quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Nós (Tamara Klink)

 


As pessoas ouvem sem escutar.

Olham sem enxergar.


Quem chega por último tem uma vantagem que mais ninguém tem: a maior margem possível de progressão.


Às vezes, numa equipe, a vontade de fazer vale mais do que a experiência.


A amizade nasce da afinidade, mas amadurece na necessidade.


Meu pai disse num café da manhã, quando perguntamos por que ele tinha construído um barco tão grande para ir para a Antártica:

Dá o mesmo trabalho sonhar grande e sonhar pequeno. Quando o projeto é grande demais, você sempre pode enxugar. Quando é pequeno demais, é ainda mais difícil encontrar ajuda”.

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Sinto que tô chegando meio no limite do barco

Já quebrei muita coisa, consertei muita coisa,

usei todas as velas e rizos no limite de cada um

Sinto que a Sardinha começou a ficar

um pouquinho pequena


A Sardinha não ficou pequena,

você que ficou maior :)

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E quando eu já tiver tentado de tudo, quando não puder fazer mais nada, vou esperar. Vou fazer o suficiente para manter o barco seguro, e a mim, viva. Vou guardar energia para quando meu esforço fizer diferença. Uma hora o contexto vai mudar. Como foi a calmaria no início, como foram as ondas de ontem.

Já que não tenho mesmo como sair daqui, melhor estar na companhia de bons pensamentos e deixar os ruins para trás, na esteira do barco.


Bem maiores que as chances de encontro são as chances de desencontro. De duas pessoas partirem e voltarem para casa em horas alternadas. De tomarem ruas reversas. De mergulharem em ondas paralelas. De os carrinhos de milho e guarda-sóis interceptarem o ponto de vista de um sobre o outro. De os ritmos defasados dos seus passos sobre a areia afastarem os corpos. De um sinal de chuva desencorajar o caminho que levaria à convergência. De uma peça indispensável da história não concluir a viagem. Por alguma razão que nossa razão não alcança, os encontros acontecem. Somos a prova disso.


É justamente quando temos menos sensação de risco que ficamos mais expostos ao perigo.


Essas relações de porto, esses laços flutuantes, esses nós fáceis de fazer e de desatar são como flores num vaso. Decoram a mesa da sala, mudam a paisagem sem transformar o lugar. Nos tocam sem nos tocar, preenchem a solidão, conversam com nosso silêncio. Como as flores num vaso, as relações de porto murcham.


Os combinados terrestres que regeram a vida desde sempre são apenas combinados terrestres. E eles ainda estarão lá no dia em que eu retornar.


Liberdade é assumir a responsabilidade pelas nossas escolhas”, dizia Fepa, meu antigo professor de filosofia, tentando fazer Sartre entrar na nossa cabeça no 2º ano do ensino médio.


(…) a magia da travessia: (…) apontar para o desconhecido, apostar no imaginado, se abrir para o imprevisto e partir, levando a saudade do passado.


Saber que tem alguém pensando em nós de quando em quando torna o caminho menos árido.


(…) a única desistência possível é chegar ao fim.


A distância esclarece vínculos. A falta é geradora de novos caminhos. A solidão é amiga da saudade. E a dor também é mãe do crescimento.


No que pensarão os outros antes de pensar no que penso eu?


Quando a gente se dá conta que cresceu, o tempo passou e não volta mais.


Nossa casa é o único lugar que nunca partirá de nós.


O sentido de toda viagem está no ponto de partida.


É assim que tudo acaba: com um novo começo.


(…) os textos estão condenados a serem incompletos (…)


Capa

Elisa von Randow



Ilustrações

Tamara Klink

Fonte: Klink, Tamara. Nós: O Atlântico em solitário. 1ª ed. - São Paulo: Companhia das Letras, 2023, p. 14, 16, 27, 32, 66, 71, 79, 103, 111, 144, 157, 162, 172, 175, 185, 189, 190, 195, 196, 199

O mundo em poucas linhas (Tamara Klink)

 


É preciso dar à lembrança o corpo das palavras.

É preciso fazer um mundo caber em poucas linhas.

E é preciso entregar a precisão ao esquecimento.


(…) o texto só existe enquanto for sentido.


E sei que onda nenhuma fará o medo grande demais

e frio nenhum vai me impedir de prosseguir porque eu

ensaio cada passo inteira e costuro, atenta, todos

os pontos do meu caminho. As tempestades são

previstas na viagem, e a dor da saudade servirá de

treinamento. Desta vez, sou eu que estou longe de

casa, colecionando minhas próprias histórias pra contar

aos que ainda vão descobrir a força de sonhar o mar.


Quando tudo é tão convencional,

uma pequena mudança é logo uma

revolução.


(…) é preciso viajar pra viver

o prazer infinito de

estar de volta.


Ser livre

é ter pra onde voltar.


(…) distintivos só valem no contexto.

Sem contexto, importa o que a gente

mostra que sabe fazer, quem a gente

é (…)


Casa: lugar quente, macio e tenebroso de onde

quer-se partir criança, pra onde quer-se voltar

adulto em dia de chuva, sobretudo

casa é onde a gente é si mesmo

é onde tomam sol nossas entranhas é onde a

gente tem coragem de ter medo

e quando penso em voltar pra casa eu volto

querer voltear o mundo


(…) a gente pode dar a volta ao mundo e

não deixará de ser a gente


(…) a casa fala e denuncia o que as pessoas que moram nela

consideram importante, como se relacionam, como

querem ser vistas e como lidam com seus vazios.

O lugar também nos conta como a pessoa com quem

estamos se coloca ali: ela é uma avalanche, um iceberg

ou um floco de neve imperceptível?


A gente busca viver como antes, mas o antes já não tem lugar.


(…) quando a gente liga pra alguém, precisa falar

consigo.


Quando cidades se transformam, animais se escondem

ou se extinguem e pessoas que se veem todo dia

se conhecem cada vez menos; amizades breves,

distantes e feitas numa viagem com data para acabar

são a fonte mais próxima de reencontro das pessoas

consigo mesmas.


Quando acabam os problemas, a gente faz o quê?



Fonte: Klink, Tamara. Um mundo em poucas linhas. São Paulo: Peirópolis, 2021, 11, 13, 24, 47, 70, 72, 83, 85, 96, 123, 127, 133, 136, 159.

Mil Milhas - Tamara Klink

 

Levam-se anos para matar um sonho. Mas, para matar um plano, basta um segundo.


É preciso se sentir em casa para poder sair de casa, é preciso ter abrigo para desabrigar-se, expor-se. É preciso ter conforto para criar a coragem de deixá-lo. Sem porto, não tem partida, só a busca contínua por qualquer lugar. Sem segurança, sem escolha, não tem como haver liberdade. É só fuga, falta de opção, tentativa de chegar sem ter saído de nada.


Isolar nossos planos recém-nascidos dos medos alheios é importante para eles ganharem estrutura e dimensão. A gente busca as opiniões que quer ouvir.


Os perigos de uma viagem também estão em dias de sol e boas companhias. Mas é preciso ater-se aos planos para conquistar o prazer de concluir uma travessia.


Comemorar os pedaços torna o trajeto total menos assustador. Festejar as etapas vencidas dá coragem para enfrentar o porvir.


O medo contamina as dúvidas, se embrecha nos vazios, entre as certezas, veste os olhares e confunde o olfato que fareja perigo.


Escolher é assumir a responsabilidade que nos pertence. Escolhendo a gente se faz livre.


A depressão deixa a gente sem saída. Como se todo o esforço do mundo fosse insuficiente para conseguirmos o que queremos e merecemos. Como se não houvesse jeito. Como se não houvesse sonho possível, sucesso, coragem, amor. Ela faz a gente se anular, naufragar antes de subir a bordo.


As expectativas dos outros pertencem aos outros.


O pensamento nos leva a tantos lugares quanto aqueles em que a gente pensa.


Minha mãe disse:

- “A gente busca os conselhos que quer ouvir”.


Não há conforto maior do que o de estar sob o próprio teto.


Novos amores encobrem os passados, mas não curam machucados (…)


São os amores que nos movem, afinal.


O desejo. Inútil. Indevido. Perigoso. Violento. Discretamente perturba, silenciosamente transforma. Seduz. Agride. Contamina. O desejo multiplica as dores e os prazeres. Ele motiva renúncias, apostas, travessias. O desejo nos faz singular.


O fim sempre parece um pouco glorioso, o fim tem certa pressão.


O fim

É o gesto de despedida

É o cheiro que sobra do encontro

É a última chance

O fim, quando chega, puxa a cadeira para um começo.


A espera é um momento delicado. Afloram-se as angústias, os anseios, de maneira que chamam as abelhas para tomá-las e espalhar essas plantas venenosas pelos jardins.


O tempo do céu, como o tempo da terra, passa. E salva-se quem torna o tempo de espera no tempo esperado.


Seguir os passos de alguém é ignorar os novos contextos, é renunciar nossa capacidade explorativa, tentar caber onde não dá. É manter o olhar em alguém e perder-se de vista enquanto isso. É contar com a inércia dos tempos, é torcer contra a evolução, é não partir nem ficar.


Os obstáculos que nos paralisam e nos fazem chorar de pavor podem ser menores do que a gente pensa.


Quando a gente cuida de cada ponto e cada nó, a gente nunca está só. Vem conosco uma manada afoita e latente uivando para seguirmos sempre em frente.


As mesmas palavras me levam pra longe e me trazem de volta pra dentro da palavra casa.


O risco é o gerador da liberdade

o risco se faz

ao riscar.



Fonte: Klink, Tamara Wolff Bandeira. Mil Milhas. São Paulo: Peirópolis, 2021, p. 24/29/53/70/72/78/79/82/83/84/91/93/105/122/123

Destaques de Dois Irmãos (MIlton Hatoum)

(...) as palavras parecem esperar a morte e o esquecimento ; permanecem soterradas, petrificadas, em estado latente, para depois, em isen...