sábado, 26 de março de 2022

Jeito de Ser (Chico Garcia)

 O amor reside na sutileza de cada um, no jeito peculiar de viver, na vontade de compreendermos o outro para entender que somos diferentes, mas especiais dentro da nossa forma de existir.



Garcia, Chico. Mulheres de Moletom e Outras Crônicas. Chiado Editora: São Paulo, 1ª ed., p. 123.


Escadaria

 Escadaria


Me contou o Pagel (arquiteto, empreiteiro e bancário) ou o Reder (carinhosamente chamado Tiozão, cozinheiro de mão cheia e Fiscal de Crédito) nos meados de 2000. Como os dois eram sócios (e se tratavam assim) de um sítio no Macaco, fica o Registro.


O Tiozão relata que pelas cercanias do Macaco tem origem o erval nativo que se estendia até Venâncio Aires…


Pois bem.


Anos 80, nem falar em porta detectora de metais, aproximadamente 50 funcionários na agência de Palmeira das Missões (RS).


Estavam pagando não sei-o-quê, a fila dobrava o quarteirão.


Os guichês ficavam no térreo e a carteira de crédito no 2º piso; acesso por larga escadaria.


Vai que….


Vem chegando um funcionário, “meio em cima do laço” pro início do expediente.


Começou apertar o passo, o pessoal que estava esperando iniciando movimento.


Ele fura a fila, e começa a correr…


No efeito, uma dúzia de clientes correm atrás dele, e, chegando ao segundo piso, uns à meia escada, nem sinal de guichê…



Para arremate do causo, recebeu devidos elogios carinhosos daqueles que o seguiram.



Canastra Real e fiscalização


Comentavam, durante uma janta regada a Passport com mel (noite que um colega fechou uma canastra real de ouro, na hora de contar os pontos viram que havia uma carta de copas na canastra, a situação virou uma chacota…, o cidadão convicto da vitória, confundiu o naipe…) que “bonito” era fiscalizar as operações de aquisição de gado.


Pois no relato, o pessoal conhecia a caminhonete do Fiscal, quando cruzava a estrada, pela manhã, e via o potreiro vazio, nem entrava na propriedade, deixava para fazer a vistoria na volta, durante a tarde.


O milagre se operava, e tudo ocorria de forma normal, com êxito, na volta, quando estavam lá os semoventes para conferência.


Silo Oco


Essa eu não sei em que ano ocorreu, mas tem a ver com o pessoal com graneleiro próprio colocar uma carreira de sacos empilhados dentro do silo, em seu perímetro, até onde a mão do fiscal alcançasse, e uma caixa com grãos em cima, na “boca” do silo….


O fiscal batia por fora, o som não reverberava, e estava tudo certo, até esse expediente ser revelado.


Carijo


Amante da arte e cultura, mestre na culinária, após o festival, abrigou alguns artistas…


O Luiz Bastos e o David Menezes Jr. eram convivas cativos do Tiozão.


Um ano, disse ele, era festa e música e churrasco e comida de panela e trago….


Até esvaziar o congelador e terminar a lenha!!!


Aí era o momento da despedida!





terça-feira, 15 de março de 2022

Diário de Cecília de Assis Brasil, 1916-1928 (org. Carlos Reverbel, 1983)


Do primeiro matrimônio, com Cecília Prates de Castilhos, irmã de Júlio de Castilhos, J. F. De Assis Brasil deixou duas filhas: Maria e Carolina.


Do segundo, com Lídia de São Mamede, deixou oito descendentes, sendo dois homens e seis mulheres: Cecília, Lídia, Joaquina, Francisco, Joana, Dolores, Joaquim e Lina.




Iniciado na Granja e Pedras Altas, o Diário teve prosseguimento em diversos lugares: Pelotas, Rio Grande, Bagé, Rio de Janeiro e em quatro estabelecimentos rurais arrendados (Chácara Bela Vista, Estância Nova, Coxilha Grande e Berachi) no departamento de Cerro Largo, perto da cidade de Melo, no Uruguay.


O Diário de Cecília é uma lição de vida, valorizada pelo trabalho, culto à natureza e ao saber, amor aos animais e respeito aos habitantes do campo e da cidade.


Na Granja de Pedras Altas há uma alameda, denominada Boa Viagem, porque vai dar no local que fora escolhido como última morada dos fundadores do estabelecimento: dr. Assis e Dona Lídia.


Quis o destino que ali se abrisse uma terceira sepultura, de modo imprevisto, obra de um raio, que atingiu a moça (nascida em Washington, em 26 de maio de 1899), de modo fulminante, durante um passeio de a cavalo pelo campo, no dia 11 de março de 1934.


Fonte: Assis Brasil, Cecília. Diário de Cecília Assis Brasil, org. por Carlos Reverbel. Porto Alegre, L&PM, 1983, p. 5/10, com adaptações.




Capa: L&PM Editores sobre foto do Castelo de Pedras Altas, Rio Grande do Sul.

Admirável (Diário de Cecília, 1925)

 

Domingo, 23 de agosto


Levantei-me cedo, varri a sala, arrumei a mesa, servi o café, lavei a louça.


Visita do poeta Noblia, em companhia de Saviniano Perez.


Voltava da horta com a enxada no ombro, justamente quando eles iam saindo.


Fiquei toda confundida quando o poeta parou-se e me disse:


Señorita, usted es admirable en todo!”


Não sei o que foi que mais o encantou – se os meus sapatos embarrados ou o avental de chita.


O capitão Medina terminou a rede.


De noite ensinamos o sr. Chico Macedo a jogar Presidente.


Fonte: Assis Brasil, Cecília. Diário de Cecília Assis Brasil, org. por Carlos Reverbel. Porto Alegre, L&PM, 1983, p. 84.




Capa: L&PM Editores sobre foto do Castelo de Pedras Altas, Rio Grande do Sul.

Antepassados (Diário de Cecília, 1928)

 

Quarta-feira, 11 de janeiro


De manhã lavei duas blusas e seis pares de meias.


Depois sentei-me a copiar pedigrees de Jersey.


Então lembrei-me de fazer também o meu.


Contam de dona Florinda Cardoso (minha bisavó paterna), que guardava tanto dinheiro em casa que um dia o forro desabou. Contam ainda que era muito gorda e, quando morreu, não puderam retirá-la pelas portas. Dizem que saiu de casa “a pau e corda”...


O marido dela, José de Souza Brasil, recebeu do Imperador, em concessão, enorme extensão de campo, onde estão hoje as estâncias dos Minuanos, em Alegrete, correspondendo o rincão de Santa Eugênia, entre o Ibirapuitã e o Caverá.


Um pedaço desse campo ainda se conserva na família, pois nunca foi trocado por dinheiro.


É a Estância do Ibirapuitã, cujo nome em guarani também significa Pau-brasil.


E como lá não existe essa madeira, o Papai diz que, provavelmente, o primeiro proprietário deu seu próprio nome ao local, traduzido em guarani.


Dona Joana Maria Ferreira, avó de Mamãe, era filha de Lina de Jesus Silveira, rio-grandense. Segundo o que se diz, era mulher muito guapa.


Rodrigo Pereira Felício foi o primeiro Conde de são Mamede e Infesta.


E o filho dele, José Ferreira Felício, que era o pai da Mamãe, foi o segundo detentor geral desse título, (que, aliás, não acho bonito), mesmo porque, acabando-se a monarquia, os títulos também acabaram e sua perpetuação se torna ridícula.


José Smith de Vasconcelos (meu bisavô paterno) era cearense e mais conhecido por José Barateiro do que por Barão de Vasconcelos. A mãe dele era inglesa: Mary Tustin Smith.


A sua mulher, dona Francisca Mendes da Cruz Guimarães, tinha a cara chata e um ar de “braba”. Mamãe acha que eu me pareço com ela, o que muito me desgosta, pois a coitada era a mais feia de todos os meus antepassados...


Joaquim Thomaz de Belsalinas (outro bisavô), era médico, formado em Coimbra. Deixou fama de ilustrado. Possuiu só um petiço na vida, diz o Papai. Mas era o dono da marca dos três coqueiros, que hoje me pertence.


Por enquanto, só consegui marcar dois cavalos. Temo ficar nisso, pois tenho pena de marcar a Centelha, que é minha também.


Fonte: Assis Brasil, Cecília. Diário de Cecília Assis Brasil, org. por Carlos Reverbel. Porto Alegre, L&PM, 1983, p. 174/175




Capa: L&PM Editores sobre foto do Castelo de Pedras Altas, Rio Grande do Sul.

Banho de Sol (Diário de Cecília, 1923)

 

Quinta-feira, 9 de agosto


Francisco hoje fez uma boa. Em companhia de um amigo, deitou-se na praia, sem camiseta, para tomar banho-de-sol.


Nisto aparece uma guarda.


Intimou-os a se vestirem decentemente e a segui-lo até a chefatura de polícia.


Foram os dois, assim mesmo, de roupa de banho.


E ficaram no xilindró até a uma hora da tarde.


Tio Carlos, depois do almoço, quis ir lá para ver se os trazia, mas o Jaime já os tinha precedido, conseguindo libertar os “criminosos”. Mamãe e Papai tinham ido almoçar no hotel.


Fonte: Assis Brasil, Cecília. Diário de Cecília Assis Brasil, org. por Carlos Reverbel. Porto Alegre, L&PM, 1983, p. 70.




Capa: L&PM Editores sobre foto do Castelo de Pedras Altas, Rio Grande do Sul.

Bolinhos (Diário de Cecília, 1916)


Segunda-feira, 6 de novembro


Fiz do seguinte modo trinta e três especiais bolinhos de um ovo de avestruz:


A clara bem batida é misturada com a gema e, depois, com duas xícaras de farinha de trigo, duas de açúcar e duas colheres de baking Powder.


Bate-se bem e leva-se ao forno, que deve estar tinindo.


Os bolinhos foram muito apreciados.


Papai passou a tarde tosando o jardim.


A Lídia quebrou o meu rico ovinho de beija-flor. Quando poderei substituí-lo?


Fonte: Assis Brasil, Cecília. Diário de Cecília Assis Brasil, org. por Carlos Reverbel. Porto Alegre, L&PM, 1983, p.




Capa: L&PM Editores sobre foto do Castelo de Pedras Altas, Rio Grande do Sul.

Campo (Diário de Cecília, 1916/1926)

 

Terça-feira, 24 de outubro de 1916


Demos umas voltas a pé, de tarde, e as minhas companheiras tentam convencer-me que São Paulo ou Paris são melhores que o Ibirapuitã. Quando for a esses lugares saberei ao certo, mas por enquanto agarro-me ao meu ideal: a vida no campo.


Sou assim, e agora?


Tenho plena confiança de que meu amor ao campo nunca cessará de crescer.


Segunda-feira, 25 de dezembro de 1916


Li até às 3 horas da manhã, largando o livro só quando cheguei na última página.


Ora, em vez de me acordar às 6 horas, dormi sem interrupção até as 9. Levantei-me às pressas, não encontrando nem sombra de café. Comi dois ovos mexidos.


Seu Januário foi embora.


Cada dia gostava mais dele, senti que tivesse partido.


As crianças passaram o dia com os brinquedos novos. O Boy deu-me um filhote de chimango para criar. É horrível de feio.


Mamãe anda cuidando de uma das vacas novas, que está morrendo de magreza e tristeza. Batizou-a com o nome de Pérola.


De tarde fui com o Papai e Francisco ver o pôr-do-sol. Vimos lá 42 joões-grandes, era bonito vê-los pousar.


O céu estava todo pintado com lindas cores e reflexos.


De noite pedi que Mamãe nos deixasse um dia cozinhar. Ela me deu licença para fazer o almoço amanhã. Papai disse que dará um dote à filha que souber ser uma cozinheira de verdade.


Não quero o tal dote, quero mostrar que sirvo para alguma coisa. Serviço é o que não falta!


Todos deviam nascer com o firme propósito de embelezar e tornar perfeito o canto do mundo em que vivem; por menor que seja, o esforço sempre há de aparecer.


Tenho verdadeira pena de quem nunca comeu sequer uma batata plantada pelas suas próprias mãos, bem como dos que não conhecem os encantos que há na criação de um guacho, que nunca souberam como é bom colher flores no jardim onde se tenha acompanhado o desenvolvimento da planta, desde o primeiro broto saído da terra negra até alcançar os rios do sol, até o abrir das pétalas em flor.


Quarta-feira, 3 de janeiro de 1917


Colhemos muitos pêssegos chineses, várias espécies de ameixas esplêndidas, peras d’água deliciosas e ginjas grandes e escuras.


A Mamãe deu-me um chapéu de palha. Enfeitei-o com um pedaço de tule, em volta da copa, e uma grande rosa encarnada do lado.


Pela primeira vez fiz um penteado de senhora, mas desmanchei-o logo. Pena que vou ter de mudar de cara em breve.


Despimos a árvore de Natal.


Esperamos, tomando mate, a hora de dizer adeus ao Papai. Ele foi pelo noturno para Ibirapuitã, dizendo que volta daqui a uma semana.


Quinta-feira, 4 de janeiro


Dia de rara beleza!


Passei quase toda a manhã às voltas com os meus queijos. Estão com muito boa aparência.


A Maninha descobriu um lagarto saindo dos galinheiros. Raimundo e eu tentamos pegá-lo, mas foi em vão. Nunca vi bicho mais ligeiro!


Estive lendo receitas de queijos, resolvi fazer um Brie, em breve.


Domingo, 7 de janeiro


Nunca vi domingo mais lindo!


Foi pena que num dia tão perfeito houvesse acontecimentos desagradáveis. A potranca anglo-russa, Iolanda, apareceu com enorme rombo no lado esquerdo, pouco acima do garrão. Não foi possível descobrir a maneira pela qual o animal se feriu. A ferida parece ter sido produzida por um balaço ou por um guampaço.


Estou lendo o Days Work, de Kipling.


A notícia mais sensacional da Estação, hoje, foi a venda de uma tropa de terneiros e terneiras do Leleu, por 6 mil réis.


Quando eu estava recolhendo ovos vi um furão no monte de vigas, sentado como um gato. Nunca pensei que fosse tão bonito. Chamei-o com a mão e com os olhos e ele chegou a dois metros de distância de onde eu estava, sempre me olhando com uns olhinhos negros, sem medo nenhum. Ficou de pé, espichou o pescoço, olhou para os lados, lambendo os beiços. Depois abaixou-se e saiu correndo. Passou com muita agilidade pela tela da cerca e entrou num dos parques das galinhas. A cara, a testa, as mãos, pernas e a barriga não podiam ser mais pretas. Parece que ele andou nadando em azeviche. A parte de cima é cinzenta, um tordilho muito bonito. Fiquei encantada com o furão. Espero revê-lo brevemente.


Segunda-feira, 8 de janeiro


Muito vento, céu azul.


Li uma receita de Gruyère e estou tentando o resultado.


Depois fui aos galinheiros, ver se tinham água.


Encontrei-me com o Antônio (Chimango, por sobrenome), que estava às voltas com o Rafael (louco de fome). Fui buscar carne e dei-lhe de comer, perto de mim, para ir se amansando. É curioso como esse pássaro não sai de perto de casa.


A Bá escreveu-me e diz que é impossível vender os Petit Suisses, em Bagé. Começa por não haver gelo nas casas de negócio e acaba por não ter freguesia.


Divisei da torre três vultos no açude pequeno, que me pareceram patos-arminho. Para me certificar fui lá, e vi que eram quatro, lindos. Depois do chá toda a família foi vê-los e, naturalmente, a criançada espantou-os. Foram-se embora, voando, e pousaram no açude grande.


Fui lá, desta vez só, ao pôr-do-sol.


O que mais me encanta nessa hora é a profusão de cores e tons, alguns vivos, outros suaves.


Então vi a chegada de pássaros em bandos, ou um a um, para passar a noite no açude grande.


Além dos quatro patos-arminho foram chegando um casal de tahãs, dois joões-grandes, uma garça e carões, marrecas, galinholas, maçaricos.


O ente que menos apreciasse cenas do campo teria se extasiado ali hoje.


Domingo, 7 de fevereiro de 1926


Creio que o campo que deus fez é mais lindo e melhor que a cidade feita pelo homem”.


(Palavras de E. Oswwod Groover, aos meninos do Corn Club, de omaha, USA).


Fonte: Assis Brasil, Cecília. Diário de Cecília Assis Brasil, org. por Carlos Reverbel. Porto Alegre, L&PM, 1983, p. 12/24/2532/33/34/99.




Capa: L&PM Editores sobre foto do Castelo de Pedras Altas, Rio Grande do Sul.

Cantalício (Diário de Cecília, 1928)

 

Segunda-feira, 9 de janeiro


O velho Cantalício está aqui. Ontem de noite, ele nos contou uma porção de histórias de fadas e a do Ali Babá. Tudo naquela linguagem pitoresca, misturando brasileiro com castelhano.


Nas suas histórias os reis recebem os príncipes com um mate e mandam desencilhar e atar o cavalo na ramada.


Quando Ali Babá e os 4o Ladrões chegam na pedra da caverna encantada, gritam: “Abrite, perejil sin ojas.”


Terça-feira, 10 de janeiro


Papai preparou uma guampa, com fundo de salso, para tomar apojo e coalhada. Há muito tempo que ele desejava ter uma guampa para esse fim. Enquanto raspava e limava o pedacinho de salso para adaptar no fundo da guampa, mandou-me lar alto uma viagem maravilhosa de Fernão Mendes Pinto (o Marco Polo português), publicada em 1614.


O velho Cantalício despediu-se e voltou para o Berachi.


Antes de sair fez considerações sobre as vantagens do cavalo de trote bem duro e mau cômodo, principalmente no verão.


Ei-las, nas suas palavras:


Você empeza uma viagem num cavalo de cômodo bom, vai troteando ou marchando e vai aquentando; agora, num cavalo de trote duro, você vai sacudindo e saltando e a fresca vai passando por baixo.”



Fonte: Assis Brasil, Cecília. Diário de Cecília Assis Brasil, org. por Carlos Reverbel. Porto Alegre, L&PM, 1983, p. 173/174.




Capa: L&PM Editores sobre foto do Castelo de Pedras Altas, Rio Grande do Sul.

Capistrano de Abreu (Diário de Cecília, 1923/27)

 

Sexta-feira, 1º de junho de 1923


O sr. Capistrano de Abreu distribuiu aqui em casa a folha que mandou imprimir contra as homenagens que lhe seriam prestadas a 23 de outubro, dia do seu aniversário.


Diz o seguinte: “Segundo sou informado trama-se para meu próximo aniversário uma patuléia, poliantéia, ou coisa pior e mais ridícula, se for possível. Aos meus amigos previno que considero a tramóia como profundamente inimistosa. Não poderei manter relações com quem assim tenta desmoralizar-me. Custe o que custar. - Rio, dia do Corpo de Deus, 1923”.


Quantas pessoas terão pensado mais ou menos assim, diante de projetada apreciação pública dos atos e feitos da sua vida? É mais uma prova da originalidade e da independência, quase brutalmente sincera, do nosso Capistrano.


Rendez-vous semi-político esta noite.


Tomaram parte o Hasslocher, Juquinha Azeredo, dr. Pádua Rezende, Nenê Pinheiro Machado, dr. Batista Pereira (vulgo Batistinha), genro de Rui Barbosa, Henrique Souza Lobo, Silveira Martins e o infalível Alípio, desta vez sem o Fernando.


Capistrano batizou o Batistinha de Cinocéfalo.


Cruel, but true.


Domingo, 21 de agosto de 1927


Soube pela dona Faustina que o nosso velho amigo Capistrano de Abreu faleceu há alguns dias.


Lembrei-me da última vez que ele esteve em Pedras Altas. Perguntei-lhe na despedida:


E agora, quando volta?”


E ele:


A gente também precisa morrer, menina”.


Temos aqui e em Pedras altas muitos livros dados por ele. E as lindas redes que presenteou à Mamãe emigraram conosco.


As únicas lições de português que tive foram dadas por ele e pelo Papai.


Adeus!


Sentimos muito.


Sexta-feira, 2 de setembro 1927


Madrugamos todas para tirar leite. Estava muito frio. Chuviscava.


O Raimundo e o João Francisco são os únicos homens que se mantêm de pé.


As mulheres, por enquanto, vão guapeando, felizmente.


O chofer diz que passou mal a noite. Pediu licença para ir tratar-se com um curandeiro, em Melo.


O capitão João Cavalheiro, ainda de cama.


Até o velho major Varela recolheu-se aos seus aposentos., apesar de ter garantido que não adoeceria.


Estou em preparativos para minha próxima viagem a Bagé.


Recebemos uma carta da Lina, falando da morte do pobre Capistrano.


Informa que foi publicado um necrológio muito bem feito, em “O Jornal”, pelo Assis Chateaubriand.


Saiu um retrato dele, tirado depois de morto, no qual a Mamãe e o Papai aparecem no reflexo de um espelho.


Quarta-feira, 7 de setembro de 1927


A malvada da gripe prendeu-me na cama todo o dia.


Assim perdi todas as festas e a inauguração da Praça dos Esportes.


Quando o Papai plantou as árvores dessa Praça, sugeriu ao intendente da época que ali se fizesse um parque esportivo, para recreio da juventude bageense.


Essa ideia tornou-se agora realidade, mas com certeza ninguém mais se lembra de onde ela partiu.


Como qualquer outro ente civilizado, li na cama os jornais da manhã.


Primeiro, o governista, “O Dever”.


E como contra-veneno, o “Correio do Sul”, do Fanfa Ribas.


Havia uma carta do general Miguel Costa chamando o dr. Washington Luís de “idiota”, com toda a naturalidade.


A imprensa local transcreveu um soneto da Honorina (Soror Maria José de Jesus) sobre a morte de Capistrano de Abreu, seu pai.


Fonte: Assis Brasil, Cecília. Diário de Cecília Assis Brasil, org. por Carlos Reverbel. Porto Alegre, L&PM, 1983, p. 62/63/151/152/154/155.




Capa: L&PM Editores sobre foto do Castelo de Pedras Altas, Rio Grande do Sul.

Carnaval (Diário de Cecília, 1928)


Bagé, sexta-feira, 24 de fevereiro


O João Francisco, nosso empregado, passou dia meio jururu, sem querer alimentar-se.


De noite, soube que ele saiu, com o peão da Dona Faustina, para ver a batalha de flores e o corso carnavalesco, no centro da cidade.


É sinal que já sarou.


Tenho receio que ele gaste os poucos vinténs que possui nas folias do Carnaval.


Fonte: Assis Brasil, Cecília. Diário de Cecília Assis Brasil, org. por Carlos Reverbel. Porto Alegre, L&PM, 1983, p. 181




Capa: L&PM Editores sobre foto do Castelo de Pedras Altas, Rio Grande do Sul.

Instituições (Diário de Cecília, 1926)

 

Quinta-feira, 28 de abril


Guardei para mim uma das cópias da carta do papai ao dr. Reinaldo Porchat. Aqui deixo este trecho, certamente admirável:


Voltamos ao tempo em que só se escrevia por mão própria. Não há mais correio, desde que não há liberdade. Tive de esperar pela primeira oportunidade para lhe fazer estas duas linhas, que há muito estavam a mastigar o freio para irem à sua presença.


Espero o bravo deputado Libertador Batista Lusardo, que, de ida para o Rio, passará pelo meu degredo. Ele lhe levará muitos recados sobre os interessantes objetos das nossas atuais preocupações e, principalmente, um caloroso abraço e as mais vivas congratulações pelas coisas extraordinárias com as quais o prezado amigo tem recomendado o seu nome à imortalidade.


Referi-las e comentá-las é dispensável.


A bom entendeur... salut!


Quem escreveu o programa do partido Democrático?


Esse merece todo o meu aplauso. Está ali a peanha de um grande monumento.


Sem falar de outras qualidades, encantou-me a maneira de salvar as suscetibilidades doutrinárias. Entre essas, a mais séria seria a de parlamentarismo versus presidencialismo.


É assunto de que, como sabe, me venho ocupando de longo tempo.


Conhece talvez o meu livro de 1896 – Do governo Presidencial na República Brasileira. É uma longa discussão doutrinária. Não mudei de pensar; mas a observação e a reflexão têm-me feito ver que a questão foi mal posta: o que a boa razão e a sabedoria histórica mandavam, e mandam, é que não copiemos servilmente os anglo-saxões da Europa, nem os da América.


Eles próprios dão-nos o exemplo, não se copiando reciprocamente; pelo contrário, criando cada um deles o tipo de instituições porque nós brigamos.


Naquele meu livro, já deixo claro que o Brasil deve ter instituições originais.


Essa é para mim a fórmula verdadeira, com as vantagens de todas as coisas verdadeiras – de conciliar todos os espíritos sãos e justos”.


Fonte: Assis Brasil, Cecília. Diário de Cecília Assis Brasil, org. por Carlos Reverbel. Porto Alegre, L&PM, 1983, p. 104/105.




Capa: L&PM Editores sobre foto do Castelo de Pedras Altas, Rio Grande do Sul.

Centro de Bagé (Diário de Cecília, 1927)

 

Terça-feira, 13 de setembro


Fui com dona Faustina ao centro da cidade.


A rua Sete está muito bonita, com calçadas largas, ajardinada, arborizada, bem iluminada.


A praça em frente do Mercado também está muito acima do que era, com gramados e caminhos bem cuidados e calçada semelhante à da Avenida Atlântica, em Copacabana.


O Mangabeira pôs a “manga à beira” e os manguitos de fora, como diria o Aporeli.


Encontrei o Pizarro, que se ofereceu muito, assegurando que era o mesmo de sempre.


Fonte: Assis Brasil, Cecília. Diário de Cecília Assis Brasil, org. por Carlos Reverbel. Porto Alegre, L&PM, 1983, p.156/157.




Capa: L&PM Editores sobre foto do Castelo de Pedras Altas, Rio Grande do Sul.

Chácara Bela Vista, Melo, Uruguai (Diário de Cecília, 1927)


Sexta-feira,11 de novembro


Está fazendo exatamente um mês que chegaram do Rio Mamãe, Papai, Quinquim e Lina. Neste momento disse-lhe adeus de novo, pois o Papai foi chamado pelos outros deputados da Esquerda e partiu com Mamãe... até quando?


Interrompi meu Diário justamente durante a “visita” que nos fizeram Papai e Mamãe, quando ele podia ter ficado mais interessante. Vou tentar um resumo dos fatos ocorridos a partir do dia 29 de setembro, quando ainda me achava em Bagé.


Ao ter notícia da chegada da Mamãe em Melo, telegrafei ao dr. Chico Macedo, pedindo-lhe que me acompanhasse até lá. Ele não se fez esperar. Encontrei os viajantes muito bem dispostos.


Vieram até Montevidéu no Saturnia, que é atualmente o maior navio de passageiros. Tem nove andares e elevadores, sendo movido a petróleo.


Seu Chico Macedo foi com o Papai à Estância Nova, conhecer o potrilho da Enérgica, filho do Kit Fox. Depois de muita discussão, recebeu o nome de Talismã. Papai não parou durante os dias que passou aqui. Procurou um campo para arrendar, decidindo-se pelo Berachi, do Teco Martins.


Os nossos animais, dispersos em quatro ou cinco lugares, agora poderão ser reunidos. Fomos visitar a Estância do Berachi. Ficamos encantados com o arvoredo e as acomodações para os animais. As casas de moradia são sólidas e espaçosas. Mas o que mais me encantou foi avistar o Brasil.


Distingue-se dali até a tapera onde os chimangos estiveram acampados, em 1924, quando o general Zeca Neto invadiu o Rio Grande, tendo o Boy a seu lado.


Avista-se também a venda do Cláudio Torres.


Durante sua estadia, Papai visitou três vezes a Estância Nova. Na última, ele e eu fomos nos despedir do Kit Fox, presenteado pelo Papai ao seu Chico Macedo e que já se encontra em São Gabriel, levado pelo Araci. Ficamos com pena de ver o kit Fox partir, pois ele fazia parte da família. Mas já que ficamos sem ele, antes seja para o seu Chico do que para qualquer outra pessoa.


Esteve de visita ao Papai o coronel Coriolano, intendente de Caçapava, o primeiro e único eleito pela oposição. Veio em companhia do sr. Flaubiano Medeiros e do dr. Silvio Faria Corrêa. Consola-nos a vaga esperança de termos Papai e Mamãe de volta para o Natal. Fiquei encarregada da Estância Nova, dos estudos da Lina e de escrever o Diário.


Fonte: Assis Brasil, Cecília. Diário de Cecília Assis Brasil, org. por Carlos Reverbel. Porto Alegre, L&PM, 1983, p. 163/164.




Capa: L&PM Editores sobre foto do Castelo de Pedras Altas, Rio Grande do Sul.

Chácara do General Miguel Costa (Diário de Cecília, 1927)

 

Quarta-feira, 21 de dezembro


De uma carta do general Miguel Costa, remetida de Libres, no dia 3:


Já estão plantadas as sementes dos eucaliptos General Roca que teve a nímia gentileza de enviar-me. Só agora agradeço esse grande obséquio.”


E mais adiante:


Já moramos na chacrinha, onde construímos, não uma casa, mas um rancho de tijolos, adobe, papelão e, sobretudo, latas de gasolina, iguais às do barracão que foi feito na Fazenda Nova, cujo modelo procurei seguir.


Temos também duas vacas Jersey, que o sr. Raul Moureau nos cedeu. Não sei até agora a que título, pois não quis dar condições e preço.


Além dessas, temos outras, crioulas, que nos foram dadas pelos srs. Chiquinho Carvalho, Beto Rodrigues e Manoel Pacheco Prates.


Fonte: Assis Brasil, Cecília. Diário de Cecília Assis Brasil, org. por Carlos Reverbel. Porto Alegre, L&PM, 1983, p. 167.




Capa: L&PM Editores sobre foto do Castelo de Pedras Altas, Rio Grande do Sul.

Destaques de Dois Irmãos (MIlton Hatoum)

(...) as palavras parecem esperar a morte e o esquecimento ; permanecem soterradas, petrificadas, em estado latente, para depois, em isen...