Os
que tiveram o privilégio de conviver com Luís Palmeiro ficaram
sabendo que a palestra informal, em roda de amigos, pode exercer o
fascínio de verdadeira obra de arte.
O
saudoso advogado, que tanto se distinguiu no ministério público e
no magistério superior, era capaz de discorrer com raro brilho sobre
qualquer assunto, mas a sua palavra, matizada de ironia e ternura,
tornava-se ainda mais colorida e pitoresca quando reproduzia
histórias de Itaqui, sua terra natal.
Se
essas histórias tivessem sido gravadas e passadas para o papel,
nenhum município rio-grandense teria o relevo de Itaqui, em termos
de transposição estilizada do folclore local.
Luís
Palmeiro criava as suas obras de arte a partir de episódios que
realmente aconteceram e terminaram se incorporando às tradições do
lugar, como o famoso bombardeio de Alvear por Przewodowski.
Foi
no tempo da Flotilha do Alto Uruguai, criada depois da Guerra do
Paraguai e cujo comando, sediado em Itaqui, dispunha de diversos
navios de esquadra, com 12 canhões de bordo e um efetivo de
numerosas praças e 72 oficiais, entre eles Saldanha da Gama,
Alexandrino de Alencar e o próprio Przewodowski.
Em
1874, estando no comando da Flotilha do Alto Uruguai, o
capitão-tenente Estanislau Przewodowski mandou bombardear a
localidade argentina de Alvear, situada do outro lado do rio. Os
tiros de canhão, desfechados por dois monitores – o “Rio Grande”
e o “Alagoas” – eram repetidos de hora em hora, com a alça de
mira em elevação, de modo a não causar vítimas nem fazer danos à
população fronteira, visando apenas, intimidar as suas autoridades.
Mas
nem por isto deixaram de configurar grave atentado à soberania do
país vizinho, criando inquietante problema diplomático entre Brasil
e Argentina. Embora absolvido no Conselho de Guerra a que respondeu,
por ter mandado bombardear uma localidade estrangeira, por conta
própria, Przewodowski desgostou-se e resolveu pedir reforma da
Marinha Nacional. Ganhou, entretanto, grande popularidade,
tornando-se famoso e sendo festejado pelas ruas como herói, não
apenas em Itaqui, mas até no Rio de Janeiro, onde fora julgado.
O
incidente foi causado pela agressão sofrida pelo oficial médico da
Flotilha do Alto Uruguai, quando se encontrava em Alvear. Como criara
fama de excelente profissional, esse médico, de nome Panfilio Freire
de Carvalho, era muito procurado, sendo chamado para atender clientes
inclusive naquela localidade Argentina.
A
fim de afastar o concorrente, médicos argentinos tramaram o
atentado, encarregando dois sicários italianos, acobertados pelas
autoridades de Alvear, de executarem o “serviço”. Przewodowski
exigiu que os criminosos lhe fossem entregues. Não sendo atendido
dentro do prazo que estabelecera, mandou abrir fogo contra a cidade
estrangeira.
O
capitão-tenente Estanislau Przewodowski, quando chegou a Itaqui,
para comandar a Flotilha do Alto Uruguai, tinha apenas 31 anos, mas
trazia uma folha de serviços de excepcional relevância, sobretudo
pela sua destacada atuação na Guerra do Paraguai, tendo recebido
todas as condecorações conferidas durante a campanha, em número de
sete ordens honoríficas. Integrado na esquadra de Tamandaré, foi
citado por atos de bravura em Humaitá e Curuzu, tendo atuado no
comando de uma canhoneira. Entretanto, ficou famoso, sendo lembrado
até hoje, não pelos seus invulgares feitos navais, mas pela sua
atividade intempestiva, mandando bombardear o então povoado de
Alvear.
O
capitão-tenente Estanislau Przewodowski era natural da Bahia, sendo
filho do polonês André Przewodowski e da brasileira Romalina
Augusta Dantas. O seu pai vivia exilado em Londres (por causa da
anexação da Polônia pela Rússia), quando foi contratado pelo
governo brasileiro, tendo realizado, entre outras obras, o traçado
da primeira ferrovia baiana e o projeto do porto de Salvador.
Depois
de deixar a Marinha de Guerra, Przewodowski formou-se em engenharia
no Rio de Janeiro, passando a exercer a profissão na Bahia, como
diretor de obras de colonização de terras e de uma companhia de
navegação fluvial. Nessa função, encarregou-se do transporte de
tropas do Exército na campanha de Canudos. E quando esteve no Rio
Grande, sediado em Itaqui, houve a rebelião do Ferrabrás, tendo a
morte do coronel Gesuino Sampaio, pelos “muckers”, coincidindo
com o bombardeio de Alvear. Também publicou um trabalho sobre a
barra de Rio Grande.
Antes
de terminar o curso de engenharia, Przewodowski esteve em Jaguarão,
para casar com dona Felicidade Perpétua Pereira de Melo, filha de um
oficial do Exército. Conheceu-a e ficaram noivos quando ele e o
futuro sogro serviam em Itaqui. Aliás, tanto ele como diversos
outros oficiais da Flotilha do Alto Uruguai marcaram época na
sociedade de Itaqui. E Przewodowski ainda se distinguiu por ser muito
afeiçoado ao teatro, levando seu interesse por essa arte ao ponto de
ter projetado e iniciado um teatro em Itaqui, concluído quando ele
não mais ali se encontrava, mas que recebeu seu nome ao ser
inaugurado. A sociedade local não esquecera o baiano, de origem
polonesa, que fizera a maior “gauchada” de que se tem notícia em
Itaqui. E o Teatro Przewodowski se encarregou de manter viva a sua
memória, naquela cidade e no Rio Grande do Sul.
(Novembro,
1978)
Fonte:
Reverbel, Carlos. Saudações Aftosas. Porto Alegre: Martins
Livreiro, 1980, p. 11/13