domingo, 30 de outubro de 2022

Humor, por Zé Celso Martinez Corrêa

 

O maior dom do senso de humor, é fazer rir do outro sem ele perceber, revelar o ridículo que existe por trás da realidade.”


Capa: Original de Angelo Bottino para a Storytel



Foto: David Zingg / Instituto Moreira Salles


Fonte: Felitti, Chico. Elke: Mulher Maravilha. 1. ed, São Paulo: Todavia, 2021, p. 151.

Elke (Chico Felitti)

 

Sou uma pessoa que não posso ter âncoras. Tem gente que precisa ter âncoras, e tem gente como eu que não pode ter de jeito nenhum.”


A sabedoria não é de direita. Não é de esquerda. Não é de centro. Ela é de banda.”


Sou odiada pelas pessoas mais velhas, que me xingam nas ruas, e amada pelas crianças, que me dão balas e chicletes” (Revista Veja, 1972)


Ela gostava de dizer que era uma pessoa trágica, não dramática.


O trágico não chora, ele pranteia.”


Se houve uma droga da qual ela manteve distância a vida toda, essa droga era o poder.


Poder mata à beça e é o que mais droga (…) O poder não corrompe, revela. Tá na cara que você se drogou de poder.”


Capa: Original de Angelo Bottino para a Storytel


Foto: David Zingg / Instituto Moreira Salles


Fonte: Felitti, Chico. Elke: Mulher Maravilha. 1. ed, São Paulo: Todavia, 2021, p. 42/43/87/123/144.

sábado, 22 de outubro de 2022

Aprenda a rir de si mesmo (Bruno Motta)

 

Desconfie de quem leva política na brincadeira e piadas a sério. É para ser o contrário.


Temos duas orelhas e uma boca para escutar mais e falar menos.


Na internet você encontra a informação necessária para se tornar burro.


O homem é um animal social: se comporta feito um animal em eventos sociais.


Não é calvície, é um corte de cabelo orgânico.


Não grite. Respire fundo e pense no que vai dizer. Agora sim, o grito vai sair muito melhor.


O criativo é um plagiador que ainda não foi descoberto.


Você vai adorar quando seu filho aprender a falar. Mas vai adorar ainda mais quando ele aprender a falar baixo.


Nunca diga nunca. E nunca diga sempre. Sempre diga “talvez”.


A democracia é um sistema perfeito, mas só quando o seu candidato vence.


As coisas vão melhorar. Mas antes disso vão piorar bastante.


Para que os maus triunfem, basta que os bons fiquem só lendo livros de autoajuda.


Nunca diga “no meu tempo”. Prefira “quando eu não era velho…”


Democracia quer dizer que é o demo no comando.


O único esquema de pirâmide que funcionou de verdade foi o dos faraós.


Você tem tudo para dar certo. Mas vai receber errado.


Marketing multinível é o veneno que se toma pretendendo matar o outro.


Um homem prevenido vale por dois, mas o salário continua um só.


O bom chefe tira o melhor de cada funcionário. E nunca mais devolve.


Saber lidar com frustrações te torna um fracassado feliz.


Se até a lei te dá o direito de permanecer calado, por que não usar mais?


Às vezes não é um insulto, só uma descrição bastante acurada.


Loucura é fazer a mesma coisa e esperar unicórnios voadores.


A diferença entre bem cotado e bem coitado é apenas uma letra.


Mais triste que ter amigos imaginários é imaginar que certas pessoas são seus amigos.


O “não” todo mundo já tem. Tente não merecer um “nunca”.


O trabalho dignifica o homem. Alguns trabalhos danificam o homem.


Até pra largar tudo tem que ter alguma coisa.


Meritocracia” também quer dizer que a culpa é sua mesmo.


Jovem gosta de sexo. Adulto gosta de panela nova.


Não precisa duvidar da existência de vida inteligente fora da Terra, duvide por aqui mesmo.


Hoje em dia se cria de tudo. Até expectativas.


Investimento é um desperdício otimista.


Fama é ser reconhecido pelas pessoas na rua. Sucesso é conseguir fugir delas.


Recuse-se ser corrompido (pelo menos por este valor que estão te oferecendo).


Para franzir a testa, usamos 32 músculos. Para sorrir, 28. Para a cara de paisagem, zero.


Se a TV era a máquina de fazer doido, a internet é a máquina de fazer doido parecer normal.


Ética não se estica.


Amar o próximo seria fácil, o problema é o próximo.


O diabo está nos detalhes… Então, pelo amor de Deus, pare de ser tão detalhista.


Para que os maus triunfem, basta que os bons fiquem presos no trânsito.


Pense fora da caixa. Mais importante, pense fora do caixão.


O tempo cura tudo. Tempo é dinheiro. Logo, o dinheiro cura tudo.


É errando que se aprende a errar mais errado.


Para que os maus triunfem, basta que os bons votem em branco.


Adoraria, mas não posso = queria, mas não quero.


Ser o primeiro a desistir também é demonstração de iniciativa.


O talentoso é um incompetente que ainda tem utilidade.


Coragem é o medo de mostrar que está com medo.


O brasileiro está usando o celular cinco horas por dia, em média. Você vai se contentar em ficar só na média?


Enquanto todos se distraem, se divertem e descansam, durma.


Acredite que você não pode. E aí o resto é lucro.


Enquanto o vitorioso é obrigado a aturar cerimônias e entrevistas, o derrotado já está confortável em sua cama.


Se você acha que pode, você está certo. Se você acha que não pode, você está certo. Se você não acha nada, você é um gênio.


Capa: Helena Hanneman / Foresti Design



Fonte: Motta, Bruno. Aprenda a rir de si mesmo (é o que os outros já estão fazendo). São Paulo: Planeta Brasil, 2020.

Adquira: https://www.brunomotta.com.br/livro   

Calcinha Larga 19 outubro 2022 - Extrato

 

> Júlia sobre ter ou não filhos: (...) o caso da filha que roubou as obras de arte da mãe (...)

> Paulo: "Mas você não tem uma 'Tarsila'...”

As pessoas falam muito de fatos e pouco de suas histórias.

"Sou amigo de jornais, quero mais amigos livros."

Dica de leitura: Cartas Brasileiras

> Maria sobre podcast: "Solidões compartilhadas”


A gente leva a vida que a gente quer levar. [Sartre]"


Episódio:


https://open.spotify.com/episode/52Tc0664dy0imcvI1iIrsX?si=_bwt7O72TG6LKq2iD76FyA 




Acesso 22/10/2022


domingo, 16 de outubro de 2022

Justino Martins por Carlos Reverbel

 


Fui procurado por duas alunas da faculdade de Comunicação da PUC, que angariavam subsídios, como participantes de uma equipe, sobre a história da imprensa rio-grandense. Tocara-lhes, na distribuição das tarefas, o capítulo referente à extinta Revista do Globo, de cuja redação fiz parte, em priscas eras, como chefe, não editor.


Aliás, ainda não me passou pelo esôfago a nomenclatura hoje adotada na organização jornalística, em que todo o mundo é editor (por influência do “imperialismo” norte-americano), menos o dono da empresa.


Como conservador empedernido, senão reacionário, continuo apegado ao antigo sistema, em que, além do diretor (“o nosso querido diretor, na versão de Aporely), havia o redator-chefe, o secretário, o chefe da reportagem, os cronistas de arte, o crítico literário, os encarregados das diversas seções (a esportiva, a policial, a econômico-financeira, etc.) mais os editorialistas e colaboradores avulsos que, de modo geral, se entendiam diretamente com o diretor.


Editor, mesmo, somente o dono da empresa, que devia responder pela orientação (nem sempre retilínea) e pelos lucros e perdas da publicação, geralmente de vida efêmera, com magros lucros e adiposas perdas.


Os franceses, no seu inexpugnável conservadorismo, continuam como dantes no quartel de Abrantes. Temos, então, numa revista como L’Express, uma infinidade de atribuições com rotulagem antiquada (diretor da redação, redator-chefe, redatores-chefes-adjuntos, chefes de seção, editorialistas, grandes repórteres, etc.), menos editores, a não ser, naturalmente, o dono ou donos do negócio.


Bueno (como dizia Getúlio Vargas), as alunas da Faculdade de Comunicação da PUC fizeram muito bem, lembrando a Revista do Globo, na hora em que saíram a campo para pesquisas sobre a história da imprensa rio-grandense. Embora sediada na área menos estratégica, geograficamente (e ainda por cima, acoimada de excessivamente regionalista, quando não tisnada de castelhanismo), a Revista do Globo realizou a façanha de ter sido a primeira publicação do gênero (com exceção dos cariocas) que conseguiu circulação nacional, colocando-se em segundo lugar no País, pela sua grande tiragem, na época.


Este fato se reveste, a meu juízo, da seguinte significação histórica, em termos jornalísticos: veio demonstrar a viabilidade do lançamento fora do Rio de Janeiro, de órgão de imprensa hebdomadária (com perdão da má palavra), capazes de adquirir projeção nacional, coisa que nem mesmo os paulistas haviam conseguido realizar. Aliás, existia naquela época a superstição de que revista “não pegava” em São Paulo, o que era evidentemente uma bobagem, mas não se pode deixar de reconhecer que correspondia a uma estranha realidade, hoje completamente mudada.


Tendo as moçoilas em flor, na sua natural curiosidade de futurosas estagiárias (recomendo-as, desde já, ao Edmundo Soares), me indagando a que atribuía o singular êxito da Revista do Globo, fundamentei minha resposta em dois fatores decisivos: a infraestrutura da Livraria e da editora Globo, já então a serviço de “um certo Henrique Bertaso”, e o gênio “revisteiro” de um jovem ajudante de pedreiro recém-chegado de Cruz Alta – Justino Martins.


O Justino veio de Cruz Alta com todos os preparatórios, tendo tirado de letra o vestibular de Medicina, mas geralmente se dizia ajudante de pedreiro (com a construção de engenhoso muro no seu currículo), mudando de categoria obreira, conforme o auditório, já então para aprendiz de foguista da Viação Férrea (com sérios riscos de incineração nas fornalhas das antigas “marias-fumaça”), o que viria proporcionar-lhe altos dividendos, principalmente nas suas primeiras e ainda obscuras abordagens ao então chamado bel sexo.


Foi parar na Revista do Globo como teria agarrado, com unhas e dentes, qualquer outro emprego, porque afinal de contas precisava trabalhar para tornar-se esculápio, mas era aquele, não a faculdade de Medicina, o lugar para o qual ele fora predestinado. Depois de algum tempo de aprendizagem, por sua conta e risco, em que vivia debruçado sobre as grandes revistas estrangeiras da época, inventou um modelo brasileiro de fazer revista, cuja técnica inovou esse setor jornalístico no País, atualizando-o e colocando-o ao nível das melhores publicações internacionais, no gênero.



Além de notório pé-de-boi, o que lhe valeu, nos tempos de “foca”, a simpatia e o apadrinhamento do grande homem de empresa que foi o velho Bertaso, Justino Martins era dotado de muita criatividade e invulgar senso jornalístico, conciliando, assim, aptidões que raramente se conjugam: a força de trabalho do boi-de-canga e a inteligência capaz de dar largas a uma vigorosa vocação, esgotando-lhe, profissionalmente, todas as virtualidades.


Crédito Foto Justino Martins2:

https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/cultura/2020/09/758715-revista-do-globo-deixou-legado-para-as-artes-e-a-literatura.html

Crédito Foto Justino Martins2: https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/noticia/2017/04/ha-cem-anos-nascia-justino-martins-o-maior-revisteiro-do-brasil-9782414.html

Acesso 16/10/2022

Capa: Tânia Porcher

Foto: Jorge Rolla



Fonte: No tempo antigo. Reverbel, Carlos. Barco de papel. Porto Alegre: Editora Globo S.A., 1978, p. 161/163.

sábado, 15 de outubro de 2022

Trajano de Oliveira, por Carlos Reverbel

 

Essa conversa toda em torno do professor polivalente, tida e havida como grande inovação pedagógica, nada apresenta de novo, sendo até muito velha, senão caduca e desmemoriada.


Antigamente, todos os professores do curso primário, e grande parte dos que se viravam no curso secundário, eram polivalentes, isto é, ensinavam todas as matérias, inclusive a benfazeja caligrafia, hoje, ao que parece, com certas probabilidades de volta à reabilitação.


Contrariamente ao que acontecia com as outras matérias, em cujas áreas cada discípulo deslanchava na medida do seu talento, uns distinguindo-se dos outros, operava-se através do treinamento da caligrafia evidente uniformização, fazendo com que todos os alunos ficassem, para o resto da vida, quase com a mesma letra, por sinal muito boa.


O talhe da letra funcionava, assim, como uma espécie de marca registrada de cada colégio. Conheço bem de perto, por instituições de natureza familiar, umas dessas “marcas” caligráficas, que teve como matriz o curso do Prof. Trajano de Oliveira, notável educador completamente esquecido, embora tenha sido “mestre-escola” de figuras como Assis Brasil e Júlio de Castilhos.


Terminada a Guerra do Paraguai, o oficial pernambucano Trajano de Oliveira aquartelou-se na cidade de São Gabriel, com as gloriosas tropas do Gen. Mallet, ali desengajando e deixando-se ficar, definitivamente, como dono e “professor polivalente” dum colégio, cujo programa ia do primeiro ao secundário.


Sendo homem de ideias avançadas, que se dizia liberal e livre-pensador, procedendo na escola e na comunidade de acordo com as suas concepções políticas e filosóficas, exerceu larga influência na chamada Terra dos Marechais, através das diversas gerações que preparou para a vida, influindo-lhes, acima de tudo, o sentimento da responsabilidade dos cidadãos.


A uniformização da caligrafia, que parece ter sido a causa que afastou o seu ensino das escolas, nunca cerceou a espontaneidade nem a criatividade dos alunos do Prof. Trajano, jamais impedindo que cada um se afirmasse de acordo com a sua individualidade.


Assis Brasil e Júlio de Castilhos, embora tivessem o mesmo talhe de letra (e fossem cunhados), não poderiam ser mais diferenciados, sob todos os outros aspectos.


Muitos alunos do Prof. Trajano fizeram apenas o curso primário, outros nem chegaram a terminá-lo. Mas todos, assim como os que concluíram estudos superiores, tinham praticamente a mesma letra, o que, talvez, ofereça material dos mais curiosos para estudos de grafologia.


Júlio de Castilhos frequentou durante pouco tempo o colégio do Prof. Trajano, transferindo-se, ainda nas primeiras letras, para uma escola de Santa Maria, encontrando-se, nas valiosas Memórias de João Daudt Filho, que foi seu colega de aula, interessantes informações a respeito do então simples colegial.


Se estou bem lembrado da leitura desse livro, por sinal apaixonante e cuja reedição não canso de recomendar, o problema da gagueira já criava os primeiros embaraços ao futuro Patriarca…


Seja como for, também Júlio de Castilhos deve ter sofrido a influência do Prof. Trajano na formação de sua vigorosa personalidade. Quanto a Assis Brasil, essa influência terá sido ainda maior, pois os primeiros anos de sua formação foram passados sob a influência do notável “mestre-escola” gabrielense, embora de procedência e pura cepa pernambucana.


Aliás, o Prof. Trajano foi um dos tantos “baianos” (como se qualificava, entre nós, genericamente, os brasileiros de outras províncias aqui aportados) que muito contribuíram para o amadurecimento do Rio Grande do Sul, a unidade federativa mais nova historicamente.


Assis Brasil teve como amigos, durante toda a vida, diversos colegas dos tempos de colégio do Prof. Trajano, parecendo, mesmo, que lhes dedicava especial afeição, como tive ocasião de testemunhar, através da perene e fraternal amizade que o ligava, entre outros companheiros da velha escola municipal, a Francisco de Macedo Couto – o querido Dindinho – a melhor criatura humana que tive a felicidade de conhecer.


Deixo neste pequeno lembrete, para os futuros biógrafos de Assis Brasil e Júlio de Castilhos, o nome de um grande homem, que nunca saiu da obscuridade: Trajano de Oliveira.


E solicito ao meu muito prezado amigo Sérgio da Costa Franco, no seu zelo de historiador e como autor da principal obra até agora publicada sobre Júlio de castilhos, que confira o nome que acabo de mencionar.



Capa: Tânia Porcher

Foto: Jorge Rolla




Fonte: Ainda sobre caligrafia. Reverbel, Carlos. Barco de papel. Porto Alegre: Editora Globo S.A., 1978, p. 167/169.


Capa: Valter Antonio Noal Filho

Livro: Memórias, João Daudt Filho, disponível em:

terça-feira, 11 de outubro de 2022

Radicados (Carlos Reverbel)


Antes de nossa organização administrativa, incursões bandeirantes abriram caminhos aos nossos destinos luso-brasileiros.


Vieram depois os lagunistas, de cuja cepa brotaria Rafael Pinto Bandeira, o primeiro caudilho rio-grandense.


Além de portugueses, a corporação de Silva Pais, que se estabeleceu em Rio Grande, como comandância militar, dando início, em 1737, ao processo de nossa institucionalização político-administrativa, trazia fluminenses, paulistas, baianos, pernambucanos, etc.


O financista, mais do que isso, o estadista da República Rio-Grandense foi o mineiro Domingos José de Almeida, fundador de Uruguaiana e fecundador de Pelotas. Um outro mineiro, Ulhoa Cintra, também figurou entre os melhores homens de 35.


Com Bento Manuel, São Paulo contribuiu com um general que mudava de trincheira mas não mudava de bravura, terminando por fundar uma estirpe rio-grandense do maior relevo.


Por sua vez, o baiano Ângelo Dourado não se limitou a deixar o depoimento mais impressionante sobre 93, tendo destacada participação nos acontecimentos, como herói da coluna de Gumercindo Saraiva.


Vejo na figura de Pinheiro Machado o protótipo do machismo dito rio-grandense. Não sei de ninguém de nossos pagos que tenha sido mais representativo a esse respeito. Pois muito bem: Pinheiro Machado era filho de paulistas.


Francisco Antônio Vieira Caldas Júnior, fundador do jornalismo moderno no Rio Grande, era de sangue sergipano, deixando-nos, entretanto, com o seu legado, um exemplo das melhores qualidades atribuídas à nossa gente.


Se A. A. Borges de Medeiros foi um déspota, como era insultado pelos adversários políticos, no auge das retaliações que se estenderam aos entreveros de 23, não há de ser por isso que poderia incriminar seu pai, um ilustre desembargador pernambucano…


Por outro lado, o ramo rio-grandense da família Aranha não teria existido se o velho Euclides tivesse permanecido em Campinas, desistindo de transferir-se para as barrancas do Uruguai.


É bem provável que sem esse deslocamento, uma mudança de domicílio que fez com que um menino chamado Osvaldo nascesse em Alegrete, não contássemos hoje com as glórias de Itararé, a maior batalha da América do Sul, que por sinal não houve.


Aliás, o mundo não ouviu a nossa mensagem, no sentido de que, se as grandes batalhas não tivessem acontecido, a humanidade seria bem melhor…


Mais recentemente, quando perdemos o cearense José Fernando Carneiro, foi-se com o notável médico e humanista um pedaço do Rio Grande, mutilando-se, talvez, a forma de coração do nosso mapa, segundo Augusto Meyer, autor da metáfora.


Pouco antes, havíamos sofrido uma perda que somente os moradores de Lavras do Sul podem avaliar, no vazio ali deixado pela generosidade franciscana do homem dos “ãos” – o baiano João Aragão Bulcão.


Por ter sido a província de mais nova extração, coisa de 200 anos a menos, o Rio Grande recebeu uma contribuição maior de outras partes do território nacional, cujo passado histórico nos proporcionou, no dizer do excelso estilista Moysés Vellinho, “a mesma substância política, o mesmo sangue, o mesmo legado cultural, as mesmas raízes”.


Capa: Tânia Porcher

Foto: Jorge Rolla



Fonte: Velhos e novos “baianos”. Reverbel, Carlos. Barco de papel. Porto Alegre: Editora Globo S.A., 1978, p. 170/172.

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

93 e 23 (Carlos Reverbel)

 

Mas sempre há lugar para um pouco de filosofia. Não em 93, mas em 23, espécie de modelo reduzido, de segunda parte meio frustrada da primeira tragédia (e, sem querer fazer humor, dizia Cervantes que as continuações dos bons livros não costumam ser boas), ocorreu certo fato que merece registro. Contam que certos caudilhos fizeram o possível para reeditar os horrores de três décadas antes e alguns, honra seja feita, com relativo sucesso”.


Na transcrição que acabo de fazer, Carlos Rafael Guimaraens (“Lição da Ferocidade”, Correio do Povo, 6-11-77) chama atenção para a circunstância de que as cenas de banditismo registradas na Revolução de 23 seriam uma ‘imitação”, felizmente bastante atenuada, das atrocidades que caracterizaram a Revolução de 93, tendo como traços marcantes os degolamentos, por vezes praticados em profusão, como no rio Negro e no Boi Preto.


O artigo foi lançado a propósito da reedição de Voluntários do Martírio, de Ângelo Dourado, médico e herói da coluna do grande guerreiro Gumercindo Saraiva. E, como sempre, o Guimaraens trouxe uma contribuição singular pela agudeza de suas observações e pela segurança dos seus conceitos, justificando, mais uma vez, a homenagem que não se pode deixar de prestar à luminosidade de sua inteligência e ao vigor do seu espírito: é um senhor jornalista, como seria, se o quisesse, um senhor ensaísta.


Há espíritos que me fazem lembrar a metáfora de J. Simões Lopes Neto, quando disse que “o sol olha pra água, atravessando”. Pertencem a uma estirpe que se distingue pela capacidade de penetração no âmago dos fatos e das coisas (e o Carlos Rafael Guimaraens faz parte dessa pequena-grande família).


Recolhi um subsídio ao vivo, por me ter sido contado pelo principal protagonista do episódio, que se enquadra na “espécie de modelo reduzido” de que fala o Guimaraens na sua apreciação sobre 23 em relação a 93.


No combate de Santa Maria Chico, que foi um dos primeiros da Revolução de 23, um combatente da força legalista desgarrou-se de sua gente, durante a ação, ocultando-se num caponete, que não tardou a ser envolvido por um piquete adversário. Ali surpreendido, foi imediatamente passado pelas armas, isto é, degolado.


Tratava-se de simples soldado, por sinal peão de estância, como também eram os que lhe aplicaram a terrível “gravata colorada”, não existindo entre os que o aprisionaram e degolaram nenhum combatente graduado, tudo se consumando entre homens da mesma extração galponeira, mas que se criaram ouvindo “causos” de degola acontecidos na Revolução de 93.


Quando o episódio chegou ao conhecimento do bravo Cel. Clarestino Bento, ele próprio veterano de 93 e comandante do destacamento de que faziam parte os responsáveis pela atrocidade, este os admoestou com severidade, advertindo-lhes que, em caso de reincidência, seriam castigados exemplarmente, ficando sujeitos até mesmo à pena de fuzilamento sumário. Nada faria dessa vez porque todos os implicados eram soldados inexperientes, que haviam entrado na linha de fogo pela primeira vez. E, além do mais, o combate tinha sido ganho pelo inimigo…


Então, destacou-se do grupo o soldado que havia “pedido a bolada” e executado pessoalmente o ato da degola, dizendo as seguintes palavras à guisa de justificativa: “Me desculpe, seu coronel, mas sempre ouvi dizer que prisioneiro se passa na faca”.


Este episódio, a respeito de cuja autenticidade não tenho dúvidas, serve para demonstrar que, durante as três décadas que se estenderam entre as duas revoluções, ficou na memória da gente da campanha gaúcha “a lição de ferocidade” a que se refere Carlos Rafael Guimaraens, no seu excelente artigo sobre Voluntários do Martírio.


Por sinal, o lendário Adão Latorre, apontado como um dos maiores degoladores de 93, morreu no combate de Santa Maria Chico, com cerca de 80 anos, comandando uma carga de lança, à frente de uns poucos companheiros, contra forte linha inimiga, que atirava de metralhadoras. E, por sua vez, também foi degolado, mas só depois de morto…


Dir-se-ia que fora impelido, na hora da derradeira carga de lança, pelos fantasmas de 93.


Capa: Tânia Porcher

Foto: Jorge Rolla



Fonte: Reverbel, Carlos. Barco de papel. Porto Alegre: Editora Globo S.A., 1978, p. 173/175.

domingo, 9 de outubro de 2022

Mário de Andrade e os Livros (Carlos Reverbel)

 

Dizia-se que Mário de Andrade não emprestava livros, permitindo, entretanto, que o interessado frequentasse sua biblioteca para ler o que bem entendesse, apenas sob a condição de não subtrair o volume.


Certa vez, no Praia Bar (Flamengo – RJ – 1937), perguntei ao autor de Macunaíma se isso era lenda ou era verdade. Ele respondeu que era verdade, oferecendo-me sua biblioteca, mediante o referido regulamento, se algum dia eu viesse a dar com os costados na “paulicéia desvairada”.


Outra história sobre a biblioteca do grande escritor: ele nem sequer abria os livros que lhe eram entregues ou remetidos, com dedicatória, pelos autores. Comprava um novo exemplar da obra, lendo-a e, geralmente, anotando-a, mesmo porque fazia crítica literária, em parte reunida no Empalhador de passarinho. O livro que recebia do autor era mantido intacto nas estantes, formando duplicata, lado a lado, com o exemplar por ele comprado para leitura e anotação.


Capa: Tânia Porcher

Foto: Jorge Rolla



Fonte: Reverbel, Carlos. Barco de papel. Porto Alegre: Editora Globo S.A., 1978, p. 179/180.

Honório Lemes e Carlos Reverbel

 

Tenho um ilustre confrade que vive dizendo que, depois de classificar e fichar sua enorme biblioteca, vai produzir diversas obras-primas no campo das ciências sociais aplicadas à problemática rio-grandense, de Sepé Tiaraju a Honório Lemes.


Por falar no Tropeiro da Liberdade, li outro dia a frase que lhe foi atribuída, dizendo que o Rio Grande “precisava de leis que governem os homens e não de homens que governem as leis”.


Como conheci de perto o velho Honório, na casa de meu pai, tendo lhe alcançado a cuia, muitas vezes, em rodas de mate de que ele fazia parte e, assim, acompanhado de sua palestra de homem rústico e iletrado, acho a frase muito intelectualizada para ter saído de sua boca, na forma em que está burilada.


Gostaria, por isso, de descobrir a fonte bibliográfica de onde essa frase foi retirada. Talvez o consiga, sem precisar sair de casa, mas só depois de dispor as coisas de modo a poder consultar a minha coleção de livros.


Capa: Tânia Porcher

Foto: Jorge Rolla



Fonte: Reverbel, Carlos. Barco de papel. Porto Alegre: Editora Globo S.A., 1978, p. 180/181.

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Memórias de João Daudt Filho (Carlos Reverbel)

 

Meu pai, precisando de cozinheira, comprou uma. Dizia o dono, ao oferecê-la, que ela não servia para o trabalho da roça, por isso vendia por qualquer preço. Já lhe havia dado uma tunda de laço, mas de nada serviu porque ela não prestava mesmo para o que ele necessitava. Chegou em casa toda encolhida, gemendo de dores, em estado lastimável, com as costas em carne viva, crivada de lanhos fundos feitos pela tunda de que se vangloriava o antigo senhor. Até bichos tinham as feridas. Chamava-se Felicidade.”


Este episódio aconteceu na cidade de Santa Maria da Boca do monte, na década de 1860. E vem narrado num livro há muito esgotado, quase raridade bibliográfica: Memórias, de João Daudt Filho.


O autor relembra, além desse, diversos outros da época da escravidão em Santa Maria, de que foi contemporâneo, quando ali vivia com seus pais, ainda menino. Menciona, inclusive, a existência de um quilombo, num dos morros que circundam aquela cidade, fato de que não se tinha informações. Atribui aos escravos a propagação de crendices tais como o boitatá, o minhocão, o lobisomem, o bicho-tutu. E não deixa de narrar uma série de atrocidades de que os escravos eram vítima, a exemplo daquelas pelas quais passara Felicidade, comprada para cozinheira de sua família.


Aqui vai outro episódio, no gênero: “nunca pude esquecer um quadro horrível que vi quando ainda era menino, estando de passeio em casa de meus tios, negociantes, na estrada da Serra. Chegou ali uma escolta de quatro soldados a cavalo, conduzindo um negro a pé, seminu, de corda ao pescoço puxada por um dos soldados, os dois braços amarrados pelas costas e o corpo todo ferido dos golpes de espada. O pobre negro era obrigado a acompanhar o trote dos cavalos”.


O capítulo sobre a escravidão dá a medida, por si só, do interesse que podem despertar as Memórias de João Daudt Filho. Vale a pena transcrever outros episódios, como antecipação do que significaria a reedição desse livro, uma das obras que realmente contam na bibliografia rio-grandense. Esta passagem, por exemplo:


Meu pai recebeu em pagamento de uma dívida antiga dois moleques: um preto e outro mulato. Fiquei íntimo dos moleques, que eram mais ou menos da minha idade. Prestavam-se a ser cavalos de meu andar, parelha de puxar a ajudavam-me a fazer urupucas, mundéus, esparrelas e alçapões para caçar passarinhos, e as gaiolas para prendê-los. Eu me julgava muito feliz em tão boa companhia. Aconteceu, porém, que, chegada a época de meu pai ir a Porto Alegre surtir-se de mercadorias para o seu negócio, quis levar-me a passeio. Os moleques também seriam para cuidar dos cavalos durante a viagem. Subi às nuvens de contentamento, pela companhia dos moleques. Chegados a Porto Alegre, tive porém um grande desgosto. Os moleques e eu fomos enganados! Papai não podendo ter em casa maior número de escravos, viu-se obrigado a desfazer-se deles (quer dizer, vendê-los). Chorei muito com eles quando nos despedimos.”


Finalmente, para encerrar os quadros de escravidão, este episódio estarrecedor: “Tudo isso não espanta em face da monstruosidade dos senhores para com as escravas suas concubinas e mães de seus filhos. Contou-me meu cunhado, general Joaquim de Andrade Vasconcelos, o seguinte: um pretendente à compra dos moleques, em conversa com um seu compadre, perguntou: ‘Onde poderei comprá-los em boas condições?’ Este respondeu: ‘Tenho aí o pátio cheio, pode escolher à vontade’. E o outro: ‘Mas não são seus filhos?’ A resposta: ‘Que tem isso? São meus escravos, poderei vendê-los. Custa-me caro a criação deles”.


Estes episódios, como tantos outros, (inclusive a lenda do “Negrinho do Pastoreio”, imortalizada por J. Simões Lopes Neto) contrariam, frontalmente, o mito da bondade do senhor de escravos do Rio Grande do Sul, criado por Saint-Hilaire, embora seja o naturalista francês, entre os viajantes estrangeiros que percorreram a nossa terra, no século passado, o observador mais atento, mais agudo, mais fidedigno e mais compreensivo.


Além de ser um valioso livro de memórias, gênero tão pouco cultivado entre nós, a obra de João Daudt Filho também se singulariza, do ponto de vista bibliográfico, pela circunstância de ter merecido três edições, todas publicadas por conta do autor, para distribuição fora do comércio. A primeira saiu em 1936, quando o autor se aproximava dos 80 anos de idade, sendo destinada apenas aos seus parentes e aos amigos mais chegados. O exemplar de que disponho fora ofertado pelo autor a Salatiel de Barros, que dele abriu mão, presenteando-me. Mais tarde o próprio Salatiel, homem da estirpe de João Daudt Filho, seguiu o exemplo de seu velho amigo, também escrevendo interessante livro de memórias, em parte formado pelas “reminiscências” que publicava no Correio do Povo, a que era muito ligado, como companheiro de Caldas Júnior e primeiro gerente do velho órgão.


O aparecimento das Memórias de João Daudt Filho despertou tanto interesse, dando lugar a tantas solicitações, que o autor teve de mandar imprimir mais duas edições, sempre por sua conta e distribuídas fora do comércio. Talvez seja o único caso, entre nós, em que um livro publicado fora do comércio chegou à terceira edição, pintando como best seller.


Receoso de cair no ridículo pela pobreza de imaginação e pelo estilo chão” – confessa o autor, sobre seus originais – “pedi a opinião de meu amigo Álvaro Moreira, escritor consagrado, respondendo ele que, além de lhe parecerem interessantes estas reminiscências, achava também exatamente que, na simplicidade e na naturalidade da linguagem, a mesma com que converso na intimidade, é que se encontrava o mais forte motivo para a sua publicação”.


Embora escrito sem literatura, como observou Álvaro Moreira, os originais de João Daudt Filho resultaram livro destinado a perdurar na bibliografia rio-grandense, mesmo porque faz parte de um gênero cujos valores fundamentais muitas vezes transcendem aos de natureza propriamente estética ou literária.


Depois de ter sido comandante do primeiro navio a vapor utilizado na navegação do Jacuí, entre cachoeira e porto Alegre, o pai de João Daudt Filho (pertencente à primeira geração de imigrantes alemães estabelecidos em São Leopoldo em 1824) radicou-se em Santa Maria, onde se estabeleceu como comerciante e constituiu família. Por isso, as primeiras recordações do memorialista datam daquela cidade, oferecendo subsídios de grande interesse para a monografia do município. Notadamente sobre o período revolucionário de 1893, a vida escolar e a infância e mocidade de Júlio de Castilhos (de quem o autor foi colega de curso primário), contendo, ainda, informações de real valia sobre as condições de vida em Santa Maria e no Rio Grande do Sul, naquela época.


Além de escrever o modo como se viajava no primeiro vapor a singrar as águas do Jacuí, João Daudt Filho narra uma viagem por terra, feita por ele e seus pais de Santa Maria a Rio Pardo. “Fizemos a vigem em 15 dias” – conta o memorialista – “numa carretilha puxada por três juntas de bois. A estrada era horrível a tal ponto que só mesmo com a força de meia dúzia de possantes bois poderia safar-se o veículo das sangas e atoladores. Outra meia dúzia de bois ia por diante, para muda. Uma tropa de 12 bois somente para conduzir a carga de uma pequena família”.


Na sua passagem como aluno pelo famoso educandário N. Sª da Conceição, dos Padres Jesuítas, em São Leopoldo, João Daudt Filho foi contemporâneo do episódio dos Muckers, de que relata a versão corrente na época. Já formado e estabelecido com uma farmácia, em Santa Maria, foi envolvido nas malhas da Revolução de 93, de que narra uma série de acontecimentos inconcebíveis para as atuais gerações. É quando o livro atinge o ponto culminante, sobretudo pelas cenas de banditismo que enumera e descreve, de uma das quais foi vítima o seu cunhado, Dr. Filipe de Oliveira, pai do poeta do mesmo nome, que nasceu órfão, seno adotado e criado por João Daudt Filho.


Trata-se enfim, de uma obra que vem pedindo para ser reeditada.



Capa: Tânia Porcher

Foto: Jorge Rolla


Fonte: Chamava-se Felicidade. Reverbel, Carlos. Barco de papel. Porto Alegre: Editora Globo S.A., 1978, p 182/186.


Disponível para aquisição: https://editoraufsm.com.br/assuntos/artes-e-letras/memorias-de-joao-daudt-filho.html

sábado, 1 de outubro de 2022

O Povo – 1838/1840 (Elmar Bones)

 

Circulando aos sábados e quartas, sem regularidade. Tinha o formato 20 cm X 30 cm, com duas colunas de texto. Foram publicadas 160 edições totalizando 676 páginas, de 1º de setembro de 1838 a 23 de maio de 1840.


Alguns autores afirmam que foi Rossetti que comprou, em Montevidéu, a tipografia para imprimir “O Povo”. Moacyr Flores diz que ele “se encarregou da aquisição da tipografia junto ao presidente Oribe”.


O dinheiro, segundo Abeillard Barreto, seria de Domingos José de Almeida, que vendeu 17 escravos (dos 36 que mantinha alugados em Montevidéu para sustentar a família) para comprar o prelo e os tipos para imprimir o jornal.


Homem rico da Província, Almeida tinha interesses e razões pessoais em relação ao jornal, conforme consta na Coleção Varela (13 mil documentos, a maior parte do acervo de Almeida, reunidos pelo historiador Alfredo Varela).


Num balancete de contas do governo, de 13 de janeiro de 1837, almeida refere-se ao “pagamento à tipografia: 3.852$800” (três contos e oitocentos e cinquenta e dois mil e oitocentos réis).


Para se ter uma ideia deste valor: no mesmo balancete, há o registro de um pagamento feito ao general Netto por 371 cavalos, no valor de 3.986$120.


Seis meses depois, em junho, Almeida remete um ofício ao Presidente da República, José Gomes Jardim, com um pedido: “(…) Como não tenha vindo a tipografia, consulto a V. Excia. Se farei bem em mandar devolver dito capital”. No mesmo papel, consta o despacho do Presidente: “Suponho que a esta hora a tipografia já está comprada”.


Almeida desejava um jornal para desfazer intrigas sobre sua posição de controle das finanças da recém-fundada República.


Em ofício de 23 de setembro de 1837, ao capitão Domingos Crescêncio de Carvalho declara:


Avisado por pessoa fidedigna de que alguns oficiais da distinta 1ª Brigada pretendem meu assassinato por dilapidar os fundos públicos… nomeiem uma comissão a quem eu mostre minhas contas. Se, porém, meu sangue é indispensável para fazer prosperar a árvore da liberdade em nosso país, eu não me retiro, e com ele pode contar”.


Em outro ofício, 2 meses depois, Almeida insiste para que examinem as contas apresentadas ao comando da revolução e requisita os materiais da tipografia:


Quanto à tipografia chegar, tinta, papel, e o mais já vindo lhe sejam entregues não só por ser tudo comprado com dinheiro do suplicante e com grave sacrifício seu, mas ainda porque desejando ele continuar a prestar seus serviços à boa causa que esposou pretende tomar a si a redação de um periódico, onde inserido somente o expediente do governo, do comandante em chefe e operações do exército trate de manietar a intriga mostrando os seus perniciosos efeitos e consequências, e de estabelecer, por meio de exemplos, a evitar de outros povos em idênticas circunstâncias do nosso, a sã moral e os bons costumes por hora alterados pelas vicissitudes das coisas”.


Riopardense de Macedo fez as contas e constatou que os 627 dias de existência de “O Povo” representam 18,35% do tempo de duração da Revolução Farroupilha, que se estendeu por 3.446 dias. Rossetti foi seu “redator”, cargo equivalente ao atual editor, até o número 47, menos de um terço do total das 160 edições.


Um bilhete de Domingos José de Almeida, de 1º de abril, descreve o início do fim do jornal:

Na madrugada, evacuamos a capital… o inimigo destruiu todo o arquivo da contadoria do tesouro e algumas peças de pau da tipografia, a tinta da mesma e todos os reparos”.


Em 30 de maio de 1840, o governo rio-grandense evacua Caçapava, perdendo-se a tipografia.


O Povo” não volta mais a circular.


Capa: Ivan G. Pinheiro Machado

Reverbel, Carlos/Bones, Elmar. Luiz Rossetti: o editor sem rosto & outros aspectos da Imprensa no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Copesul/L&PM, 1996, p. 118, 120, 121122, 123.


Destaques de Dois Irmãos (MIlton Hatoum)

(...) as palavras parecem esperar a morte e o esquecimento ; permanecem soterradas, petrificadas, em estado latente, para depois, em isen...