quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Regras para o Galpão e para a Vida (Blau Souza)


Faz bem a solidariedade dos amigos quando sofremos duras perdas. A morte do meu irmão Jacques propiciou muitas manifestações, como a do Fernando Adauto no SulRural, em que o carinho e as recordações comoveram a mim e a todos que o conheceram. Lá está dito que Jacques vivia a Qualidade Total, e assim o era.

Assumindo a Estância do Sobrado aos dezessete anos, dobrou a sua área e com campos lotados. Tinha um raciocínio simples: sua moeda corrente era o gado. Para aumentar o rebanho, arrendava campos e quando da devolução das áreas arrendadas, vendia o gado que havia nelas e comprava campos vizinhos aos do Sobrado. O sucesso foi conseguido com muito trabalho e disciplina.

Divulgo, para proveito de outros, como ele gostaria, suas instruções aos empregados, colocadas em 20 itens pendurados na sala da estufa no galpão da estância. Foram feitas pequenas adaptações na forma, para facilitar o entendimento.
     
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“É impossível haver progresso
sem mudança, e quem não
consegue mudar a si mesmo
não muda coisa alguma.”
George Bernard Shaw
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      “Estância do Sobrado. Medidas a serem tomadas para o melhor andamento dos serviços:

1. Assumir com responsabilidade e boa vontade suas obrigações, sempre pronto a ajudar os colegas de trabalho.

2. Terminar com conversas, fofocas, etc., que só dividem e nada somam. Elas só desgastam a pessoa que as faz.

3. Quando estiver descontente com alguma coisa, procurar falar comigo em particular. Tenho o maior interesse e boa vontade com todos.

4. Por ocasião de temporal, independente de função, tomar as devidas providências, fechando janelas, portões, moinho, etc.

5. Ter criatividade e bom-senso. Exemplo: recolher pedaços de arame, sacos plásticos, arrancar espinhos e outras pragas.

6. Quando estragar alguma coisa, ou machucar um animal, comunicar a administração. Jamais querer transferir para os outros, mas assumir as faltas.

7.  Procurar não pegar, sem necessidade maior, arreios, xergões, pelegos, cordas e outras coisas dos patrões.

8. Cuidar do arreamento, poncho e demais utensílios, bem como desencilhar em lugar apropriado e deixando tudo em ordem.

9. Procurar trazer sua cama arrumada, bem como as demais coisas dos quartos, que devem permanecer limpos.

10. Reparar sempre se não ficou torneira mal fechada, ou a descarga do vaso escapando, principalmente quando houver mais gente nas casas.

11. Procurar trazer os utilitários de galpão sempre limpos, nos devidos lugares e dando a manutenção necessária a alguns implementos.

12.  Não trazer cachorro para o estabelecimento sem o meu consentimento.

13.  Sempre que chegar alguém, ver quem é e dar o atendimento necessário, comunicando após a administração.

14.  Procurar, dentro do possível, estar por dentro das contas de bovinos e ovinos de cada invernada.

15.  Por ocasião de banho de gado, vacinação ou outros serviços nas mangueiras, ajudar a verificar se as porteiras estão fechadas, se o corredor está aberto e, após, se foi fechado e se foi medida a carga do banheiro.

16.  Sempre que abrir porteiras, não esquecer de colocar o pino de segurança ao fechá-las.

17.  Procurar não maltratar os animais e, nas mangueiras, evitar gritaria e cachorro. Tenho certeza que assim fazendo o gado vai ficando cada vez mais dócil.

18. Fazer todo o empenho para terminar com rixas entre funcionários. Elas só criam problemas para a administração.

19. Sejamos bem-educados, não cuspindo no chão, não jogando toco de cigarro em qualquer lugar e, sempre que possível, juntando outras sujeiras.

20. Sempre: sejamos amigos. Existindo a amizade, existirá a lealdade. Agradecido. (a) Jacques. N.B. Bebidas alcoólicas, somente se oferecidas pelos patrões.”

Homem de convicções fortes, temia ser prepotente e colocou em lugar de destaque do galpão o seguinte cartaz: “É impossível haver progresso sem mudança, e que não consegue mudar a si mesmo não muda coisa alguma. (a) George Bernard Shaw”. Religioso e buscando ser justo, puxava a seguinte oração antes das refeições no Sobrado: “Senhor, dai pão a quem tem fome, e fome de justiça a quem tem pão”.

Publicada em fevereiro de 2006 (SulRural 269).
Fonte: Souza, Blau. Por falar em passarinhos... Crônicas do pampa publicadas no jornal Sul Rural/Blau Souza. 
Porto Alegre, RS: AGE, 2016, p. 69-71.

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