domingo, 27 de novembro de 2022

Desejo (Itamar Veira Junior)


Por que sempre queremos as coisas que parecem estar mais distantes de nós?”



Capa: Elisa v. Randow

Ilustração: Linoca Souza (inspirada na fotografia de Giovanni Marrozzini para a série “Nouvelle semence, 2010)




Fonte: Vieira Junior, Itamar. Torto arado. São paulo, Todavia, 1ª ed, 2019, p. 245.

Liberdade fantasiada (Itamar Veira Junior)

 

Quando deram a liberdade aos negros, nosso abandono continuou.


O povo vagou de terra em terra pedindo abrigo, passando fome, se sujeitando a trabalhar por nada. Se sujeitando a trabalhar por morada.


A mesma escravidão de antes fantasiada de liberdade.


Mas que liberdade?


Não podíamos construir casas de alvenaria, não podíamos botar a roça que queríamos. Levavam o que podiam do nosso trabalho. Trabalhávamos de domingo a domingo sem receber um centavo.


O tempo que sobrava era para cuidar de nossas roças, porque senão não comíamos.


Era homem na roça do senhor e mulher e filhos na roça de casa, nos quintais, para não morrerem de fome.


Capa: Elisa v. Randow

Ilustração: Linoca Souza (inspirada na fotografia de Giovanni Marrozzini para a série “Nouvelle semence, 2010)


Fonte: Vieira Junior, Itamar. Torto arado. São paulo, Todavia, 1ª ed, 2019, p. 220.

Trabalhadores e Moradores (Itamar Veira Junior)

 

Meu povo seguiu rumando de um canto para outro, procurando trabalho. Buscando terra e morada. Um lugar onde pudesse plantar e colher. Onde tivesse uma tapera para chamar de casa.


Os donos já não podiam ter mais escravos, por causa da lei, mas precisavam deles.


Então, foi assim que passaram a chamar os escravos de trabalhadores e moradores. Não poderiam arriscar, fingindo que nada mudou, porque os homens da lei poderiam criar caso.


Passaram a lembrar para seus trabalhadores como eram bons, porque davam abrigo aos pretos sem casa, que andavam de terra em terra procurando onde morar. Como eram bons, porque não havia mais chicote para castigar o povo. Como eram bons, por permitirem que plantassem seu próprio arroz e feijão, o quiabo e a abóbora. A batata-doce do café da manhã.


Mas vocês precisam pagar por esse pedaço de chão onde plantam seu sustento, o prato que comem, porque saco vazio não fica em pé. Então, vocês trabalham nas minhas roças e, com o tempo que sobrar, cuidam do que é de vocês.


Ah, mas não pode construir casa de tijolo, nem colocar telha de cerâmica.


Vocês são trabalhadores, não podem ter casa igual a dono.


Podem ir embora quando quiserem, mas pensem bem, está difícil morada em outro canto.”


Capa: Elisa v. Randow

Ilustração: Linoca Souza (inspirada na fotografia de Giovanni Marrozzini para a série “Nouvelle semence, 2010)




Fonte: Vieira Junior, Itamar. Torto arado. São paulo, Todavia, 1ª ed, 2019, p. 204/205.

Maldição (Itamar Veira Junior)


(…) “tudo que é bonito carrega em si a maldição.”


Capa: Elisa v. Randow

Ilustração: Linoca Souza (inspirada na fotografia de Giovanni Marrozzini para a série “Nouvelle semence, 2010)




Fonte: Vieira Junior, Itamar. Torto arado. São paulo, Todavia, 1ª ed, 2019, p. 203.

Medo (Itamar Veira Junior)

 

O medo atravessou o tempo e fez parte de nossa história desde sempre.


Era o medo de quem foi arrancado do seu chão. Medo de não resistir à travessia por mar e terra. Medo dos castigos, dos trabalhos, do sol escaldante, dos espíritos daquela gente.


Medo de andar, medo de desagradar, medo de existir.


Medo de que não gostassem de você, do que fazia, que não gostassem do seu cheiro, do seu cabelo, de sua cor. Que não gostassem dos seus filhos, das cantigas, da nossa irmandade. Aonde quer que fôssemos, encontrávamos um parente, nunca estávamos sós. Quando não éramos parentes, nos fazíamos parentes.


Foi a nossa valência poder se adaptar, poder construir essa irmandade, mesmo sendo alvos da vigilância dos que queriam nos enfraquecer.


Por isso espalhavam o medo.


Capa: Elisa v. Randow

Ilustração: Linoca Souza (inspirada na fotografia de Giovanni Marrozzini para a série “Nouvelle semence, 2010)




Fonte: Vieira Junior, Itamar. Torto arado. São paulo, Todavia, 1ª ed, 2019, p. 178/179.

terça-feira, 22 de novembro de 2022

Farrapos (Léo Ribeiro de Souza)

 

Segundo Evaristo da Veiga, o termo havia sido inspirado nos “sans-culottes” franceses, que eram os revolucionários mais extremados durante o período da Convenção (1792 a 1795).


Os sans-culottes, que literalmente quer dizer sem calção, usavam calças de lá listradas, em oposição ao calção curto de seda, adotado pelos mais abastados.


Outra versão defende que o termo foi provavelmente inspirado nas roupas rústicas de um dos líderes dos liberais, Cipriano Barata que, por ocasião da sua estada em Lisboa, circulava pela cidade usando um chapéu de palha e roupas propositalmente despojadas.


Seja qual for a sua origem, o termo já era aceito em 1831 como designação dos liberais exaltados que, nessa época, publicavam dois jornais no Rio de Janeiro: o Jurubeba dos Farroupilhas e o Matraca dos Farroupilhas.


Capa: Liliane P. Bastos | Ilustração: Léo Ribeiro de Souza



Fonte: Souza, Léo Ribeiro de. Os Farrapos e a Maçonaria. 1. ed., 2ª reimpressão. Porto Alegre: Bastos Produções, 2022, p. 73.

Glória (Léo Ribeiro de Souza)


A glória traz muitas alegrias, mas também grandes dissabores porque, à medida em que se sobe na escala social, desperta-se no semelhante a inveja e, por via de consequência, a calúnia, a intriga e o desejo de destruição dos ídolos (iconoclastia), que são os eternos e ingratos companheiros do sucesso. Esse é um processo psicossocial do qual ninguém escapa.


Capa: Liliane P. Bastos | Ilustração: Léo Ribeiro de Souza



Fonte: Souza, Léo Ribeiro de. Os Farrapos e a Maçonaria. 1. ed., 2ª reimpressão. Porto Alegre: Bastos Produções, 2022, p. 57.

Divisão Territorial do Rio Grande do Sul em 1835 (Léo Ribeiro de Souza)

 

14 Municípios / Aprox. 400 mil habitantes na Província/República


Porto Alegre


Alegrete


Caçapava do Sul


Cachoeira do Sul


Cruz Alta


Jaguarão


Pelotas


Piratini


Rio Grande


Rio Pardo


Santo Antônio da Patrulha


São Borja


São José do Norte


Triunfo


Capa: Liliane P. Bastos | Ilustração: Léo Ribeiro de Souza



Fonte: Souza, Léo Ribeiro de. Os Farrapos e a Maçonaria. 1. ed., 2ª reimpressão. Porto Alegre: Bastos Produções, 2022, p. 51.

Estancieiros Militares em 1800 (Léo Ribeiro de Souza)

 

A instabilidade do domínio, a priorização de militares na distribuição de terras e a grande importância das milícias para a defesa da região forjaram uma sociedade militarizada na qual o poder privado se alicerçava no controle dos rebanhos, dos homens armados e do acesso às grandes extensões de terra, nas quais se desenvolveu em grande escala a pecuária voltada para o abastecimento do mercado interno colonial.


Capa: Liliane P. Bastos | Ilustração: Léo Ribeiro de Souza



Fonte: Souza, Léo Ribeiro de. Os Farrapos e a Maçonaria. 1. ed., 2ª reimpressão. Porto Alegre: Bastos Produções, 2022, p. 50.

Versões Históricas (Léo Ribeiro de Souza)

 

(…) cada palavra é uma mina soterrada pelo tempo em lavouras da escrita e que devem ser aradas com muito cuidado, pois tudo depende do posicionamento de quem conta os “causos”.


Com o passar dos tempos, muitos factoides são acrescentados às circunstâncias normais, modificando elementos e criando heróis e vilões com a mesma facilidade e intensidade. Declarações questionáveis ou espúrias são armas indutivas para o bem ou para o mal.

Capa: Liliane P. Bastos | Ilustração: Léo Ribeiro de Souza



Fonte: Souza, Léo Ribeiro de. Os Farrapos e a Maçonaria. 1. ed., 2ª reimpressão. Porto Alegre: Bastos Produções, 2022, p. 14.

sábado, 12 de novembro de 2022

Alguns tweets de Deus (Leo Cardoso, @OCriador)

 

Eu não existo: Eu Sou! Existir predispõe começo e fim. Se existo, não sou Deus. E sou Deus! Entendeu? Não! Pois não pensa, logo, não existe!


Pare de Me perguntar qual é tua missão na vida. Eu não explico piadas.


Jesus te ama, mas aí na Terra quase todo mundo te acha babaca.


Profetas, por favor, substituam suas placas de “O fim está próximo” por “Esqueçam, é tarde demais”.


Em ano eleitoral, todo político que está ruim de voto apela para a fama de bom devoto.


Milagre não é andar sobre as águas, fazer cego enxergar ou curar aleijado. Milagre mesmo é fazer brasileiro aprender a votar.


O folheto de divulgação de campanha eleitoral se chama santinho porque é por isso que o político tenta se passar nessa época.


Quando vejo esses políticos ditos cristãos usando meu nome em vão, Eu fico feliz por não existir.


Candidatos que dizem “Se Deus quiser, serei eleito”, saibam logo: não, Eu não quero!


Jesus andava, com orgulho, entre ladrões e prostitutas. Mas morre de vergonha de se ver citado nos comícios desses políticos.


A maioria dos humanos só é verdadeiramente fiel a uma santa: a Santa Ignorância.


A Fé é diretamente proporcional ao grau de desespero.


Jesus tem um plano para todos. Mas, no seu caso, ele já está usando um plano B.


Pecadores que programam churrasco na Sexta-Feira Santa estão certos, afinal, é bom ir se acostumando com fogo, brasa e espeto.


Em 1500 a.C., Eu enviei a Moisés as Tábuas da Lei. Ou seja: 3500 anos depois, e vocês continuam falando “tauba”!


Adão e Eva eram brasileiros: não tinham o que vestir, apenas uma maçã para comer, sem casa para morar e a certeza de que estavam no Paraíso.


Capa: Desenho Editorial

Ilustração: Thiago Judas




Fonte: Cardoso, Leo. 365 tweets de Deus. 1. ed. São Paulo: Planeta, 2015, p. 31/39/48/56/104/153/161/164/165/169/206.

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Un día… (Alfonsina Storni)

 

Andas por esos mundos como yo; no me digas

Que no existes; existes, nos hemos de encontrar;

No nos conoceremos, disfrazados y torpes

Por los mismos caminos echaremos a andar.


No nos conoceremos, distantes uno de outro

Sentirás mais suspiros y te oiré suspirar.

¿Dónde estará la boca, la boca que suspira?

Diremos, el camino volviendo a desandar.


Quizás nos encontremos frente a frente algún día.

Quizás nuestros disfraces nos logremos quitar.

Y ahora me pregunto... ¿Cuando ocurra, si ocurre,

Sabré yo de suspiros, sabrás tu suspirar?


Ilustrações: Mariana Gil




Fonte: Storni, Alfonsina (1892-1938). Antologia poética; tradução de Ezequiela Zanco Scapini. Porto Alegre: Editora Coragem, 2020, p. 72.

domingo, 6 de novembro de 2022

Fé (Leo Cardoso)

 

O grande problema é que, sobre esses assuntos metafísicos, nós perguntamos muito o porquê das coisas: por que estamos aqui? Por que morremos? Por que vivemos? E essas, nestes casos, são perguntas tolas.


Nós nunca saberemos os porquês: o universo é muito imenso para conseguirmos alcançar essas respostas. E viver é um privilégio muito grande para perdermos tempo com perguntas das quais nunca encontraremos as respostas.


A pergunta que devemos fazer é como. Como estamos aqui? Como morreremos? Como vivemos?


As religiões se predispõem a tentar responder tanto o porquê quanto o como. Mas nós, arrogantes que somos, nos atentamos principalmente aos porquês, e esquecemos do como.


O porquê terá sempre uma explicação dogmática, metafísica, mítica: por que eternamente condenados por um simples crime famélico de dois adolescentes pelados atentados por uma cobra falante? Porque Deus quis assim.


Mas o como é uma solução prática de Fé. Como devemos nos comportar perante próximo? Como devemos guiar nossos preceitos morais e éticos? Como resolver nossos dramas humanos?


Se pararmos de nos questionar sobre assuntos que seremos sempre incapazes de responder – sem recorrer a subterfúgios transcendentais, dada nossa insignificância perante o universo – e nos atermos a questões práticas dos nossos relacionamentos, nossas soluções, como seres humanos, podem surgir.


E as religiões deveriam buscar isso. Não importa se você vê Deus em Jesus ou numa vaca, o que importa é o que você faz com o Deus que você vê. Isto é o que aproxima o homem de Deus, e não a religião.


Os textos sagrados de todas as religiões, pelo menos das que eu já ouvi falar, pregam a mesma coisa: o amor. E esse amor não é – ou pelo menos não deveria ser – uma utopia, um delírio contemplativo autorreferencial ou uma conspiração capitalista criada por floricultores gananciosos.


O amor é o princípio da Fé, e não de uma Fé puramente teórica e espiritual. A Fé é a hipótese normativa do amor. O amor é a Fé posta em prática.




Fonte: Cardoso, Leo. O dia que Deus matou o diabo, 2019, p. 92/93.

Fama e Ódio (Carlos Antonio de Barros)

 

(…) as pessoas são odiosas.


Nós somos famosos mesmo, muita gente nos odeia.”


Capa: Elohim Barros e Renata Mein



Fonte: Felitti, Chico. Elke: Ricardo e Vânia: O maquiador, a garota de programa, o silicone e uma história de amor. 1. ed., São Paulo: Todavia, 2019, p. 38.

Invisibilidade (Nat Lopês)

 

Como pode uma pessoa invisível e, ao mesmo tempo, conhecida passar entre nós sem envolvimento algum?


Este é um retrato da cidade e de nós mesmos, somos todos esquizofrênicos, ou seja, muito loucos em nossa sanidade.”


Capa: Elohim Barros e Renata Mein




Fonte: Felitti, Chico. Elke: Ricardo e Vânia: O maquiador, a garota de programa, o silicone e uma história de amor. 1. ed., São Paulo: Todavia, 2019, p. 57.

Destaques de Dois Irmãos (MIlton Hatoum)

(...) as palavras parecem esperar a morte e o esquecimento ; permanecem soterradas, petrificadas, em estado latente, para depois, em isen...