura que escorre pela vida dele e a transforma em uma vida miserável.

Pense –enquanto repassa o que vai dizer: as primeiras palavras de uma conversa tranquila– que ele está há muito tempo vivendo em um tom baixo, apagado, mergulhado em algo que poderia ser melancolia– por um motivo que você desconhece –ou repulsa (por algo em que ele não quer pensar: pela forma como você não é mais a garota despreocupada que ele conheceu, mas essa mulher hiperativa que sempre parece saber o que fazer e como, e julga o que ele faz como se fosse dona de um conhecimento superior?). 

Todas as manhãs, quando você sai para o trabalho –um trabalho que te agrada, mas que às vezes faz você se perguntar se não será essa a fonte do problema: sua vida de fêmea genial ao lado de um homem que tem um emprego anódino, megatons de frustração represados–, ele se despede com uma alegria que se assemelha ao alívio (alívio de não vê-la por um tempo?), e você desaparece no elevador com um gesto de submissão e súplica (sem saber a quem se submete ou suplica o quê) . Às vezes, ao longo do dia, trocam mensagens e paira entre vocês um carinho que parece sincero, mas que, quando voltam a se ver, se liquefaz como o corpo de um pássaro escravizado sob uma corrente de ácido.

Termine de preparar um jantar simples. Receba-o sem dar sinais de nada. Escute, em seu cumprimento, essa queixa filha da irritação com que desta vez ele diz: "Meu velho deixou cair o celular e a tela quebrou". Diga, tirando a importância disso: "Bem, sempre se conserta". Quando ele responder "estou cheio disso", escute: "estou cheio de você". Sirva o jantar, comente coisas sem importância. Procure dentro de si as primeiras palavras sensatas que você preparou durante dias. Diga-as em um tom que parece amável e caloroso. Veja como de repente ele presta atenção. 

Sinta crescer dentro de si o otimismo necessário para seguir em frente. Escute a si mesma dizendo frases prolixas (detecte nelas palavras como "antes", "eu não entendo", "eu preciso"; diga a si mesma que tem que evitá-las; não faça isso). Veja como ele cruza os talheres no prato (escute uma voz que diz: "Chega, não diga mais nada", mas não pare). 

Solte as amarras. Convença-se de que este é o momento de deixar tudo jorrar, de abrir as comportas. Diga-lhe que a atitude dele a magoa (pense: "Não! Ele não é seu cúmplice, não vai cuidar de você"). Veja como ele olha para o prato com um distanciamento animal. Sinta, subitamente, sinta que tudo o que você diz exala uma superioridade na qual você não se reconhece. 

Pense: “Esta não sou eu. Eu não faço essas coisas.” Mas não faça caso da intuição lamurienta que sussurra que você está sendo patética. 

Continue. 

Quando acabar, pergunte: “O que está pensando?”. Olhe para ele. 

Veja que nos seus olhos não há compreensão, somente um pântano seco onde pulsa o rancor. Escute como ele diz: “Sinceramente? Tenho medo de você”. 

Entenda que ele sente – sabe – que você arruinou a vida dele. Que você é o inimigo.

Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2020/02/03/eps/1580729785_113909.html
Acesso: 15/02/2020

sábado, 8 de fevereiro de 2020

O desafio dos dois minutos (Rodrigo Ramos, para Coletiva.net)

(...) O caráter público do ofício do jornalista, especialmente no que concerne o trabalho final que chega aos consumidores, é dado como algo simples de ser feito. Algo que qualquer um poderia se habilitar a fazer. Nessas horas me remeto a um causo do comentarista esportivo João Garcia. Em seus tempos de rádio Bandeirantes ele teve de encarar um ouvinte raivoso que se achava mais preparado que os analistas de futebol da casa para debater o esporte.

O tal ouvinte chegou ao ponto de ir à sede da Band em Porto Alegre pedir para integrar a equipe de esportes da rádio para desmascarar aqueles "impostores". Pois bem, Garcia interveio e pediu que ele gravasse um comentário de dois minutos e que se ficasse bom eles iriam conversar melhor. O ouvinte ficou surpreso e atordoado. JG o encaminhou para um banheiro desocupado para que ele tivesse privacidade e uma boa acústica. Passada meia-hora, o futuro comentarista desistiu deixando um material de 30 segundos pontuado por muitas gaguejadas e nenhuma frase completa.

Rodrigo Ramos é comunicador e escritor, com mais de uma década de atuação no rádio esportivo.

Fonte: http://coletiva.net/artigos-home/o-desafio-dos-dois-minutos,348697.jhtml
Acesso: 08/02/2020

sábado, 1 de fevereiro de 2020

Três Apontamentos e Uma Sentença de "Memórias de um sargento de milícias" (Manuel Antônio de Almeida)

Dizem todos, e os poetas juram e trejuram, que o verdadeiro amor é o primeiro; temos estudado a matéria, e acreditamos hoje que não há que fiar em poetas: chegamos por nossas investigações à conclusão de que o verdadeiro amor, ou são todos ou é um só, e neste caso não é o primeiro, é o último. O último é que é o verdadeiro, porque é o único que não muda. As leitoras que não concordarem com esta doutrina convençam-me do contrário, se são disso capazes.

O coração da mulher é assim; parece feito de palha, incendeia-se com facilidade, produz muita fumaça, mas em cinco minutos é tudo cinza que o mais leve sopro espalha e desvanece.

É sempre assim que sucede: quereis que nos liguemos estreitamente a uma coisa? Fazei-nos sofrer por ela.

"(...) andas feito um valdevinos, sem eira nem beira nem ramo de figueira, sem ofício nem benefício, sendo pesado a todos nesta vida..."

Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=KbdcAAAAQBAJ&printsec=frontcover&dq=o&hl=pt-BR&sa=X&ei=9yU3U8jmBde-sQS4h4JQ&ved=0CF8Q6AEwCA#v=onepage&q=o&f=false
Acesso: 01/02/2020

Crença e Desejo (Jon Krakauer)

"É fácil, quando se é jovem, acreditar
que aquilo que desejamos é nada mais
que aquilo que merecemos, supor que,
se queremos muito alguma coisa, 
é nosso direito divino tê-la."


Incompetência e Iniciativa - Ditado (Malu Gaspar)

"Pior que um incompetente sem iniciativa, 
é um incompetente com iniciativa."
Malu Gaspar





Fonte: Foro de Teresina 86 (06:18) - 30/jan/2020

Destaques de Dois Irmãos (MIlton Hatoum)

(...) as palavras parecem esperar a morte e o esquecimento ; permanecem soterradas, petrificadas, em estado latente, para depois, em isen...