Jornal do Comércio
Edição impressa de 07/05/2019
Nesses 40
anos de publicidade, vi impérios florescerem e ruírem. A diferença no mundo de
hoje é a velocidade com que ambas as coisas acontecem. Mas o padrão do
declínio, aos meus olhos, segue bastante parecido, permeado por nuances nos
diferentes setores.
Não é
científico o que vou descrever, nem baseado em data. É baseado em tudo o que vi
e senti, nas coisas que passaram pela minha frente e pelas minhas costas, nas
coisas que ficaram para trás e que foram para a frente, inclusive nos meus
negócios.
Os passos
que levam ao fim, seja o fim de um negócio, de um setor, de uma era, de uma
vantagem competitiva, começam com um primeiro passo que é negar o futuro. Adoro
a palavra inglesa "denial" (negação).
Organizações
e pessoas perdem tempo precioso negando um sol nascendo, um novo modelo de
negócio, uma disrupção tecnológica. Quando lançamos o iG, em 2000, vivia
ouvindo chacota. Para muitos, o modelo de internet grátis parecia uma
aberração. Ia às agências vender mídia, e profissionais muito inteligentes
perguntavam: "Você acha mesmo que esse troço de internet vai dar
certo?".
Assustador
que perguntassem isso no passado, mas mais assustador que perguntem isto hoje:
"Você acha que a venda online vai vingar?". A resposta é Magalu, uma
rede de lojas com valor de mercado de mais de R$ 35 bilhões, que tem uma
senhora rede física e uma experiência digital incrível.
A negação
consome anos que a empresa podia estar devotando à reinvenção. No pior cenário,
pode levá-la ao fim. A indústria da carne vai gastar um tempo precioso negando
empresas de "carne vegetal" como Beyond Meat e Impossible Foods, mas
Beyond Meat estreou na Nasdaq semana passada com uma alta de 163% no primeiro
dia. E um amigo que sabe tudo desse mercado disse que o sabor do hambúrguer
vegano da Impossible Foods é fantástico.
O segundo
passo terminal é tentar evitar o futuro com vantagens regulatórias. O
consumidor, cada vez mais empoderado e informado, vai ruir esse escudo que o
faz pagar mais caro por produtos piores do que os que um mercado aberto e
competitivo pode oferecer.
O
terceiro passo terminal é tentar replicar o futuro de um jeito antigo, o que é
perda de tempo (irrecuperável) e de dinheiro (idem).
Outro
passo rumo ao fim é gastar tempo demais com os resultados do trimestre, do dia
a dia, e, de tanto focar o resultado, não ter gente suficiente na empresa
olhando o vento, a nuvem, o céu.
Fica a
pergunta que não quer calar: de que lado você está? Dos vivos ou dos
mortos-vivos? A batalha dos vivos e dos mortos-vivos em "Game of
Thrones" é a batalha das empresas, dos pensamentos, dos Estados. E, se
você quer sobreviver, é bom saber quem é a Arya Stark da sua empresa, a
corajosa personagem da série da HBO, ágil e jovem como uma startup, que mata
com sua adaga o Rei da Noite, comandante dos mortos-vivos.
E, antes
que eu encerre esta coluna com a soberba dos sabe-tudo, quero revelar um
momento em que não dei a devida atenção ao futuro.
Fui
convidado para falar sobre o Brasil num evento organizado por Bill Gates.
Estavam lá os maiores presidentes-executivos do mundo e gente como Jeff Bezos,
Warren Buffett, Martin Sorrell, Barry Diller.
Um
sujeito chegou do meu lado e se apresentou: "Oi, sou o Reed Hastings,
tenho uma empresa que está começando aqui nos EUA e precisando de ajuda no
Brasil". Eu não ouvi o cara direito, não dei muita atenção, mas o nome da
empresa dele era Netflix.
Empreendedor,
fundador do Grupo ABC
Acesso: 07 de maio de
2019