Terça-feira,
24 de outubro de 1916
Demos
umas voltas a pé, de tarde, e as minhas companheiras tentam
convencer-me que São Paulo ou Paris são melhores que o Ibirapuitã.
Quando for a esses lugares saberei ao certo, mas por enquanto
agarro-me ao meu ideal: a vida no campo.
Sou
assim, e agora?
Tenho
plena confiança de que meu amor ao campo nunca cessará de crescer.
Segunda-feira,
25 de dezembro de 1916
Li
até às 3 horas da manhã, largando o livro só quando cheguei na
última página.
Ora,
em vez de me acordar às 6 horas, dormi sem interrupção até as 9.
Levantei-me às pressas, não encontrando nem sombra de café. Comi
dois ovos mexidos.
Seu
Januário foi embora.
Cada
dia gostava mais dele, senti que tivesse partido.
As
crianças passaram o dia com os brinquedos novos. O Boy deu-me um
filhote de chimango para criar. É horrível de feio.
Mamãe
anda cuidando de uma das vacas novas, que está morrendo de magreza e
tristeza. Batizou-a com o nome de Pérola.
De
tarde fui com o Papai e Francisco ver o pôr-do-sol. Vimos lá 42
joões-grandes, era bonito vê-los pousar.
O
céu estava todo pintado com lindas cores e reflexos.
De
noite pedi que Mamãe nos deixasse um dia cozinhar. Ela me deu
licença para fazer o almoço amanhã. Papai disse que dará um dote
à filha que souber ser uma cozinheira de verdade.
Não
quero o tal dote, quero mostrar que sirvo para alguma coisa. Serviço
é o que não falta!
Todos
deviam nascer com o firme propósito de embelezar e tornar perfeito o
canto do mundo em que vivem; por menor que seja, o esforço sempre há
de aparecer.
Tenho
verdadeira pena de quem nunca comeu sequer uma batata plantada pelas
suas próprias mãos, bem como dos que não conhecem os encantos que
há na criação de um guacho, que nunca souberam como é bom colher
flores no jardim onde se tenha acompanhado o desenvolvimento da
planta, desde o primeiro broto saído da terra negra até alcançar
os rios do sol, até o abrir das pétalas em flor.
Quarta-feira,
3 de janeiro de 1917
Colhemos
muitos pêssegos chineses, várias espécies de ameixas esplêndidas,
peras d’água deliciosas e ginjas grandes e escuras.
A
Mamãe deu-me um chapéu de palha. Enfeitei-o com um pedaço de tule,
em volta da copa, e uma grande rosa encarnada do lado.
Pela
primeira vez fiz um penteado de senhora, mas desmanchei-o logo. Pena
que vou ter de mudar de cara em breve.
Despimos
a árvore de Natal.
Esperamos,
tomando mate, a hora de dizer adeus ao Papai. Ele foi pelo noturno
para Ibirapuitã, dizendo que volta daqui a uma semana.
Quinta-feira,
4 de janeiro
Dia
de rara beleza!
Passei
quase toda a manhã às voltas com os meus queijos. Estão com muito
boa aparência.
A
Maninha descobriu um lagarto saindo dos galinheiros. Raimundo e eu
tentamos pegá-lo, mas foi em vão. Nunca vi bicho mais ligeiro!
Estive
lendo receitas de queijos, resolvi fazer um Brie,
em breve.
Domingo,
7 de janeiro
Nunca
vi domingo mais lindo!
Foi
pena que num dia tão perfeito houvesse acontecimentos desagradáveis.
A potranca anglo-russa, Iolanda, apareceu com enorme rombo no lado
esquerdo, pouco acima do garrão. Não foi possível descobrir a
maneira pela qual o animal se feriu. A ferida parece ter sido
produzida por um balaço ou por um guampaço.
Estou
lendo o Days Work, de
Kipling.
A
notícia mais sensacional da Estação, hoje, foi a venda de uma
tropa de terneiros e terneiras do Leleu, por 6 mil réis.
Quando
eu estava recolhendo ovos vi um furão no monte de vigas, sentado
como um gato. Nunca pensei que fosse tão bonito. Chamei-o com a mão
e com os olhos e ele chegou a dois metros de distância de
onde eu estava, sempre me olhando com uns olhinhos negros, sem medo
nenhum. Ficou de pé, espichou o pescoço, olhou para os lados,
lambendo os beiços. Depois abaixou-se e saiu correndo. Passou com
muita agilidade pela tela da cerca e entrou num dos parques das
galinhas. A cara, a testa, as mãos, pernas e a barriga não podiam
ser mais pretas. Parece que ele andou nadando em azeviche. A parte de
cima é cinzenta, um tordilho muito bonito. Fiquei encantada com o
furão. Espero revê-lo brevemente.
Segunda-feira,
8 de janeiro
Muito
vento, céu azul.
Li
uma receita de Gruyère e
estou tentando o resultado.
Depois
fui aos galinheiros, ver se tinham água.
Encontrei-me
com o Antônio (Chimango, por sobrenome), que estava às voltas com o
Rafael (louco de fome). Fui buscar carne e dei-lhe de comer, perto de
mim, para ir se amansando. É curioso como esse pássaro não sai de
perto de casa.
A
Bá escreveu-me e diz que é impossível vender os Petit
Suisses, em Bagé. Começa por
não haver gelo nas casas de negócio e acaba por não ter freguesia.
Divisei
da torre três vultos no açude pequeno, que me pareceram
patos-arminho. Para me certificar fui lá, e vi que eram quatro,
lindos. Depois do chá toda a família foi vê-los e, naturalmente, a
criançada espantou-os. Foram-se embora, voando, e pousaram no açude
grande.
Fui
lá, desta vez só, ao pôr-do-sol.
O
que mais me encanta nessa hora é a profusão de cores e tons, alguns
vivos, outros suaves.
Então
vi a chegada de pássaros em bandos, ou um a um, para passar a noite
no açude grande.
Além
dos quatro patos-arminho foram chegando um casal de tahãs, dois
joões-grandes, uma garça e carões, marrecas, galinholas,
maçaricos.
O
ente que menos apreciasse cenas do campo teria se extasiado ali hoje.
Domingo,
7 de fevereiro de 1926
“Creio
que o campo que deus fez é mais lindo e melhor que a cidade feita
pelo homem”.
(Palavras
de E. Oswwod Groover, aos meninos do Corn Club, de omaha, USA).
Fonte:
Assis Brasil, Cecília. Diário de Cecília Assis Brasil, org. por
Carlos Reverbel. Porto Alegre, L&PM, 1983, p.
12/24/2532/33/34/99.
Capa:
L&PM Editores sobre foto do Castelo de Pedras Altas, Rio Grande
do Sul.