preso à minha classe, eu vejo as grades da prisão:
a reprovação do crédito, a reprovação da renda, os
bairros assinalados onde sobreviver, as roupas que
se gastam no corpo, e que prosseguem nele, gastas.
o espaço mínimo que me cabe de vida e trabalho, a
voz que não se projeta além dos confins prescritos
na certidão de nascimento, a educação consentida
que indique com clareza os limites de circulação, os
embates que herdei na ferocidade domada do sangue,
na consciência do destino, no cuidado da ração e no
domínio da força em exercício, estoico de incontáveis
perdas no silêncio mordido, no sorriso, véspera de não.
Fonte: Revista Piauí, ed. 171, dezembro 2020