quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Eu sei, mas não devia (Marina Colasanti)



Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.


* Marina Colasanti nasceu na Etiópia, em 1937. Além de poeta, é pintora, jornalista e também escreve livros para crianças. É casada com o poeta Affonso Romano de Sant’Anna e mora no Rio de Janeiro.

Fonte: Colasanti, Marina. Eu sei, mas não devia. Rio de Janeiro: Rocco, 1996. 88 p. 
Crônica integrante da obra: O pequeno livro das grandes emoções. – Brasília: UNESCO, 2009. 60 p., p. 53/54.

Estrutura da Décima Espinela (Léo Ribeiro)


A - É Dia do Pajador

B - a todos, meus cumprimentos!

B - Pajada é arte, é talento,

A - é verso cheirando a flor...

A - Para pajar, meu senhor,

C - tem que ter fibra e tutano.

C - Tem que dar mostras do pano

D - do que sente o coração

D - e buscar inspiração

C - no mestre Jayme Caetano!


Verso: Léo Ribeiro 


Acesso: 30/01/2020

domingo, 26 de janeiro de 2020

Tradições e Costumes Campeiros - O Namoro (Raul Annes Gonçalves)




Em campanha a vida de namorados era dura. Precisava ter paciência, constância e amor para levá-la avante. No geral o namoro era resultado de encontros em bailes. Depois, outros bailes e o par começava a dançar “de efetivo”.

Ao terminarem uma “marca”, isto é, uma dança, sentavam-se juntinhos. Aí então, é que as pessoas começavam a notar a preferência de um pelo outro. Estava declarado o par de namorados.

Até esta fase era fácil, vitória sobre vitória. Mas passado um tempo a moça começava a insinuar ao moço para visitá-la em casa. – “E teu pai?” – era logo a pergunta do gaúcho. “Ora”, respondia a prenda, “meu pai não é um bicho papão”.

Com este e outros argumentos o rapaz enchia-se de coragem... Até que, enfim, uma bela tarde domingueira encilhava o pingo com os arreios festivos e rumava para o rancho da namorada.

Ao bolear a perna depois de dar o tradicional “Ó de casa”, amarrava o cavalo no palanque e, à convite de pessoas de casa passava para sala. Lá os pais já o esperavam.

Com jeito desconfiado, o recebiam friamente. Atrás dos pais, de pé, a pobre moça com o coração aos pulos, aguardava sua vez de apertar a mão do moço. A conversa era monótona. Falava-se de plantação, do tempo, do campo, pastagens e criação.

Nada, porém, que fizesse alusão do motivo daquela visita. Assim acontecia para mais de quatro semanas entre as visitas nos domingos.

Passado este tempo, entre os namorados, já havia troca de palavras e sentavam pertinho. Nada, porém de se darem as mãos e nunca ficavam a sós. Sempre tinha alguém a vigiá-los. Os namorados valiam-se da rodada de chimarrão, sempre enchido e tranqueado pela moça, para se tocarem os dedos na entrega da cuia. Isso era momento de grande emoção para ambos.

Neste ligeiro contato e no olhar revelavam promessas de amor. Um belo dia a velha, já mais íntima com o rapaz arriscava a cruciante pergunta: “Suas intenções e visitas são para casar?” – O rapaz meio surpreso e com receio de ser indelicado respondia afirmativamente. “É para quando?”, emendava a velha. O gaúcho cada vez mais embaraçado declarava:

- “Pode ser dentro de quatro meses, dona”.

O tempo passava breve e a futura sogra alertava o moço que entravam no mês do compromisso. Era necessário pedir a mão da filha ao pai.

O pobre rapaz coagido e dominado pelo olhar suplicante da moça, não encontrando outra alternativa, confirmava: - “É, tirante quinze dias, pode ser quando quiserem”.

Aqui terminava a fase do namoro e começava a do noivado.

(Raul Annes Gonçalves. Mala de Poncho – Reminiscências e Costumes Campeiros. Martins Livreiro-Editor. Porto Alegre (RS): 1987.)

Tradição (Raul Annes di Primio)



Os jesuítas foram os introdutores do gado no Rio Grande do Sul, até então povoado por animais silvestres e por índios. Estes foram a causa dessa tropeada de gado do Paraguai e que viria a constituir fonte segura e constante de alimentação dos índios reduzidos, pois a feita com caça, pesca e agricultura era irregular e imprevista, dependendo sempre das condições climáticas com períodos negativos em invernos rigorosos, secas, geadas, pragas castigando as lavouras e emagrecendo as “caças”.

Essa animália introduzida e distribuída na área missioneira e acomodada nas suas diversas estâncias que serviam de apoio abastecedor dos povos das reduções teve que ser, ainda que empiricamente, atendida com os meios existentes na época.

Coube, pois, aos padres a obrigação de ensinar aos índios catequizados a lidarem com esses animais até então desconhecidos, e deles tirarem os proveitos úteis e necessários tais como alimento, carne, leite, lavração, transporte, bem como o manejo para a manutenção desses gados, que deviam aumentar paralelamente ao crescimento populacional e consumidor dos índios catequizados.

Uma das primeiras medidas para aumento da criação foi a proibição do abate de fêmeas, na política de proteção e conservação de úteros necessários à produção de terneiros.

Em suas estâncias mantinham o gado confinado em áreas delimitadas por acidentes naturais: cerros, rios, banhados, matos, procurando sempre aquerenciá-los nestas áreas, chamadas antigamente de rincões. O gado era “rinconado”. Não havia ainda cercas de arame.

Medidas sanitárias não existiam. As bicheiras eram curadas com pomadas mercuriais já na época dos jesuítas.

Os nomes de santo nas raras capelas existentes e a maioria dos trabalhos rotineiros de uma estância são heranças dos jesuíticos. Tudo girava em torno dos santos. Não há registro de como surgiram, mas todas as benzeduras invocam o nome de Cristo ou ainda da cruz.

Para evitar essas bicheiras os padres campeiros (cada padre tinha sua especialização nas reduções), aconselhavam a marcação dos terneiros após o dia de São João (com o frio a mosca desaparece).

No entanto, com o decorrer do tempo, esses nomes santificados nas estâncias foram sendo substituídos pelos nomes pagãos de árvores, cerros, paisagens, etc. Por exemplo, Cinco Salsos, Estância da Figueira, Estância Cerro Negro, Estância Posto Branco, Boa Vista, Itaúna, Crianças, União, Pedras Brancas, etc.

Nos trabalhos de campo, durante o ano, muito por não saberem ler nem escrever e levar a “escrita” na cabeça, criaram um calendário próprio e “sui generis” para a cronologia dos trabalhos na administração de seus interesses.

Assim, para firmar data, não só para si, mas também para seus empregados, para que “fixassem” essas atividades, os serviços da estância eram determinados por datas históricas e não sacras e nesse sistema adotavam:

- 20 de setembro, assinalação de cordeiros, em homenagem à revolução Farroupilha;

- 3 de outubro, entourar, homenagem à revolução de 30;

- Após 2 de novembro, início da esquila, em homenagem aos mortos;

- 1º de maio, retirada dos touros do gado de cria, em homenagem ao trabalhador (Dia do Trabalho);

- 3 dias depois do carnaval, largada dos carneiros (somente Corriedale) do rebanho de cria, em homenagem aos foliões;

- 1º de abril; retirada dos carneiros do rebanho de cria, em homenagem aos bobos.

Este cronograma encontramos em uma estância da fronteira, de propriedade de um advogado formado em São Paulo, com larga experiência campeira. É uma maneira sábia e filosófica de firmar na memória uma rotina fixa, definida, numa exploração em tempos passados, com pouca ou nenhuma escolaridade, em que a maioria dos patrões e empregados eram analfabetos, e os raros que não eram se guiavam pelos calendários conhecidos como “folhinhas”, distribuídas pelos bolichos de campanha.

A época de entourar no Rio Grande é na primavera e geralmente a partir de 1º de outubro. A de encarneirar varia um pouco de acordo com a raça e inicia em dezembro com as raças de lã fina e em fevereiro/março com as raças de cruza média e grossa. A esquila, ainda de acordo com a região, inicia em meados de outubro e vai até janeiro.

(Raul Annes di Primio. Vento Sul: costumes campeiros. Porto Alegre: Edigal, 2000.)

O Mate do Gaúcho (Raul Annes Gonçalves)



Também chamado de chimarrão, entre os campeiros é mais conhecido por mate, simplesmente. O mate é feito e tomado pelos gaúchos somente em cuia proveniente do porongo. Porém, as mulheres utilizam também caneco de barro ou alouçado e cuias feitas de madeira para tomarem seu mate doce. São só as mulheres que tomam mate com açúcar. elas também apreciam o mate de leite, isto é, em vez de água, o mate é enchido com leite quente, já preparado com açúcar, canela e erva-doce. O mate de leite é tomado de preferência pela tarde, acompanhado com pão, bolacha ou biscoitos e entre visitas íntimas, vizinhas ou comadres.

O gaúcho toma o seu mate amargo pela madrugada. Porém, quando de folga, toma-o a qualquer hora. Em seu rancho, ao chegar uma visita ou algum forasteiro, é logo obsequiado com um amargo. O gaúcho costuma pôr na chaleira, destinada ao mate, algum “jujo”, isto é, casca de certas árvores, raízes ou folhas de ervas que servem como medicamento.

O mate é tomado no galpão, entre peões, e é enchido só por um deles, sendo passado de mão em mão, sempre da direita para a esquerda. Mas, se na roda houver pessoa de categoria mais elevada, ou mesmo o patrão, a este é oferecido o mate em primeiro lugar.

O mate tomado na sala, entre pessoas de cerimônia, nunca é enchido no próprio recinto. Neste caso, cabe a uma mulher, de preferência uma das filhas do dono da casa, já moça, “tranquear” o mate da cozinha para a sala.

Nunca usam duas cuias na mesma roda de chimarrão, salvo em acampamento, quando o número de pessoas é grande.

Ao se agradecer o mate, é de praxe fazê-lo ao entregar a cuia e não recebê-la das mãos do enchedor.

Quem ao receber o mate, estando meio apertado ou entupido e sendo enchido por outro, não deve procurar corrigi-lo. Isso seria uma falta de atenção para com o enchedor. Neste caso, o direito é devolvê-lo a quem estiver enchendo e desculpando-se, pedir que o arrume.

O mate bem cevado sempre conserva um morrão de erva seca na boca da cuia. Essa erva deve ser depositada ao lado esquerdo de quem toma o mate. Se estiver à direita, o mate é canhoto, pois para enchê-lo, é forçoso despejar-se a água da chaleira por cima do morrão e isso não fica bem.

Ao entregar a cuia, depois de haver tomado o mate, não se deve levantar do banco ou do assento para tal, mesmo tratando-se de pessoa de cerimônia ou desconhecida. Basta fazer um simples gesto, estirando o braço, fazendo ver ao enchedor seu desejo de lhe entregar a cuia. A pessoa que estiver enchendo o mate é que atravessa a sala para entregar ou receber a cuia.

É também de bom costume, ao terminar o mate, fazer roncar a cuia, discretamente. Isso serve para advertir a quem estiver enchendo o mate, que este está tomado. Nunca se deve entregar o mate sem tê-lo tomado totalmente.

A cuia nunca deve passar de um dia para outro com erva. Isto faz com que o porongo fique com cheiro e gosto de azedo. Para retirar-se o azedo de uma cuia basta, antes de iniciar um novo mate, colocar dentro do porongo algumas brasas, despejando logo água fria em cima.

O mate sempre foi uma aproximação e oportunidade para os namorados, pois ao receber ou devolver a cuia sempre havia facilidade de se tocarem os dedos sem serem percebidos por terceiros que estivessem na sala.

No galpão, quando se colocava a chaleira sobre tições em vez de pôr no gancho ou na trempe, alguém logo lembrava este adágio: “Chaleira em cima do tição, tomaremos mate ou não”.

(Raul Annes Gonçalves. Mala de Garupa (Costumes campeiros). 3ª ed. Porto Alegre (RS): Martins Livreiro – Editor, 2004.)

Hábitos e Costumes – Matear Solito (Raul Annes di Primio)




Há muitos anos atrás, isto até a década de 40, uma doença que grassava impiedosamente era a tuberculose e quando chegava ao extremo era denominada tísica. Não havia tratamento, a morte era certa. Famílias inteiras tinham esse problema, aliás, bem retratado no livro “De todo o laço”, do médico Blau Souza.

Como o contágio era violento e vários membros da família adquiriam a doença, comum em muitas e muitas moradias rurais, uma das medidas tomadas para evitar esse contágio, acreditavam nossos antepassados, era eliminar o uso em comum do chimarrão. Nesse sentido e com essa intenção preventiva, muitos adotaram o mate individual. Cada um com sua cuia.

O visitante de outra região, quando chega em uma casa que tem esse costume e o desconhece, passa momentos de vexame. Muitas vezes o visitante se vê numa situação de matear sozinho, embaraçosa, desajeitada, inclusive para cevar o mate, em frente à família desconhecida que fica observando as dificuldades do mateador solitário, que até se autojulga contaminante ou de mau aspecto.

Por outro lado, quem toma seu chimarrão em roda gosta também, na parte da manhã, ainda de madrugada, de chimarrear sozinho, para pensar e por suas “idéias em ordem”.

Convivendo com famílias que adotaram o mate individual, nos acostumamos a aceitar essa discriminação, achando uma opção familiar ou individual, ainda que se tratando do chimarrão que para o gaúcho é uma bebida social.

Em muitas madrugadas nos acostumamos a ver no Castelo de Pedras Altas, na volta de um prefixo de rádio amador, a família Assis Brasil, Dona Lídia, Quinquinha, e a Menina Lídia, cada uma com seu mate, e, no entanto, nunca soubemos da existência de moléstia contagiosa nessa família.

(Vento Sul: costumes campeiro. Raul Annes di Primio. Porto Alegre: Edigal, 2000.)




Gado e Gente do Pampa (Blau Souza)



Os jesuítas que tinham desenvolvido populosas aldeias no Guairá fugiram dos bandeirantes com o que restou de seus índios e se instalaram nas costas do alto Uruguai. Na margem oriental, a partir do Padre Roque González, em 1626, instalaram-se dezoito povos, cujos habitantes chegaram ao rio Jacuí e o ultrapassaram, desenvolvendo notável civilização e grandes rebanhos. Sua sina, entretanto, não desaparecera. Os bandeirantes continuavam a apresar gentios para escravizar e isso era facilitado pela existência de aldeamentos quase indefesos, pois os índios das Missões ainda não tinham autorização da coroa espanhola para o uso de armas de fogo.

As Missões foram dizimadas por Raposo Tavares, Manoel Preto, Francisco Bueno, André Fernandes, Fernão Dias Pais e outros aventureiros vicentinos, cujas famílias e posses dependiam diretamente do sucesso das bandeiras. Os últimos índios reduzidos fugiram para o outro lado do rio Uruguai por volta de 1640 e deixaram para trás seus rebanhos, sem donos a partir de então. O Padre Simão Vasconcellos, jesuíta português, descrevia em 1663: “É notável por aqui a bondade da erva, os campos não têm fim, o número de gado são milhões e milhões; donde só pelos couros se mata, e se carregavam muitos navios deles, deixando a carne por inútil”.

Jesuítas de várias nacionalidades, sob bandeira espanhola, conseguiram despertar a cobiça bandeirante, primeiro com os próprios indígenas nas reduções e depois com os rebanhos vacum, cavalar e ovino que deixaram a vagar pelo mar verde do pampa. Aventureiros, homens nômades, passaram a agir nesse meio. Eram índios, brancos, negros e mestiços, os mais variados; muitos deles a fugir da convivência humana ou da própria vida e que ganharam uma identidade em função da exploração da riqueza pecuária. Hábeis cavaleiros, e nisso se notabilizaram os charruas e os minuanos, passaram à matança do gado, pois havia compradores para os couros não só entre os comerciantes das nações ibéricas, como nos navios de piratas franceses ou de outras nacionalidades que se habituaram a aportar em nosso perigoso litoral. Os faeneros ou changadores usavam laços, boleadeiras e lâminas em meia-lua adaptadas a cabos longos de madeira e que serviam para desjarretear ou cortar o tendão posterior das patas, o garrão, impedindo que as reses se locomovessem.

A cor negra dos abutres salpicava o verde dos campos, e eles disputavam a cães chimarrões e a outros comedores de carne, as carcaças que iam apodrecendo e empestando aires não tão buenos. Ia surgindo um tipo humano, ainda sem nome, adaptado ao pampa e que lutava, sobretudo, pela sobrevivência. A devastação dos rebanhos prosseguia com agravantes: os touros, todos os machos o eram, forneciam os pesados couros, de boa espessura, e as novilhas, de carne mais macia, eram abatidas para fornecer um ou dois assados para matar a fome dos gaúchos. Acham que a palavra, gaúcho, caiu bem? Claro que sim, pois foi aí que ele surgiu, como homem adaptado a um meio que exigia exímios cavaleiros, capazes de sobreviver à solidão do pampa. A separação das coroas ibéricas em 1640, depois de sessenta anos de frágil união no reinado dos Felipes de Espanha, agravou a rivalidade entre as duas nações, logo transmitida às suas terras na América. As Missões alcançaram grande desenvolvimento no lado espanhol depois que os bandeirantes abandonaram a perseguição aos índios, depois de derrotados em Mbororé no ano de 1641 por missioneiros já armados com arma de fogo e preparados para guerrear. O aumento populacional preocupava os padres, que não tinham esquecido as terras da margem esquerda do Uruguai. A instalação da Colônia do Sacramento pelos portugueses em 1680 e a volta dos jesuítas espanhóis com seus índios à margem oriental do Rio Uruguai, criando os Sete Povos a partir de São Borja em 1682, serviram para ressaltar as qualidades e os defeitos desses homens do pampa, que passaram a lutar sob diferentes bandeiras e falando português ou espanhol.

(Blau Fabrício de Souza. Uma no cravo, outra na ferradura. Crônicas do Campo. Porto Alegre, AGE, 2004.)


A Memória dos Pilas (Blau Souza)



Num país de moedas efêmeras e com uma história de inflação significativa, não é de admirar que o povo busque parâmetros estáveis, ainda que fazendo parte do mundo do faz-de-conta. Nos últimos cinquenta anos, tivemos pelo menos oito moedas diferentes no Brasil, sem contar os índices para aplicar tabelas de correção monetária e outras invenções. Por vezes, papéis de renegociação da dívida pública ganharam apelidos como as brizoletas, pouco duradouras como as próprias moedas oficiais; faltou-lhes estofo histórico que as consagrasse como definitivas.

Mas com os pilas a história é diferente. Quem ainda não ouviu ou usou pila e pilas para significar dinheiro? Pois, para isso, há uma explicação que penetra em nossa história e se enche de significado mágico.

Corria o ano de 1932 e Getúlio Vargas, embriagado pelo poder, não convocava a esperada assembleia constituinte. São Paulo pegou em armas, esperando que o mesmo ocorresse em todo o Brasil e, sobretudo, no Rio Grande do Sul, cujo interventor, Flores da Cunha, participara de reuniões conspiratórias e de apoio aos constitucionalistas. Mas na hora decisiva, Flores da Cunha com a poderosa Brigada Militar gaúcha ficou do lado de seus amigos Getúlio e Oswaldo Aranha.

Antigos líderes republicanos como Borges de Medeiros, João Neves da Fontoura, Lindolfo Collor passaram a ser perseguidos junto com Raul Pilla, Batista Luzardo e tantos outros chefes maragatos. Borges de Medeiros, apesar da vigilância e da censura, conseguiu fugir de Porto Alegre na companhia de seu antigo adversário Batista Luzardo. Passaram a enfrentar o inverno nas coxilhas e com pouca munição para não fugir aos compromissos assumidos com São Paulo e com a constituinte a ser convocada.

Os governos, federal de Getúlio Vargas, e, estadual de Flores da Cunha, esmagaram os revolucionários. Mas não conseguiram retirar do movimento armado, a riqueza de ideais e de símbolos. Assim, a revolução terminou no Rio Grande do Sul após o disparo do último tiro pelos rebeldes; próximo a Piratini, primeira capital farroupilha; e no dia vinte de setembro, tão caro para as tradições gaúchas.

O protesto quase desarmado do tantas vezes combatido Borges de Medeiros emocionou antigos companheiros e adversários numa nova reacomodação de forças diante do poder. Ao final da aventura armada, a grande preocupação do velho Borges não era com ele, que seria respeitado pelos seus antigos discípulos, mas com os ex-adversários Raul Pilla e Batista Luzardo, a quem convenceu da conveniência da fuga antes que caíssem nas mãos das tropas governistas.

Borges de Medeiros foi enviado preso para Recife, enquanto Raul Pilla, Batista Luzardo e outros tiveram de permanecer no exterior, exilados, por muito tempo.

Gurizote, quando ainda não valorizava o passado, eu conheci, já bem velho, o cavalo Pente Fino, um zaino amilhado que meu pai escolhera para dar escapula ao velho Borges rumo à fronteira. Atitudes práticas ganhavam tintas de ficção ante a força e o arbítrio. Borges resolveu não atravesssar a fronteira e enfrentou a prisão, mas seus companheiros e ex-inimigos o fizeram e tinham de ser mantidos no exílio.

Organizaram-se listas de resistência e meu pai e seus irmãos, da mesma forma que muitos gaúchos, recolhiam recursos para manter os exilados em condições dignas no exterior. Um dos expedientes usados pelo pessoal da insurgente Frente Única para angariar fundos foi emitir bônus, cédulas semelhantes a dinheiro real, e que tinham a estampa dos líderes exilados.

Foi aí que se popularizaram as cédulas com a figura do Doutor Raul Pilla e que o povo logo chamou de pilas. O termo caiu de tal maneira no gosto popular, que passou a ser utilizado na acepção de dinheiro verdadeiro. Chama a atenção que tantas décadas depois dos fatos históricos e após tantas moedas oficiais e planos econômicos, permaneçam os pilas como expressão definitiva e popular de unidade monetária.

De certa maneira, o povo, na sua sabedoria, homenageou e continua a homenagear um dos políticos mais íntegros e coerentes que o Rio Grande produziu.

(Blau Fabrício de Souza. Uma no cravo, outra na ferradura – crônicas do campo. Porto Alegre, RS: AGE, 2004.)




quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

“Carta de Jubilamento Bancário do Mauricião”



Povo, sei que a maioria não vai ler, pois ficou muito grande, apesar d’eu condensar (deixei 8 fls de fora), mas, como todo molóide q se preze, exijo meus direitos: meu recado final! Acharam que escapariam? Nem fudenu. Mas, juro por Darwin que é a última vez que os incomodarei neste zap-zap…

Snif, snif e snif… Don’t cry for me, Argentina!… ups… BB…

37,7 anos de BB com muito orgulho, honra e felicidade. Não vou lembrar de nenhum colega, mas, sim, de amigos desta grande casa. Faria tudo de novo exatamente da mesma forma. Não mudaria nadica. Nem aquelas “trocentas” vezes q quis matar o meu chefe, ou outras “trocentas” que quis dar um bezão nele, como agora, por exemplo, no Celiozinho, ou no Sandrinho Grando e tantos outros amigos e colegas queridos como Vcs (ia acrescentar bonitos, mas tem uns que fogem do padrão e estaria forçando, por dimais, nossa amizadi…). Lembrem-se que já estou fora e não careço mais de puxar o saco de ninguém. Portanto, este elogio é real e sem demagogia alguma!

Fui muito feliz aqui. E devo isso a todos Vcs, amigos do BB. Se pareci ser “zente boua” é mérito de Vcs, pois sou um espelho que reflete apenas as coisas boas que me passaram, As ruins, extremamente raras, nem tomei conhecimento. Deleto-as e não guardo nenhuma mágoa. Só tenho recordações excelentes de todos Vcs. Por isso a dor da saída, amigos, tão bem expressa pelos colegas Alceu e Antenor no Enlid da semana passada, a qual compartilho, e só não funguei lá também porque já tinha fungado uns dias antes, quando decidi pendurar as chuteiras e a minha família me deu todo o apoio que eu precisava!

Repasso um conselho que recebi, quando fomos pro Atacama, em 2006, do nosso mecânico, Roque Moss, o “Legenda” como carinhosamente o chamamos. Ele disse que, se algo der errado, se a moto estragar, engripar, furar pneu, etc, não fique brabo com ela. Não brigue com ela, pois é ela que vai tirar Vcs de qualquer enrascada. Isso vale para o nosso querido BB. Se ele, de vez em quando, te embretar em algum beco sem saída (desculpem o pleonasmo), fique tranquilo, pois ele mesmo vai tirar Vc de lá. OU, como diria o Olmerindo, ex-gerente de Sta. Rosa: “não fale mal do cavalo...”. Ou, ainda, “no fim dá tudo certo. Se ainda não deu certo, é porque ainda...”.

Autor: Maurício Hermann
Fonte: “ZAP”, mantida a grafia.
Dezembro 2016

sábado, 11 de janeiro de 2020

El líder menos pensado: por qué los inútiles llegan al poder (Andrés Hatum)


La consigna de "ascender o morir" con la que se mueven muchas de las organizaciones termina promoviendo a ejecutivos a ocupar puestos para los que no están preparados o en los que tienen que dejar de lado sus mejores habilidades; cómo conjugar la carrera corporativa con la felicidad person

Diez años atrás, el sueño de Pedro era poder ser parte del equipo directivo de la empresa donde trabajaba. "Top management" le decían a ese equipo de estrellas. Parecía algo difícil de lograr, casi imposible. Desde su jefatura de ventas, Pedro veía la calidad de vida de los directores, ese selecto grupo que tenía autos corporativos importados, tarjetas corporativas, ego corporativo. Pero Pedro sabía moverse bien políticamente, caminaba los pasillos y hablaba con las personas adecuadas. En diez años, el salto en la carrera de Pedro fue meteórica: de una jefatura a una dirección. Ahora Pedro manejaba su auto importado corporativo y se daba cuenta de los pocos logros que había tenido en su nueva posición, de lo poco preparado que estaba para la misma y de la inseguridad que todo esto le generaba. Por otra parte la calidad de vida que él idealizaba en los antiguos directores era una basura y el auto corporativo una cárcel con cuatro ruedas. Pedro extrañaba sus días como jefe de ventas, un puesto que lo apasionaba. Hoy no solo no le gusta lo que hace, siente que no sirve para el mismo. Se siente un inútil.

Ascender o morir es una consigna del mundo corporativo. La ambición es el factor común de todos aquellos que quieran llegar al olimpo organizacional. El dulce néctar de un suculento paquete de compensaciones y el estatus que ese lugar otorga explican esta desmesura.


El problema está en que muchas de las personas que ambicionan un gran crecimiento profesional y ascensos permanentes pueden llegar al límite de su inutilidad y, por ende, al fin de su vida corporativa. Es lo que suele llamarse el "principio de Peter", nombre que le otorga el libro homónimo publicado por Laurence Peter en 1969, que establece que las organizaciones promueven a sus buenos empleados hasta el límite de su incompetencia. El problema es no darse cuenta. Esteban Iriarte es argentino y CEO de la compañía Millicom para Latinoamérica con base en Miami. El ejecutivo asegura a LA NACION que "al haberse superado el límite de la competencia, todos en la organización se dan cuenta menos el propietario de la incompetencia".

¿Será por eso que muchos ejecutivos piden cambios de posiciones cada dos o tres años? Claro, si alguien estuviera en una posición más de cinco años, por ejemplo, estaríamos hablando no de un ejecutivo o ejecutiva exitosa, sino de un incompetente estancado. Un horror.

Hace unos años me contactó un exalumno, Mauro, quien tenía una posición cómoda en el país como director de Sistemas en un banco de inversión "Tuve el ofrecimiento del banco de ir a México a manejar la región. Pero lo rechacé. No quería ser un súper ejecutivo. Me dí cuenta que quería ser feliz" Una versión diferente a la del pobre Pedro a quien la carrera directiva lo terminó defraudando (y probablemente él también a la compañía). Pero cuidado, la decisión de ser feliz de Mauro tuvo consecuencias: su carrera quedó congelada y a los dos años tuvo que cambiar de empresa. Costos y beneficios de cuando la balanza se orienta más a la felicidad personal a costa de ralentizar la vida profesional.


En un artículo reciente de la revista inglesa The Economist se menciona un estudio que se realizó con 40.000 vendedores en 131 empresas diferentes y concluye que las compañías tienden a promover a los mejores vendedores. Es que los buenos vendedores son convincentes, tienen carisma y persistencia para vender, asevera el artículo. Sin embargo, no son las mismas capacidades que hacen falta para liderar un equipo de ventas: planificación estratégica y administración de recursos. Muchos buenos vendedores terminan ahogados en tareas que detestan. Cuando uno logra llegar al estado de incompetencia es una cuestión de culpas compartidas entre la persona que no supo medir correctamente el riesgo y se dejó llevar por sus ambiciones, y la propia empresa, que no pudo hacer una evaluación correcta del individuo frente al desafío que se propuso.

Correr contra el reloj de la vida corporativa nos hace olvidar muchas veces las cosas que queremos y valoramos. A veces es cuestión de hacerse unas preguntas muy simples pero eficaces para saber si estamos alineados entre lo que hacemos y lo que queremos hacer: ¿Disfruto este trabajo? ¿La actividad que realizo se acerca a mi vocación? Lo que estoy haciendo ¿me hace feliz?

A los 20 años estas preguntas pueden ser insignificantes. Cuando la adrenalina juvenil va más rápido que el análisis que podemos realizar, todo termina siendo un desafío. Pero luego de los 40 años estas preguntas son significativas para no terminar siendo promovidos a puestos que no nos agregan valor a nuestras vidas. Es más, para mucha gente el crecimiento profesional y los ascensos en las compañías terminan siendo inversamente proporcional al grado de felicidad que poseen: mientras más alto se encuentran en la organización más infelices son. Es que estas personas no alinearon nada. Solo pensaron en llegar. El tema es a dónde.

Cada promoción implica no solamente mayor responsabilidad, también mayores compromisos, menos tiempo personal, abrir la agenda a muchas más personas. Para algunos es algo maravilloso, para otros esto puede implicar el infierno personal y profesional. "Me levanto a las 6 de la mañana y a las 8 empiezo con una maratón de reuniones de los temas más variados que te puedas imaginar", comenta un directivo. "La mitad del mes me la paso viajando por la región. Veo poco a mis hijos adolescentes y tengo la sensación, al final del día, que llegué a donde quería, gano un montón pero no genero nada substancial. La sensación de vacío es grande".

Ahora bien, la incompetencia puede surgir, como hemos visto, por querer superar los límites de nuestras propias posibilidades. Esto sucede cuando las organizaciones nos llevan al límite de la incompetencia o cuando uno mismo llega a ese punto. En ese momento es cuando un jefe corre riesgo de convertirse en un inútil. Sin embargo, la incompetencia también puede darse cuando, además de forzar el crecimiento hasta los límites de la inutilidad, nos encontramos con pseudo líderes que no ven la realidad.


Competencia vs confianza


Tener un líder inútil puede generar muchísimos inconvenientes para una organización. En Estados Unidos, el bajo compromiso de los empleados resultante de malos jefes, implica una pérdida de productividad anual estimada en US$500.000 millones.

Un gran problema es la falta de obstáculos que tienen las personas inútiles para llegar a posiciones de poder. Hay que tener en claro que lo que nos permite obtener un empleo no es siempre lo mismo que se requiere para hacer bien el trabajo.

Cuando Roger Federer ganó su octavo título en Wimbledon, un periodista de la BBC le preguntó cuál era el secreto de su éxito. Federer respondió que su auto confianza era la clave. Él creía en sí mismo y por eso ganaba. ¿Y el rol del talento? Es el talento que lidera la confianza más que viceversa. Por eso hay que tener en cuenta la diferencia entre la competencia y la confianza. No es lo mismo.

La competencia es cuán bueno uno es en algo. La confianza es cuán bueno uno cree que es. La competencia es una habilidad, la confianza una creencia sobre esa habilidad. Cuanto mayor el gap entre confianza y competencia, es más probable que la persona sea insoportable, soberbia, egocéntrica e inútil como líder. Generalmente tendemos a creer que somos mejores de lo que realmente somos.

Esteban Iriarte tuvo varias experiencias laborales antes de encumbrarse como CEO, y en ese trayecto padeció la incompetencia de algunos jefes: "A inicios de mi carrera profesional reportaba a alguien que con veinte años de experiencia ya había logrado su silla de gerencia. Su trabajo básicamente era perdurar, el mío aprender. Perdurar no es un trabajo fácil, necesita destreza y competencia. Para esta jefa que tuve sus colaboradores éramos enanos a los que no nos dejaba crecer. Yo tratando de crecer, ella tratando de criar enanos del jardín. Fue un desastre" , explica. Luego de seis meses sin hablarse, el negocio en riesgo y al borde de renunciar, Iriarte cambió de estrategia producto de que su mentor en ese momento lo ayudó a repensarse "Confronté menos, traté de entenderla, y al final me fui, pero cuando logré ser su par", explica.

"Es fácil ver cuando alguien es incompetente", asevera Iriarte. "Cuando alguien no funciona en la posición que ocupa por incompetencia termina impactando en los resultados y hay muchísimo ruido a su alrededor. El incompetente se hace evidente para todo el mundo".

Las personas más ineptas sobrevaloran más sus capacidades. Los más competentes, por otra parte, demuestran un espíritu más crítico y dudas, especialmente cuando se trata de su expertise. Es que mientras uno más conoce, mayor claridad se tiene respecto a lo que uno sabe y no sabe. El axioma de Sócrates "yo solo sé que no sé nada" encaja perfectamente para los más competentes. Por el contrario, mientras menos se conoce, menor es la posibilidad de darse cuenta de las limitaciones que uno tiene. Si a esto le agregamos que aquellos que tienen un exceso de confianza creen que saben lo que no saben, las consecuencias de su accionar pueden ser imprevisibles. Se asume que la gente que tiene una alta autoestima y exceso de confianza es competente. Sin embargo, no existiría relación entre ambas cualidades de acuerdo a Chamorro-Premuzic en su último libro publicado por Harvard Business Press.

El ex ministro inglés David Cameron es un claro ejemplo de exceso de confianza cuando convocó al referéndum del Brexit. Con un resultado adverso a lo que él suponía, puso en peligro el futuro de Gran Bretaña y Europa y, por supuesto, liquidó su carrera política. Una razón por la cual los líderes que tienen exceso de confianza son susceptibles de tomar decisiones peligrosas es que son inmunes al feedback negativo.

El exceso de confianza afecta tanto a hombres como a mujeres, pero más a los varones. Un estudio encontró que 30% de los hombres sobrestiman sus capacidades frente al 15% de las mujeres.


Carisma vs competencia


El carisma explica fundamentalmente la prominencia de líderes psicópatas. Pero no todos los líderes carismáticos son psicópatas. Algunos directamente son inútiles. Sin embargo, cuando un líder es competente y es seguro de esa competencia, no necesariamente necesita ser carismático.

Amancio Ortega, el fundador y chairman de Zara, la multinacional textil española y la persona más rica de Europa, no habla en público y no acepta premios o reconocimientos. Cuando los líderes son humildes, los empleados emulan su comportamiento, admiten errores, comporten el crédito de los éxitos con el equipo y son más receptivos a las ideas de otros y al feedback.

Los líderes carismáticos tienen más posibilidades de convertirse en psicópatas o narcisistas, de acuerdo a una reciente investigación. El narcicismo es 40% más alto en hombres que en mujeres. Alrededor del 5% de los CEO son narcisistas, comparado con el 1% de la población en general.

Con esto no decimos que el carisma no importa. Theresa May, la primera ministra británica, obtuvo su puesto por la percepción general de ser una persona más competente que carismática. May ha tenido muchos problemas con el proceso del Brexit y se demostró incapaz de unir al país detrás de esta idea, aisló a la oposición y se puso en contra de los miembros del parlamento, inclusive de su partido. Un líder que dice que invita a que se presenten ideas pero las ignora, no es un buen líder definitivamente. May demostró no solo no ser carismática, algo que ya se sabía, sino ser incompetente, algo que resultó ser una sorpresa para muchos y que terminó con su carrera política.

La competencia es más importante que el carisma. Los gerentes quieren fundamentalmente tener presencia y carisma para persuadir a sus equipos de seguir sus ideas. Sin embargo, necesitan pensar más en acompañar al equipo, entenderlo, ponerse en el centro de sus necesidades y tener ideas claras más que inspirar como único objetivo, porque muchos líderes carismáticos inspiran hasta que la gente se da cuenta que detrás de esa inspiración hay un cascarón vacío.


Una pregunta que toda persona debe hacerse a lo largo de la vida profesional es si está siguiendo sus vocación o si simplemente corre tras una carrera directiva por el simple hecho de correr. Los que se acerquen a la vocación en sus vidas profesionales difícilmente lleguen a su límite de incompetencia ya que, lo que sea que estén haciendo, lo harán con pasión y lo disfrutarán. Esta gente es la más preparada para adaptarse a los cambios del mercado. Stephen Hopkins definió a la inteligencia como la capacidad de adaptarse a los cambios. Aquellos que siguen su vocación son los más capacitados para lograr esta adaptación. Al contrario, si son del segundo grupo, aquellos que desean promocionar para adquirir mayor estatus o beneficios, difícilmente logren adaptarse ya que estarán perdidos en entender qué quieren. Estas personas deberían consultar a Pedro, nuestro director que todavía recuerda con nostalgia lo feliz que era cuando trabajaba en lo que realmente disfrutaba.

Fonte: https://www.lanacion.com.ar/economia/sin-titulo-nid2322519
Acesso: 10/01/2020

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Da arte de aprender a cair (Vladimir Safatle)


O desejo procura a queda porque ela é o impulso que temos para ser diferente de nós mesmos, diferente do que fomos até agora. Talvez seja por isso que entramos em relação


Vladimir Safatle

Eu sempre quis começar um texto perguntando-me por que livros de ética normalmente são tão ruins. Não falo apenas dos livros para grande público, normalmente repletos de descrições edificantes sobre virtudes que parecem feitas para animar palestras motivacionais de grandes empresas ou exortações morais que dificilmente escondem seu tom claramente redutor. Como se houvesse algo da ordem de palavras encantatórias que quanto mais repetidas mais teriam o dom de simplificar a existência e seus caminhos. Mesmo quando tais livros começam com um tom de ruptura e de rebeldia, é apenas para chegar a alguma digressão mágica sobre felicidade ou algum produto congênere da mesma família. Melhor seria se eles começassem por se perguntar por que a felicidade tornou-se historicamente, ao mesmo tempo, impossível e imoral para nós; por que ela deve começar por ser recusada se quisermos ainda permanecer fiel a seu impulso inicial. Parafraseando Kafka, dizer que há felicidade, mas não para nós, seria uma maneira de começar por lembrar que a verdadeira decisão ética aqui consiste em recusar qualquer compromisso com a permanência de uma situação histórica fundada na infelicidade de muitos.

Mas, se voltarmos os olhos aos livros que circulam no mundo acadêmico na área que chamamos normalmente de “filosofia moral”, encontraremos uma terra devastada não muito distinta. Difícil não perceber como eles estão entre os mais esquemáticos. Alguém deveria começar por lembrar que não se fala de posições éticas sem definir as fronteiras de suas limitações históricas. Como se fosse possível falar de virtudes da mesma forma que Aristóteles, quando nem sequer fazia sentido a distinção entre as virtudes do cidadão (porque se trata de um problema de homens) e as virtudes privadas, já que o horizonte social de fundamentação da vida ética não era passível de questionamento. Ou melhor, só era questionado como ruína e catástrofe nos momentos mais dilacerantes do teatro, como vemos por exemplo em Antígona, de Sófocles. 

Mas poderíamos continuar este estranhamento em relação ao apagamento da situação histórica de enunciação nos perguntando sobre o erro de falar de dever como na época de Kant, quando a crença na forma procedural e universalizante do julgamento ético podia ainda aparecer como um ganho de racionalidade em relação à vinculação local dos costumes e tradições, quando a exortação a agir por amor ao dever podia ainda ser um contraponto à consolidação da redução de nossas motivações para a ação ao quadro calculador da maximização dos interesses individuais. Não perceber que a história dessa crença na universalização foi também a história de uma desafecção catastrófica em relação a contextos, de uma abstração que trazia no seu bojo as marcas das piores violências seria, mais uma vez, tomar a filosofia pela arte da descrição de estrelas imaginárias, ou seja, descrição de entidades aparentemente imutáveis que existem apenas nos olhos de quem as descreve.

No fundo, todas essas estratégias, e elas são múltiplas, partilham ao menos um erro fundamental: o erro de acreditar que uma reflexão sobre ética seria a melhor forma de alimentar nosso desejo de invulnerabilidade e de inviolabilidade. A ética como uma forma, talvez a mais astuta, deste estranho desejo humano de inviolabilidade. Pois se soubéssemos nos orientar de forma segura na dimensão moral seríamos invioláveis, andaríamos em um solo firme, mesmo se nossas certezas morais produzissem continuamente equívocos e fracassos. Ou seja, a ética como a versão secularizada da procura por uma segurança ontológica. Por trás de suas questões do tipo “como quero ser?” ou "o que devo fazer?” haveria sempre este desejo por um último amparo, pela crença de que nada nos retirará do domínio de nós mesmos. Que este desejo esteja dirigido ao nosso vínculo aos deuses ou a nossa pretensa capacidade de julgar e avaliar nossas próprias ações e as ações de outros, isto não muda um dado fundamental, a saber, haveria uma segurança ontológica a me guiar. Nietzsche costumava dizer que nunca nos desvencilharemos de deus enquanto acreditarmos na gramática. Ele tinha razão, e poderíamos ainda acrescentar que nunca nos desvencilharemos de deus enquanto desejarmos nossa invulnerabilidade. E nós sabemos o quanto nossas regressões sociais periódicas estão vinculadas às formas do desejo de imunidade, do estar em possessão de si mesmo, do pertencer a si mesmo, do destruir tudo que me retire de tal possessão de si mesmo. 

Por isso, talvez a única posição ética à altura de nosso tempo deveria partir da procura em assumir uma insegurança ontológica fundamental. Nesse sentido, poderíamos mesmo dizer que a ética tornou-se para nós um aprendizado sobre como cair e como se quebrar. Há certos momentos em que fica claro como o mais importante é saber como cair, como se quebrar. Pois fomos feitos para nos quebrarmos.

Em uma de suas raras declarações sobre educação (que ele julgava uma tarefa impossível), Sigmund Freud afirmava que toda educação estava fadada ao fracasso porque ela partia do aprendizado da norma, das situações ideais, dos princípios. Mas um princípio é o que é, ou seja, apenas algo que aparece no princípio, nunca um resultado. Melhor seria, dizia Freud, se ensinássemos as situações concretas e essas, bem, essas mostram coisas muito diferentes. Melhor seria se nos disséssemos desde o início: “prepare-se porque um dia você irá se quebrar, você irá se trair”. Você irá se deparar com aquilo que não se submete ao seu controle, aquilo que o tira da jurisdição de si mesmo, aquilo que o desfaz em suas identidades, aquilo que desorienta a ação e o julgamento.

Nessas horas, faz toda a diferença saber como cair, como cair de outra forma. Não com a expectativa de restaurar o sentimento de estar intacto, não com esta fúria projetiva que procura jogar para outros a causa de nossas quedas, não com esse desejo mórbido de esconder nossa vulnerabilidade pregando o evangelho da culpabilidade e da punição para os que se afogaram. Mas cair com a solidariedade com os que caíram e cairão, com a consciência da falibilidade de nossa ações e da violência de nossos trajetos. Cair perguntando-se por que se quis cair, o que quis de fato realizar, mesmo que de maneira desesperada. Isso poderia mudar de forma significativa nossa forma de relação a si e ao outro.

As quebras são nosso destino porque somos seres em relação. Não há como evitar quebras porque procuramos colocar em relação corpos com tempos distintos, ritmos distintos, desenvolvimentos idem. Corpos que nos atravessam. Há uma relação fundamental entre desejo e queda, mas não devido à ladainha cristã da culpa por desejar o que não se deveria desejar. A melhor maneira de nos livrarmos dessa teologia travestida de psicologia moral é ressignificando todos os seus significantes. O desejo procura a queda porque ela é o impulso que temos para ser diferente de nós mesmos, diferente do que fomos até agora. Talvez seja por isso que entramos em relação.

Mas isso é indissociável da descoberta de uma violência imanente às relações, uma violência seguramente inextirpável. Só mesmo uma ilusão liberal para acreditar que a diferença vem sob a forma pacificada da tolerância, e não sob a forma agonística da explosão. Menos Locke e mais Francis Bacon (o pintor, não o filósofo) seria útil. Nesse sentido, um erro contemporâneo clássico consiste em tentar reduzir à figura da opressão todas as formas de violência imanente às relações. Quando conseguirmos eliminar as relações de opressão (e nós um dia conseguiremos), ainda restarão essas violências que nos quebram quando estamos em relação. Mas estamos em relação desde o início e até o fim. Talvez uma verdadeira reflexão ética deveria partir disso.

Vladimir Safatle é professor de filosofia da USP

Acesso 10/01/2020

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