A expressão “jogar sem cartas”, significa a capacidade que alguém tem de
jogar bem, mesmo sem contar com cartas boas ou pontos altos. Evidentemente, é
fácil para qualquer jogador realizar uma boa partida estando “cheio” de cartas
e pontos.
Entretanto, nesta história que vou
contar e que envolve uma figura muito conhecida nos meios do truco em nosso
Estado, o Dr. Nei Fagundes Machado, que o Nico Fagundes considera o melhor
jogador de truco do Rio Grande, a expressão JOGAR SEM CARTA tem um significado
bem diferente: é jogar sem cartas, mesmo, sem ter as cartas na mão!
Foi assim que aconteceu essa
inusitada parada.
Era um truco de seis, que se jogava
lá no Clube Pitoco do Caminho do Meio. Entre os seis, naturalmente estava o Dr.
Nei, que jogava de testa com o Willy Ramos. A parceria era esta: o Willy, o
Miguel Fernandes e o Ari Mulato contra o Nei, o Aristeu Penalvo e o Dr.
Francisco Duarte, alcunhado “Repolho”.
No jogo de seis
(ou mais) parceiros, quando se trata de jogo de testa, é absolutamente proibido
qualquer palpite. Para ficar mais claro: não é permitida qualquer interferência
dos demais parceiros nas jogadas de testa. Assim pode ocorrer a maior
barbaridade no jogo que, se o adversário direto não se der conta, vale a
jogada, dentro da lei. Por exemplo: se alguém pega uma carta que já foi jogada
nas outras mãos de testa e o adversário não se dá conta, vale tudo o que vier
pela frente, mesmo que um outro adversário tenha se dado conta da trapaça.
Cantar pontos errados, cantar flor sem ter, não mostrar flor ou pontos, enfim,
todo o tipo de jogada errada pode ser realizada, se o adversário direto da
testa assim o permitir.
Pois, era uma jogada de testa,
justamente essa que envolveu o Dr. Nei. As cartas foram dadas pelo próprio Nei.
Durante as testas dos demais, o vizinho da esquerda do Nei, o Dr. Repolho, por
boca aberta, recolheu as cartas que já haviam participado do jogo juntamente
com as do Dr. Nei! Desta forma, o Nei, simplesmente, FICOU SEM NENHUMA CARTA NA
MÃO!
Passou a primeira testa, a segunda
e, quando chegou a vez do Nei jogar, ele não tinha cartas. Mas, como índio da
fronteira, não se apertou e lascou em cima do Willy que já tinha jogado quieto
uma cartinha pequena:
- “Envido”!
O Nei tinha as mãos colocadas sobre
a mesa de jogo, assim como quem está agarrando as cartas.
O seu adversário, o Willy, que não
tinha nada para o primeiro, não desconfiou de nada e deu seqüência à jogada:
- “Não quero, não senhor”!
Aí, o Nei se encheu de razão e
“prendeu-lhe” o outro por cima:
- “E é a lo farruco: envido e
truco”!
O pobre infeliz do Willy que, na
verdade, não tinha nada pra nada, disparou, também, do rabão e o Nei Machado
ganhou dois pontos sem nenhuma carta na mão, naturalmente, em meio à maior
gozação da parceria.
Até hoje, é o único caso que se tem
notícia de alguém que tenha ganho o envido e o truco sem nenhuma carta na mão!
Fonte: Bagre Fagundes.
A regra do truco cego. Porto Alegre: Martins Livreiro-Editor, 2009.