quinta-feira, 25 de maio de 2023

Duas do Canário de Uruguaiana (Rillo)

 

Todos os causos que conheço, particularmente, tendo como personagem Moacir Almeida, o Canário, me foram passados por seu filho e grande cantor João de Almeida Neto. Inclusive os que relato a seguir.

Seu Moacir é dono de um amplo terreno na zona suburbana de Uruguaiana. Há tempos resolveu estabelecer no local um depósito de areia, brita e tijolos, por ele mesmo administrado. Seu terreno, para efeitos fiscais, foi taxado de baldio pela Prefeitura e taxado bem acima dos terrenos construídos. Seu Moacir não concordou com a taxação:

- Baldio, ora essa!

Na Prefeitura lhe foi informado de que a taxação estava correta. O terreno era mesmo baldio e portanto sujeito à tributação mais elevada.

- Mas e eu não tenho um depósito no local? Não pago alvará sobre o negócio? Isso só pode ser perseguição!

- Não, seu Moacir, nada disso. Segundo o Código de Posturas todo terreno não construído, a partir do alicerce, é considerado baldio.

- Quer dizer que se eu construo nele vou pagar menos impostos, é isso?

- Se construir, sim.

Seu Moacir estrilou.

- Construção, é? Então, decerto, vocês querem que eu venda areia, brita e tijolo em prateleira?

De outra feita estava o Canário acompanhando o filho João numa circulada por Paso de Los Libres. Chegaram a uma casa noturna. Pelo sistema de som ouvia-se um samba de partido-alto, tema de predileção de seu Moacir, que nunca perdoou o João por cantar preferentemente música nativista. Chamou a atenção do filho:

- Tá escutando, João? Isto que é música. Samba do bom, brasileiro da gema, com balanço. Sabe que mais? Samba é o que tu deverias cantar pr’esses correntinos aprenderem o que é música – música marca Brasil, tás me ouvindo?

Sim, João de Almeida Neto estava ouvindo. E gostando do samba do grande compositor Agepê. E por falar nisso, que tal testar os conhecimentos musicais do velho?

- Samba é bueno, pai. O senhor tem toda razão. E a propósito, de quem é mesmo este samba de partido-alto que a gente está ouvindo e o senhor louvando?

Seu Moacir despregou um sorriso inteiro. E respondeu, por cima da carne seca:

- É de um tal de Aguapé, meu filho João...



Ilustração: Bier

Capa: Roberto Silva

Fonte: Boca do Povo. Rillo, Apparicio Silva. Porto Alegre: Tchê! Editora, 1986, p. 139/140.

quarta-feira, 24 de maio de 2023

Canário de Acampamento - Um causo do Rillo

 

Bagre Fagundes angaria troféu inusitado na Barranca de São Borja

O advogado Euclides Fagundes Filho, cria (com muita honra) do Alegrete, conhecido por Bagre nas rodas do nativismo, é um exímio tocador de gaita de quatro baixos e se defende lindo no violão. Ademais que um cantor de razoável para bueno, especialista em canções do folclore argentino – de que sabe tantas como uma carrada de abóboras. Estava num dos Festivais da Barranca, em São Borja, quando o Bira Fontoura – Bugre para os íntimos-, lhe passou, muito em segredo, que a direção do Festival preparava um troféu especial para o “barranqueiro” que, de quinta a sábado, melhor e mais assiduamente divertisse o acampamento de beira d’água.

- E que troféu é este, Bugre? Vale a pena?

- É o Canário de Acampamento! Todo em madeira de lei, com bico de ouro, feitio do Ismar, aquele baita artesão que mora onde foi o cabaré da Dona Rosa.

- Bico de ouro, é? Pois olha, Bugre, este troféu já é meu. Levo o Canário para o meu Alegrete!

Passou três dias cantando, trovou com quatro ou cinco, inclusive com o Nico Fagundes, seu irmão, declamou todo o Navio Negreiro, musicou o Padre Nosso e, pra arrematar, contou uns vinte causos e igual número de anedotas “quentes”.

Termina o Festival e nada do troféu. Já desconfiado, o Bagre procura o Bira, que ria que se ria para dentro.

- E o troféu? Ganhei eu, não?

- Ganhou, claro. Peraí que já te dou.

Afastou-se um momento e voltou com um ovo de passarinho na mão. Estendeu-o para o Bagre.

- Toma. É teu.

- Tá louco? Que é isso?

E o Bira, de acionar as de correr:

- É o Canário de Acampamento. Põe para chocar que em quinze dias vem a furo!



Capa: Roberto Silva

Fonte: Boca do Povo. Rillo, Apparicio Silva. Porto Alegre: Tchê! Editora, 1986, p. 61/62.

Destaques de Dois Irmãos (MIlton Hatoum)

(...) as palavras parecem esperar a morte e o esquecimento ; permanecem soterradas, petrificadas, em estado latente, para depois, em isen...