sábado, 27 de maio de 2017

Lajeado Pessegueiro

"Capincho"




SEARA: UM FESTIVAL INOVADOR (Edson Otto)



Ao aproximar-se a realização de mais uma edição da SEARA, naturalmente me vêm à lembrança os fatos que fizeram com que o festival de Carazinho surgisse e quase de imediato se transformasse num dos melhores e maiores acontecimentos anuais da música regionalista gaúcha.

O primeiro a me falar sobre a possibilidade da realização de um festival em minha terra natal foi o Luiz Araújo, cunhado do Rillo, que deixara “Os Angueras” e São Borja para alçar-se mais em sua carreira no Rádio, acolhendo proposta da Rádio Carazinho, onde continua até hoje. Cabreiro e cheio de voltas ele chegou, em certo dia cuja data nem me lembro, na antiga sede do IGTF, na Rua Sarmento Leite e assim como quem não quer nada foi desatando a ideia, que julguei inviável, em princípio.

Não demorou muito e foi a vez do Aylton Magalhães, então gerenciando a Rádio Carazinho, quem me procurou, de forma bem mais precisa e insistente. E como todas as objeções que eu ia colocando eram refutadas com veemência, senti que da sondagem inicial feita pelo Araujo, à segunda abordagem que me fazia sobre o assunto o Aylton, ganhara corpo e consistência a ideia da realização do festival em Carazinho e que ele sairia com ou sem a minha ajuda. E resolvi, de forma matreira, condicionar meu apoio e o do Instituto mediante algumas condições que em seguida coloquei, de forma até certo ponto impositiva. E como o Aylton concordasse com elas, fortaleceu-se a iniciativa. Logo depois surgiu a         SEARA, que de pronto posicionou-se como um festival interessado, realmente, em valorizar e, mais do que isso, reconhecer o valor dos autores, compositores e intérpretes musicais, transformando, em Carazinho, os verdadeiros “fazedores dos festivais” como personagens mais importantes do evento.

Já naquela época – seis anos passados – dificilmente havia alguém, no Estado, que tivesse acumulado tantos conhecimentos e experiências quanto eu havia amealhado desde o período que antecedeu ao próprio surgimento da Califórnia da Canção Nativa, em cujos lances iniciais tive alguma participação, como Secretário que era da Estância da poesia Crioula.

Esses conhecimentos e experiências, aliados àqules que possuía a equipe do IGTF foram todos voltados para a SEARA, o primeiro dos festivais a aceitar uma participação mais estreita do órgão estatal na elaboração de normas que se voltassem para a realização de um festival que mostrasse à evidência o desenvolvimento da música regional rio-grandense, e permitisse a presença de suas tendências mais evolutivas, sem, contudo, desfigurar suas origens, sem fugir de suas raízes.

Os esforços dos meus conterrâneos foram largamente compensatórios, pois ninguém, no Estado, desconhece que a SEARA é primorosa na organização, séria e absolutamente honesta na sua realização e que assumiu uma nova forma de comportamento com aqueles que são, realmente, os mais importantes em qualquer evento musical: os criadores e difusores da música rio-grandense.

O exemplar tratamento dispensado aos autores, compositores e intérpretes instrumentais e vocais desde sua primeira edição e o convívio salutar, indiscriminado, entre organizadores, comissões julgadoras e participantes do festival, fizeram com que a SEARA assumisse imediatamente um lugar de destaque no cenário festivaleiro gaúcho e tivesse, em seguida, seguidores, gerando, em consequência, melhoras sensíveis em diversos outros eventos similares.

Verdadeiro laboratório de ideias, a SEARA inovou consideravelmente em diversos aspectos regulamentares e na forma executiva dos festivais, sendo que das inúmeras experiências colocadas em prática, todas aquelas que resultaram positivas foram repassadas, através do IGTF, aos demais festivais gaúchos.

Preocupada em defender a classe musical, a SEARA, a partir de 1984 criou, paralelamente ao evento, um encontro cultural que se denominou “Chamamento Cultural da SEARA”, no qual os principais problemas da classe passaram a ser discutidos. E o próprio ACORDE BRASILEIRO – SEMINÁRIO NACIONAL EM DEFESA DA MÚSICA REGIONAL BRASILEIRA a realizar-se de 11 a 14 de dezembro próximo em Tramandaí, promovido pelo IGTF e pela municipalidade daquela comuna é, em grande parte, resultante dos debates acontecidos em Carazinho.

A SEARA cresceu com a ajuda de muitos e aqueles que a fizeram devem lutar para mantê-la no pedestal onde se encontra, impedindo que o “Chamamento Cultural” desapareça e que ao seu palco compareçam, nos espetáculos programados, apenas aqueles que efetivamente têm dado uma profícua colaboração e conteúdo à nossa música, coisas que, infelizmente, por falta de maiores cuidados do grupo dirigente, em Carazinho, não acontecerão este ano, mas que serão, certamente, resgatados na próxima edição.
Fonte: Revista Tarca – Cultura Gaúcha – ANO III – Nº 16 (Ago/Set/Out/1986) – p. 34

Edson Otto & Ailtom Magalhães


Gilberto Carvalho

O Edson – “alemão” Otto como o chamam os amigos, é natural de Carazinho. Discípulo dos mais brilhantes do grande Guilherme Schultz Fº, tem também um pouco de sangue italiano: sua mãe é Gobbi. Desta mescla resultou esta figura apaixonada pelas nossas coisas, cantor, bailarino do nosso folclore (quando residia em Carazinho e participava dos CTGs locais), jornalista, advogado e o que é mais importante – amigo dos seus amigos e uma forma franca e devotada como poucos.

Nas Califórnias (acompanha desde a 1ª) deu ao Telmo de Lima Freitas, como solista, um segundo lugar com “Prece ao Minuano” e o 1º com o “Esquilador”, sem jamais ter se ausentado delas nestes 16 anos.

Em Porto Alegre, dirige o IGTF – Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, donde tem peleado como pode pela cultura do Rio Grande. Agora mesmo está às voltas com o ACORDE – encontro para discutir a valorização desta, que acontecerá em dezembro na cidade de Tramandaí. É um dos idealizadores da “Seara de Carazinho” – que revolucionou um bocado o panorama dos Festivais do RS.

O Ailtom – junto do “Alemão” iniciou o movimento da Seara. É em Carazinho um peleador que pega em qualquer ponta para projetar sua Comunidade.

Profissionalmente é radialista e publicitário. Por longa data esteve à testa da Rádio Carazinho, desligando-se há pouco tempo para atender sua Agência de Propaganda. Paralelamente atende seus restaurantes (tem 2) e passa o ano todo preocupado com a “Seara” que dirige com a categoria que temos notado, congregando muita gente boa de trabalho que não refuga hora nem serviço pesado. É dos presidentes de Festivais que mais tem se voltado ao atendimento cada vez melhor e justo ao músico em geral, tendo criado inclusive os espetáculos paralelos para melhoria dos ganhos dos que se fazem presentes ano a ano em Carazinho.

Fonte: Revista Tarca – Cultura Gaúcha – ANO III – Nº 16 (Ago/Set/Out/1986) – p. 36

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Estrada Fora (Zeca Blau)


A mão trigueira deste índio
que por vezes te castiga,
é a mesma que ora te amima,
moldando firme estas pilchas
nos corredores da rima.

Sei que maldizem, meu flete,
domado por estes pulsos,
o teu mau trote, porém,
num arco de pata e rédea
não se olha o trote que tem!

Tilinta no estribo a espora,
meu tostado atira o freio,
atira o freio e relincha,
porque, como eu, vai pensando
no abrigo daquela quincha...

Sobre a tábua do pescoço
passo o rebenque leviano
que é de cacho de coqueiro,
sonhando com uma guerrilha
que terminou em entrevero.

Distraído, puo o naco
que arranca e por certo estranha
o gesto do seu senhor,
porque ele tem mais que a gente
consciência do seu valor.

Sargento é o nome que tem.
Na verdade o posto é baixo,
se eu fosse, amigo, afinal,
graduar no posto a bondade
meu flete era marechal!

Não te graduo no posto
mas te promovem na fama!
que entre os bons teu nome prima!
E eu dia a dia te dou
mais altos galões de estima.
(Zeca Blau, Poncho e Pala, Sulina, 1966)

A um Reúno (Zeca Blau)


          Quadro crioulo
Zeca Blau
Corredor, Carovi. No canhadão sombrio
a lagoa. Aguapé à flor da água parada;
e à beira, magro e só, todo em sestros de frio,
eis-te à sombra alongando a aspereza da ossada.

Lembrarás, sem querência, o esplendor que fugiu!
quando, outrora, bagual, repontando a manada
despertavas, marcial, em rebeliões, bravio,
sob o evoé de um relincho os rincões da invernada.

Mais tarde, em redomão, três ginetes de fama
não puderam contigo! e os venceste pachola,
pondo-os... mais de uma vez humilhados na grama.

Pobre tordilho velho! E hoje, na estrada, a esmo,
velho herói sem legenda infamado na esmola,
duvidando talvez que ainda sejas tu mesmo!
(Zeca Blau, Poncho e Pala, Sulina, 1966)

Conselhos ao meu filho (Zeca Blau)


Cubra-te a benção de Deus!
estes conselhos, guri,
são mais do povo que meus,
foi com o povo, que aprendi.

Há muito tempo que eu sondo:
Laranjeira carregada,
assim na beira da estrada,
é azeda ou tem marimbondo!

O homem, - não esquecerás –
tenho aqui neste resumo:
é como rolo de fumo,
tem voltas boas e más.

É bom não ter expansões
que vão esporear as de outros!
E antes de domar teus potros,
quebra o queixo das paixões!

Nunca apartes sem sinuelo,
- É o que a experiência me ensina. –
Não opines de atropelo,
nem julgues de relancina.

A estrada por que tu passas,
segue sem alterações,
pois que, - sete profissões:
quarenta e nove desgraças.

Quem trabalha, mostra calo.
Amigo? é artigo vasqueiro!
Tendo, preza-o em primeiro
e em segundo o teu cavalo.

É útil criar um cão,
para que se julgue o amigo.
Que um é o perigo fiel,
o outro é fiel no perigo...

Procura ter a alma sã.
Teus feitos? Que outros contem.
E, sempre guri, o teu ontem
seja espelho do amanhã!

Se envelheceres solteiro
e pensares num retôvo,
lembra o ditado brejeiro:
- Peito velho – emplasto novo...

Salvar-te, meu filho, do erro,
e dos volcaos das muchachas,
mais pode o livro de FIERRO
nos conselhos de VIZCACHA.

Guarda segredos, meu filho,
Como o guardião BORORÉ.
- Laranjeira pra ser doce,
tem que ter sombra no pé...

Fala franco, pensa muito,
tendo em vista o mandamento:
- Perdulário de palavras,
Pedinte de pensamento!

O velho, já sem aprumo,
da lonca da sua existência,
tira os tentos da experiência
para a trança do teu rumo.
(Zeca Blau, Poncho e Pala, Sulina, 1966)

Estradeando (Zeca Blau)


No trote solto de viajeiro, o douradilho,
Entre perfis patriarcais de Estância,
Desenrodilha horizontes
Pra tecer a trama fina, cor de cinza, das distâncias...

Com o fio abstrato das léguas estiradas,
Na almofada verde-lindo das coxilhas,
As patas torneaditas e aparadas
Esmagando a pluma frágil das flechilhas
Brincam musicalmente como bilros.

Os vagalumes que se cruzam extraviados
Iluminando as lombas,
São como inquietos alfinetes de ouro
Marcando os arabescos na almofada...

E os cascos do flete no chão duro
Têm um rumor de bordão.
E eu vou cantando rimas crioulas da querência
Como se me acompanhasse um violão.
(Zeca Blau, Poncho e Pala, Sulina, 1966)

Em Louvor Ao Meu Zaino (Zeca Blau)


(Zeca Blau, painéis crioulos, Poncho e Pala, Edição Sulina, 1966)

És um bárbaro poema, onde a prata da rima
fulge. E à tua altivez, glória! E à tua bravura!
que arde e floresce mais se, firme e esbelto, em cima,
convido-te a romper na carreira a planura.

Rude e crioulo sangue as tuas veias anima!
Quando no freio eu te alço à agachada segura,
dás-me – e galgas assim o alto apogeu da estima –
nos trabalhos de campo, arroubos de loucura.

Contigo a seleção foi pródiga e foi sábia:
Pôs-te no olhar afeito ao prélio dos rodeios,
moça, a flor dos clarões de ardentias da Arábia.

És sem rival na rédea e perfeito na estampa!
e em ti se concentrou em tumultos e anseios,
virgem na rebeldia, a alma antiga do pampa.

Umbu Solito - Poema (Zeca Blau)


No lombo manso da coxilha,
ao sol de outubro fulvo e quente,
lembra o perfil de um valente
guerrilheiro farroupilha.

É o último sobrevivente
sobre o campo da guerrilha!

Porém, se o vento minuano
Arrufa as ramas parelhas,
elas parecem gadelhas
de um menestrel campechano.

... Hay nos galhos araganos
como um ringir de cravelhas.

Aos gritos de ôpa... e oi... oi...
vi flanquar-lhe hoje uma tropa
que envultou nele e se foi,
vendo lá atrás a escura copa,

Penso num peão de tropa,
que ficou campeando boi.

Nos poentes rubros, mui concho,
mescla-le um sangue espanhol,
e, barulhento, a tiracol
atira a volta do poncho.

Bate-le um resto de sol
pra ser baeta de poncho.

Na tarde quieta, à distância,
dominando o latifúndio,
soberbo, sem petulância,
num tranquito vagabundo,

parece o dono da Estância
que vem do Posto-do-Fundo.

Nas noites mornas de outono,
pra um rumo que compromete,
é um gauchito sem dono
ao tranco largo do flete,

Tosado com luxo e entono,
de firulete e topete.

Se o vento sopra mansinho
e inclina um galho pra o chão,
é um domador que anda sozinho
repassando o redomão

É esse o gesto gauchão
de dá um tapa no focinho.

Mas, se o leste, bravo, o arranca
da quietude em que horas passa,
parece que sai pela anca
e enrola o poncho no braço.

Peleador velho de raça,
num duelo de arma branca...! 
(Zeca Blau, Poncho e Pala, Sulina, 1966)

Versos dum Cruzador (Zeca Blau)



  
Ao vento, a ramagem frouxa
do cinamomo da frente
acena, alegre, pra gente
como às ordens da morocha.

que, de saia alva e anilada
clareia, longe, na porta,
como garça ensimesmada
à orilha duma água morta.

Só, no mais, do meu tostado
boleio a rédea e, despácio,
chego mais teso e entonado
do que governo em palácio.

Começa a recriminar:
- Por que foi tanta a demora? –
e eu sem escusas pra dar,
giro a roseta da espora...
..................................................
Desmanchando o olhar zangado
seu lábio pra o meu se estende,
e o beijo dela rescende
manjericão machucado...
(Zeca Blau, Poncho e Pala, Sulina, 1966)

Serão Galponeiro - Poema (Zeca Blau)



Onde foi casa é tapera.
As trovas são as guanxumas
Que crescem uma por uma
Cá dentro desta tapera.

Noite de chuva. Solito,
lembro esquecidas pinguanchas...
Cordeonas... Trovas... Guitarras
nas cabeceiras das canchas.

E vêm chinocas passando
às pontas, barbaridade!
do brete do esquecimento
pra tarca desta saudade.

Pego a cordeona e floreio
uma toadita qualquer;
e em voz baixa canto uns versos
sobre o cavalo e a mulher.

Os dedos em contradança
pelo correr do teclado,
têm mais requebros e momos
do que negro namorado.

Meus dedos estão fogosos
e o verso pronto também.
Como changueiro adestrado,
de qualquer modo sai bem.

A trova do missioneiro
por gosto no mais cantando,
é faca marca coqueiro:
sai da bainha cortando.

Na gaita é que esqueço as dores
que, em pouco tempo, um pachola
alquebram, deixando o rosto
que nem retôvo de bola...

E lembro o que, com direito,
goza todo bom gaúcho,
onde ele encerra a alegria,
orgulho, prazer e luxo:

Conhecer , não sendo lerdo,
nem manco para um churrasco,
no escuro a vaca mais gorda
pelo barulho dos cascos.

Tomar o primeiro mate,
porém, sem nunca cevá-lo;
cortar o melhor pedaço;
montar o melhor cavalo.

Com boas pilchas campeiras,
e, assim, na flor da tropilha,
com aprumo empurrar o laço
sem misérias de rodilhas;

Num toso ser bacharel,
num quatro galhos: doutor,
governo destas chinocas
pelas províncias do amor.

Paro, que o tempo as esporas
no relógio chega e esbarra
bem em frente à meia-noite,
- égua madrinha das horas.
(Zeca Blau – Poncho e Pala, Ed. Sulina 1966)

Dia de Chuva - Poema (Zeca Blau)



Dia de chuva no campo.
De vez em quando um relampo
racha o céu de cima a baixo.

Lindo o dia. Dá cobiça
Pra um solteirito ir ao facho.
Puxo o baio com preguiça
com carinho escovo e rasco.

Olho o tempo. Enseio o pingo.
Miro uma coisa no casco.
Faz de conta que é domingo,
sou solteiro, quebro o cacho.

Chuvita, horas vadias,
quero ouvir tranquilo e ancho,
junto da flor mais sestrosa
tuas habaneiras macias,
sobre a coberta dum rancho.

Isso fechando um crioulito,
que deixa a mão amarela,
mas feito, assim, despacito,
em palha branca e cheirosa
cortada pela mão dela.

E penso nela com pena,
que me esperando não sai.
Cevado por mão morena
tem outro sabor o amargo!
E eu sem demora me largo,
cantando um larailailai.

Mas a chuva mansa e fina
que era, agora em jorros rola,
como uns cabelos de china,
que a gente às vez desenrola...

Já tenho preguiça de ir.
E antes, quantos rios a nado!
Fico assim meio embretado
entre ficar e seguir.

- Então? Pagou vale à chuva? –
(alguém sorrindo me zomba),
deixo a pergunta zunir,
e pélo o baio, anca de viúva,
e largo peito de pomba.

Não, patrício, sou vivente
quando quero perco o tino
não tenho medo de enchente,
sou laço de boi brasino,
sou tropa de marca quente!

Já vai pendendo pra tarde
poucas braças tem o sol,
que não se vê, mas calculo,
porque a chuva o céu encarde,
Trazem milho do paiol
pra os fletes deste gandulo.

E hoje, com mais ganância,
quebram maiz de sustância,
encolhiditos de frio;
soltam fumaça do lombo.
E este, no mais, o tombo
hoje com a chuva e com o frio.

No galpão há movimento,
cada um tem seu labor:
Um aquenta uma chaleira;
aquele, desquina um tento;
outro trança uma soiteira
e eu corto esse maneador...
Fonte: Poncho e Pala, Ed. Sulina, 1966.

Gaiteiros e Guitarreiros [Desenhos à mão livre]

Gaiteiro do "Bochincho" (Jayme Caetano Braun)


Viejo Guitarreiro


Gaiteiro Missioneiro


Guitarreiro Pampeano

Acordeonista de Fronteira


* "Antes que vá fora, que se perca!" (ditado missioneiro)

domingo, 21 de maio de 2017

Pequenas Ambições (Crônica) - Sergio Faraco - Segundo Caderno ZH - 2008

SERGIO FARACO


Pequenas ambições

T
enho muitas despesas, que devoram a receita, e outras tantas ambições, todas elas razoáveis, mas ai de mim, caríssimas.

Diariamente, vou de Ipanema à Tristeza. Para poupar combustível, engato a quinta marcha e não troco. Na lomba da Vila Conceição, minha caranguejola tosse, engasga-se, treme, quase pára e logo começo a ouvir os insultos de quem me ultrapassa, aqueles extremosos filhos que vão tirar o pai da forca. É o modo que encontrei de só gastar vinte mil-réis por semana. Em casa, igualmente em nome da economia, corto eu mesmo a grama, limpo os canteiros, planto o que precisa ser plantado, varro o pátio, pinto o que precisa ser pintado, conserto o que se desconserta, desentupo as graxeiras, recolho o cocô do cachorro e por aí vai.

Por que me queixo?

Porque cansei. O cansaço é tanto que, à noite, quando finalmente me sento à mesa para escrever, encosto a cabeça nela e durmo. Chega de economia! Chega de pagar com moedas e depositar o troco no porquinho! Minha ambição é contratar uma empresa que faça tudo o que eu faço, inclusive a literatura. Terceirizar o serviço. Eles a trabalhar e eu só pagando, não com as merrecas do porco, mas sacando na boca do caixa.

Essa ambição não é guaxa, tem família.

Ao cruzar pelas revendas de automóveis, admiro os carrões atrás do vidro e me pergunto quando, afinal, terei o meu, como qualquer burguês. E no jornal, se leio a coluna social e vejo aquela nobreza toda em Punta del Este, também me pergunto quando conhecerei aquele paraíso oriental, eu, que só conheço o Lami.

Mais: quero uma sauna no puxado atrás da casa e uma sala de ginástica que me deprima o barrigão, quero um cabeleireiro de renome para fazer mechas e uma cirurgia para abreviar o nariz, pois quanto mais passa o tempo, mais eu vejo pelo canto do olho seu estrambótico perfil.

Quero um nariz grego!

E quero também uma Mercedes!

E quero sapatos Weston, de Paris!

E quero charutos H. Upmann!

E quero um terno Armani!

E quero uma capanga Louis Vitton!

E quero cuecas Hugo Boss!  

E quero um monte de coisas mais.

Em síntese: quero o meu cartão corporativo do governo federal ou o de débito do governo paulista. Ou, por outra: já que é moleza, também quero ser ladrão.

Fonte: Segundo Caderno ZH (2008)


sábado, 20 de maio de 2017

Política Cultural - Ideias e Propostas de um Poeta e Pensador (Luiz Coronel)

Atualidades

Política Cultural
Ideias e propostas de um poeta e pensador

Luiz Coronel


 1. A arte é uma expressão necessária e permanente do ser humano. Através dela o homem organiza sua emoção. Constrói seu testemunho. Deixa seu legado. Pergunta e responde o sentido da vida. Dimensiona maior a si mesmo e ao mundo que o rodeia. Onde existir uma comunidade de homens, mesmo a mais primitiva, aí se manifesta o “fazer artístico”.

 2. O maior inimigo da arte é o conceito de prioridades que pauta a ação de governantes e homens do poder. Para estes senhores a arte seria um deleite secundário, uma decoração, acabamento superficial, dengue, suspiro, divertimento secundário. Esquecem estes vetustos senhores que o mundo criado por suas equações, suas engrenagens, suas duplicatas e paredes, sucumbe e só a arte sobrevive.

 3. Quem era o prefeito de Londres ao tempo de Shakespeare? Os artistas permanecem na memória e no legado dos homens. Os pequenos governantes morrem com suas inquietações cotidianas.

 4. No Rio Grande do Sul, em particular e no Brasil em geral, a arte é um gesto heroico e desamparado. Os poderes públicos não têm conhecido a sua função de repassar recursos para promover, viabilizar, estimular a vida artística. Ou seja: se faz arte apesar do desestímulo do sistema.

 5. É urgente e necessário que músicos, bailarinos, homens e mulheres de teatro e cinema, artistas plásticos, escolas de samba, esporte amador, se reúnam e tragam ao novo governo que nascerá do ventre das urnas, em 15 de novembro, subsídios para uma nova política cultural.

 6. É fácil criar um formidável movimento cultural no Rio Grande, pois temos talentosos artistas em todos os setores. Basta que se organize a funcionalidade da Lei Sarney, que tem difícil operacionalidade. Basta que se obrigue que cada uma das estatais gaúchas, e empresas das quais o governo é parte forte, destinem de sua verba de propaganda, 5% para promoção cultural. Banco Meridional, Caixa Econômica Federal, Banco do Rio Grande do Sul, Secretarias e autarquias, seria um belo bolo a propiciar o crescimento cultural gaúcho.

 7. Aliando-se esse fundo ao apoio das empresas privadas, com manejo inteligente da Lei Sarney, teríamos fundos para fundamentar um verdadeiro renascimento cultural no Rio Grande do Sul.

 8. O Novo Governo precisa de uma Secretaria de Cultura para valer. Turismo, esporte e cultura valorizados e não mais subestimados. Chega de ver artistas, diretores, músicos, professores de dança, de pires na mão, à porta das agências solicitando apoio para cenários, impressão de ingressos, aluguel de iluminação, sonorização. Chega. Isso é triste. Desalentador. Isso não precisa mais. Chega.

 9. Elogio em boca própria é vitupério, diziam os gregos. Mas posso dizer que minha agência de propaganda tem um exemplar comportamento no que se refere a apoio cultural. Clientes como Zaffari, Olvebra, tem significativa presença no que se refere a apoio às iniciativas culturais. Se todas as agências tivessem o mesmo posicionamento, as artes estariam melhor aquinhoadas. Mas para as agências, na maior parte dos casos, destinar verbas a promoção cultural é perder ganhos de comissão em veiculação nos Jornais, rádio, TV, revistas. E assim, a arte dança.

10. Não acredito em visão ampla de desenvolvimento econômico que não envolva simultaneamente a valorização da vida cultural. Não existe um dilema, optar pelo bife ou optar pela melodia, são realidades, necessidades primordiais, tanto uma como a outra. Poderão dizer: ninguém morre por falta de arte, mas sim por falta de arroz, carne, mogango. Mas posso acrescentar, sem arte se vive, mas uma vida pobre, miseravelmente cotidiana. A arte é a alma de um povo, um povo é a sua arte. Ele revela sua fisionomia pela arte que faz.

11. É preciso elaborar com urgência um grande grave documento das pretensões dos artistas ao novo governo. O que querem, o que pretendem, o que farão. E estimular a arte não é só trazer a sinfônica de Berlim, é dar apoio ao menino que tira seu conjunto de Rock da garagem e quer subir pela primeira vez ao palco. Não é trazer o prêmio Nobel de literatura, mas estimular talentos verdadeiros, que querem editar suas primeiras obras. Quem é célebre não precisa impulso, já voa sozinho.

12. Conheço no Rio Grande obras prontas escondidas. Lembro o trabalho afro-gaúcho do Giba-Giba. Uma pesquisa profunda, uma criação rica sobre a presença do negro em nossa cultura. Onde está o apoio para gravar um disco? Estão esperando que chegue a parca?

13. O Rio Grande precisa fazer um pacto de modernidade, disse um dia. O gauchismo como narcisismo arcádico, está superado. Valorizar a arte espontânea do povo, do homem do campo. Voltar-se para as raízes, palavra que vejo com restrições, mas que tem adeptos, creio importante. Mas tudo isso para voar, criar, elaborar. Repetir o já feito. Dizer o já dito. A revolução modernista aconteceu em 1922, mas para certos gaúchos ainda não chegou. Eles criam o conflito entre tradição e modernidade. É preciso ser tradição nos motivos, conteúdos, mas ser moderno nas formas, caso contrário, não acontece arte. Acontece repetição. Aplaudida mas mesmo assim, repetição.

Fonte: Revista Tarca – Cultura Gaúcha – ANO III – nº 16 (AGO/SET/OUT/86) – p. 5

Destaques de Dois Irmãos (MIlton Hatoum)

(...) as palavras parecem esperar a morte e o esquecimento ; permanecem soterradas, petrificadas, em estado latente, para depois, em isen...