As pessoas ouvem sem escutar.
Olham sem enxergar.
Quem chega por último tem uma vantagem que mais ninguém tem: a maior margem possível de progressão.
Às vezes, numa equipe, a vontade de fazer vale mais do que a experiência.
A amizade nasce da afinidade, mas amadurece na necessidade.
Meu pai disse num café da manhã, quando perguntamos por que ele tinha construído um barco tão grande para ir para a Antártica:
“Dá o mesmo trabalho sonhar grande e sonhar pequeno. Quando o projeto é grande demais, você sempre pode enxugar. Quando é pequeno demais, é ainda mais difícil encontrar ajuda”.
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Sinto que tô chegando meio no limite do barco
Já quebrei muita coisa, consertei muita coisa,
usei todas as velas e rizos no limite de cada um
Sinto que a Sardinha começou a ficar
um pouquinho pequena
A Sardinha não ficou pequena,
você que ficou maior :)
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E quando eu já tiver tentado de tudo, quando não puder fazer mais nada, vou esperar. Vou fazer o suficiente para manter o barco seguro, e a mim, viva. Vou guardar energia para quando meu esforço fizer diferença. Uma hora o contexto vai mudar. Como foi a calmaria no início, como foram as ondas de ontem.
Já que não tenho mesmo como sair daqui, melhor estar na companhia de bons pensamentos e deixar os ruins para trás, na esteira do barco.
Bem maiores que as chances de encontro são as chances de desencontro. De duas pessoas partirem e voltarem para casa em horas alternadas. De tomarem ruas reversas. De mergulharem em ondas paralelas. De os carrinhos de milho e guarda-sóis interceptarem o ponto de vista de um sobre o outro. De os ritmos defasados dos seus passos sobre a areia afastarem os corpos. De um sinal de chuva desencorajar o caminho que levaria à convergência. De uma peça indispensável da história não concluir a viagem. Por alguma razão que nossa razão não alcança, os encontros acontecem. Somos a prova disso.
É justamente quando temos menos sensação de risco que ficamos mais expostos ao perigo.
Essas relações de porto, esses laços flutuantes, esses nós fáceis de fazer e de desatar são como flores num vaso. Decoram a mesa da sala, mudam a paisagem sem transformar o lugar. Nos tocam sem nos tocar, preenchem a solidão, conversam com nosso silêncio. Como as flores num vaso, as relações de porto murcham.
Os combinados terrestres que regeram a vida desde sempre são apenas combinados terrestres. E eles ainda estarão lá no dia em que eu retornar.
“Liberdade é assumir a responsabilidade pelas nossas escolhas”, dizia Fepa, meu antigo professor de filosofia, tentando fazer Sartre entrar na nossa cabeça no 2º ano do ensino médio.
(…) a magia da travessia: (…) apontar para o desconhecido, apostar no imaginado, se abrir para o imprevisto e partir, levando a saudade do passado.
Saber que tem alguém pensando em nós de quando em quando torna o caminho menos árido.
(…) a única desistência possível é chegar ao fim.
A distância esclarece vínculos. A falta é geradora de novos caminhos. A solidão é amiga da saudade. E a dor também é mãe do crescimento.
No que pensarão os outros antes de pensar no que penso eu?
Quando a gente se dá conta que cresceu, o tempo passou e não volta mais.
Nossa casa é o único lugar que nunca partirá de nós.
O sentido de toda viagem está no ponto de partida.
É assim que tudo acaba: com um novo começo.
(…) os textos estão condenados a serem incompletos (…)
Capa
Elisa von Randow
Ilustrações
Tamara Klink
Fonte: Klink, Tamara. Nós: O Atlântico em solitário. 1ª ed. - São Paulo: Companhia das Letras, 2023, p. 14, 16, 27, 32, 66, 71, 79, 103, 111, 144, 157, 162, 172, 175, 185, 189, 190, 195, 196, 199