domingo, 4 de junho de 2023

Última página (A cama na varanda, Regina Navarro Lins)

 

Quando nascemos, somos colocados no mundo com padrões de comportamentos fixos e determinados. Com a educação e o convívio, vamos absorvendo os valores da nossa cultura. E isso é feito de tal forma que na vida adulta torna-se difícil saber o que realmente desejamos e o que aprendemos a desejar. Observa-se que a insatisfação é geral – nunca se venderam tantos ansiolíticos e antidepressivos como agora -, mas modificar a maneira de viver e de pensar gera ansiedade. O novo, o desconhecido, assusta. Entretanto, repetir o que é aprendido como verdade absoluta gera sofrimento.

Há cerca de 30 anos, assisti à peça No natal a gente vem te buscar, de Naum Alves de Souza, que ilustra de forma dramática a submissão aos valores sociais. Tentarei reproduzir a parte da história que registrei e o diálogo que nunca me saiu da memória.

Duas irmãs e um irmão. Uma delas não saía, ficava em casa com os pais, totalmente submetida aos conceitos de certo/errado, bom/mau, que tinha absorvido. Sua vida se resumia a ser guardiã da moral e dos bons costumes. Recriminava a tudo e a todos por suas atitudes e comportamentos. Os irmãos, por sua vez, buscavam viver suas vidas. O tempo passa, os pais morrem e ela torna-se cada vez mais amarga. Num determinado momento, os irmãos são chamados para acudi-la, pois está enlouquecendo de tanto sofrimento. Ao vê-la naquele estado deplorável, o irmão, perplexo, comenta com a irmã:

Eu não entendo. Ela ouviu de nossos pais as mesmas coisas que nós ouvimos.”

A irmã, então, lhe diz:

É… só que ela acreditou.”

O fim do patriarcado traz nova reflexão sobre o relacionamento entre homens e mulheres, o amor, o casamento e a sexualidade. Nossas convicções íntimas mais arraigadas são abaladas, projetando-nos num vazio. Os modelos do passado não respondem mais aos nossos anseios e nos deparamos com uma realidade ameaçadora, por não encontrarmos modelos em que nos apoiar, em tempo algum, em nenhum lugar.

Essa pode ser a grande saída para o ser humano. Percebendo as próprias singularidades e não tendo mais que se adaptar a modelos impostos de fora, abre-se um espaço em que novas formas de viver, assim como novas sensações, podem ser experimentadas.



Capa: Folio Design

Fonte: Lins, Regina Navarro. A cama na varanda: arejando nossas ideias a respeito de amor e sexo. 14ª ed., Rio de Janeiro: Best Seller, 2020. p. 458.

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