Após três décadas de trabalho como
profissional da psicoterapia, inevitavelmente se aprende bastante a respeito do
sofrimento humano. Estar tão próximo de pessoas que chegam em diferentes
estágios de aflição emocional, faz com que um olhar mais atento possa revelar
aspectos importantes daqueles que são, continuadamente, assolados pelas mazelas
da vida, tão comum a todos, não respeitando idade nem condição social.
Eu e você, portanto, fazemos parte desse
grupo.
Assim sendo, uma coisa é certa:
independentemente de seu grau de instrução ou fase da sua vida, você terá que
manejar as marolas afetivas que lhe atingem a todo momento. E, dependendo da
maneira que você se posicionar diante desse sofrimento, seguramente, ele poderá
ser suavizado e, em muitos casos, abreviado.
Sim, é exatamente isso que você entendeu.
De acordo com sua destreza pessoal, transitar
pelos sentimentos ruins é algo que também pode ser aprendido e, caso você ainda
não saiba, é exatamente isso que fazemos em uma boa psicoterapia: ajudar as
pessoas de maneira técnica e efetiva no desenvolvimento de várias formas de
resiliência psicológica e na criação de habilidades de enfrentamento.
A aflição psicológica se apresenta,
normalmente, nestes níveis bastante claros:
O primeiro diz respeito àquelas condições em
que as pessoas se queixam das situações da vida como as grandes causadoras de
seu sofrimento pessoal. Ou seja, muitos, ao analisarem retrospectivamente, se
descrevem como vítimas de sua existência. Assim sendo, semelhante a uma criança
que, ao tentar sair do berço, por exemplo, assume condutas arriscadas – dada sua
pouca maturidade, e acaba caindo, faz do “berço” o maior “responsável” pela sua
angústia. Vou lhe dizer então, que grande parte dos pacientes assim se
descrevem, ao se sentarem à minha frente no começo de uma psicoterapia, pois,
ainda com uma compreensão limitada, responsabilizam terceiros como os
verdadeiros causadores de seu infortúnio particular.
Para florescer a sua personalidade, pare de
se vitimizar diante das situações.
Nesse estágio, é como se as outras pessoas –
e não elas mesmas – fossem colocadas como as verdadeiras responsáveis por
favorecer (ou atravancar) a realização pessoal. E, obviamente, ao procedermos
assim, entregamos aos outros a incumbência de nos oferecer as verdadeiras
possibilidades de transformação – o que, diga-se de passagem, não é lá muito
correto.
Evidentemente que uma parte de nós já
vivenciou situações muitas vezes devastadoras ao longo de seu desenvolvimento e
que, de fato, muitos dos problemas foram causados por algo externo e instável
como uma doença, morte, acidente, entretanto, devo dizer que as causas
incontroláveis não são, muitas vezes, uma maioria.
A grande parte padece, e ainda assim, insiste
em culpabilizar os outros por sua dor. E o pior: permanecem vivendo dessa
maneira, não apenas enquanto os fatos ocorreram, mas, em muitas situações, por
toda uma vida, o que colabora para que se tornem amarguradas e melancólicas por
longos períodos de tempo, comprometendo seriamente suas possibilidades de
transformação.
Eu sei, há muitas pessoas, realmente, que são
bastante tóxicas e, portanto, devem por nós serem evitadas. Entretanto, tenha
em mente: quando lidamos com a natureza humana, estamos, na verdade, nos
relacionando muito mais com as limitações dos outros do que com suas
habilidades. As pessoas, assim, expressam muito mais suas incompetências do que
suas aptidões e, portanto, nosso sofrimento ocorre, grande parte das vezes, por
que nossas expectativas não são preenchidas, fazendo do desencantamento uma
engrenagem central em nosso drama pessoal.
Esperamos ser bem tratados e não somos.
Esperamos receber carinho e atenção e, na verdade, isso não corre. Desta forma,
igual à criança que caiu do berço e culpa o berço, em muitos casos a transgressão
é imputada ao outro por não conseguir responder a nossas necessidades. Sou
infeliz, porque meu pai não me dá atenção ou porque meu chefe não percebe meus
esforços, por exemplo. E, assim, ficamos magoados (bravos e tristes sejam as
palavras corretas), limitando nossa capacidade de reação por décadas.
A saída, obviamente, existe e, se assim não
fosse, estaríamos fadados ao sofrimento perene.
Primeiro passo para a mudança interna
Assim, vai minha dica: tente olhar um pouco
mais adiante ou, se você preferir, compreenda um pouco melhor a raiz do
comportamento dos outros que tanto o frustra. Devo dizer que isso é algo bem
simples, embora não muito agradável de ser feito por nós.
Sabe por quê? Pois raciocinamos da seguinte
maneira: “Sofremos e ainda temos, de quebra, que tentar compreender o outro?”
Sim, e esse é o primeiro passo para um trânsito eficaz de mudança psicológica
interna, o desenvolvimento de uma autêntica empatia.
Veja só, a pessoa que não lhe dá atenção,
possivelmente, nunca recebeu atenção de seus familiares em sua vida pregressa.
Ou seja, nunca aprendeu a ser bem tratada e, portanto, não consegue passar
adiante qualquer afetividade, por menor que ela seja.
Lembre-se: apenas podemos dar aquilo que um
dia nos lembramos de ter recebido. Portanto, se não há registros, esqueça,
simplesmente o determinado gesto não virá. Isso não quer dizer que tenhamos que
aceitar incondicionalmente as limitações dos outros, entretanto, tente deixar
de sentir o mau tratamento que nos é dirigido como algo pessoal.
Quando colocamos o comportamento do outro em
perspectiva, não aceitamos mais o que o outro nos faça de mal e, dessa maneira,
começamos a adentrar em um segundo estágio da mudança que é o de compreender
que, na realidade, somos todos sobreviventes (nós e os outros) das situações
que passamos e que, na ocasião, muito pouco tínhamos a fazer, dado nosso pouco
grau de maturidade. Por alguma razão, lá estávamos todos e agora,
independentemente dos fatos, fizemos o que julgávamos ser correto e, assim,
temos que seguir adiante e olhar para frente.
Esse prelúdio de tomada de consciência é o
prelúdio de grandes mudanças pessoais. Quando começamos a ver todas essas
implicações na teia de reações emocionais às quais estamos presos, começamos a
depender menos dos outros e mais de nós mesmos, o que é, diga-se de passagem,
extremamente libertador.
Assim, ao não darmos mais ao outro a
possibilidade de nos controlar, não mais nos sentimos vítimas do meio ambiente
e nossas aflições começam a diminuir exponencialmente.
Adentramos, então, no último estágio de
mudança psicológica humana que nos coloca não mais como vítimas ou como sobrevivente,
mas como os reais protagonistas de nossa existência.
Quando finalmente começamos a compreender
isso, um grande salto é dado no sentido de começarmos a nos debruçar sobre
nossas limitações pessoais e, portanto, podemos caminhar a passos largos em direção
a uma autêntica mudança psicológica interna.
O tema precisaria ser mais discutido, mas
acredito que você já entendeu o que estou tentando lhe dizer. Acho que você
consegue continuar daqui sozinho...
E, para finalizar, eu lhe lanço uma pergunta
final:
Você algum dia já parou para pensar o que
(ainda) está fazendo para atrapalhar a sua realização?
O processo de mudança psicológica está em
suas mãos e eu creio piamente que você já tem o bastante para, finalmente,
poder alçar o seu voo, não tem?
Acesso em
07/02/2018