Tecnicamente falando
é o processo que sucede o rompimento de um vínculo significativo. A experiência de perder alguém importante tira de nós a percepção que cultivamos sobre a estabilidade, sobre a segurança do nosso mundo “presumido”, sobre nossa ilusão de controle. Quando perdemos definitivamente a conexão com alguém importante, alguém que para nossa vida representou um parâmetro de nós mesmos, é como se nos privássemos da capacidade de reconhecer a nós mesmos.
Ao longo da vida
não recebemos nenhum tipo de educação para sermos quem somos. Quando crianças, expressamos a verdade sobre nós e sobre o que sentimos e pensamos, mas muitas vezes nossa família, nossa escola e nossa vida em sociedade fazem com que tenhamos vergonha de nossa identidade. Então precisamos da percepção dos outros para construir nossa expressão do mundo, adequada às expectativas dos que nos cercam e às expectativas que criamos dentro de nós mesmos; ou, pelo menos, tentamos ser quem o mundo à nossa volta gostaria que fôssemos.
A maior parte de nós
é o que os outros fazem de nós. Somos esculpidos com base na percepção do outro. O que mais fará falta na morte de alguém importante é o olhar dessa pessoa sobre nós, pois precisamos do outro como referência de quem somos. Se a pessoa que eu amo não existe mais, como posso ser quem sou? Se preciso do outro para pensar sobre o mundo, e o outro não existe mais, como será o mundo sem ele?
Quando morre
uma pessoa amada e importante, é como se fôssemos levados até a entrada de uma caverna. No dia da morte, entramos na caverna, e a saída não é pela mesma abertura por onde entramos, pois não encontraremos a mesma vida que tínhamos antes. A vida que será conhecida a partir da perda nunca será a mesma de quando a pessoa amada estava viva. Para sair dessa caverna do luto é preciso cavar a própria saída. Por isso dizemos que existe um trabalho, algo ativo, construído em direção a uma nova vida. Cavar a saída da caverna do luto demanda ação, força, esforço. E as pessoas enlutadas sentem um cansaço intenso, existencial e físico. Não é possível convocar alguém para entrar conosco nessa caverna e cavar a saída para nós. A reconstrução da nossa vida, ou seja, o reencontro com o sentido dela a partir da perda de alguém muito importante, se dá ao longo do processo de luto.
Essencialmente
o luto é um processo de profunda transformação. Há pessoas que podem transformar a nossa temporada na caverna em um período menos doloroso, mas não podem fazer o trabalho por nós. A tarefa mais sensível do luto é restabelecer a conexão com a pessoa que morreu por meio da experiência compartilhada com ela. A revolta, o medo, a culpa e outros sentimentos que contaminam o tempo de tristeza acabam prorrogando nossa estadia na caverna e podem nos conduzir a espaços muito sombrios dentro de nós.
Capa: Angelo Bottino e Fernanda Mello
Fonte: Arantes, Ana Claudia Quintana. A morte é um dia que vale a pena viver. Rio de Janeiro: Sextante, 2019, p. 178/179
Nenhum comentário:
Postar um comentário