quarta-feira, 10 de abril de 2024

Parmênides (o uno e o múltiplo, as formas inteligíveis)

 

Eis o problema. Quando enunciamos Não é, queremos indicar outra coisa, tirante a ausência de existência naquilo que afirmamos não ser?

Não será senão isso.

Quando dizemos que alguma coisa não é, não queremos afirmar com isso que, em certo sentido, ele não é, mas que noutro sentido é? Ou a expressão Não significa, de maneira rigorosa, que o que não é não existe em absoluto e não participa de nenhum jeito da existência? É tomada no mais rigoroso sentido. Logo, o que não é, de jeito nenhum poderá participar da existência.

Não, de fato.

0 formar-se e o perecer, em que poderão consistir, se não for em adquirir existência ou em vir a perdê-la?

Em nada mais.

Mas o que em nenhum modo participa da existência, não poderá adquiri-la nem vir a perdê-la. Como o poderia?

0 Uno, por conseguinte, que todo o jeito não é, não pode receber nem perder a existência nem dela participar.

Sem dúvida.

Logo, o Uno que não é nem parece nem nasce, visto não participar de modo algum da existência.

É claro que não.

Nem se altera de maneira nenhuma; se tal acontecesse, nasceria e pereceria.

É verdade.

E se não se altera, não será também forçoso não mover-se?

Necessariamente.

Como também podemos dizer que o que não existe em parte alguma não está em repouso; o que repousa terá de permanecer no mesmo lugar.

No mesmo, como não?

Voltamos, por conseguinte, a afirmar que o que não é não está parado nem em movimento.

Não de fato.

Como não tem nada do que é; se participasse de alguma coisa, participaria também do ser.

É claro.

Como não terá grandeza nem pequenez nem igualdade.

Sem dúvida.

Nem semelhança nem diferença, tanto em relação consigo mesmo como com as outras coisas.

É evidente que não.

Como! As outras coisas poderiam ser algo para ele, se nada terá de estar em relação com ele?

Não é possível.

Como as outras coisas não lhe serão nem iguais nem desiguais, nem idênticas nem diferentes.

Sem dúvida.

E então? As expressões Daquele ou Para aquele, Alguma coisa, Deste, A este, De outro ou Para outro, ou ainda: Outrora, Mais tarde, A gora, Conhecimento, Opinião, Sensação, Definição ou Nome, ou seja o que for, poderiam aplicar-se ao que não é?

De jeito nenhum.

Desse modo, o Uno que não é não tem condição de espécie alguma.

Parece mesmo que não tem.

Passemos agora a considerar o que acontecerá com as outras coisas, se o Uno não é.

Sim, façamos isso mesmo.

Obviamente, é preciso que sejam outras; se não fossem outras, nada se poderia dizer das outras coisas.

Certo.

Ademais, se é das outras coisas que se fala, terão de ser diferentes. Ou não empregas para a mesma coisa a expressão Outra e Diferente?

Sem dúvida.

Porém quando dizemos Diferente, queremos significar que é diferente de algo diferente, e que Outro, também, é outro de outra coisa.

Certo.

Para as outras coisas, também, se tiverem de ser outras, terá de haver outras coisas com relação às quais elas sejam outras.

Necessariamente.

Que será? Do Uno é que elas não poderão ser outras, porque o Uno não é.

Não, de fato.

Nesse caso, terão de ser outras entre elas mesmas; é só o que lhes resta, para não serem outras em relação a nada.

Certo.

Assim, é sempre em grupos que cada uma é outra em relação às outras; como unidade é que não poderão ser já que o Uno não é. Pelo contrario; ao que parece, cada uma dessas massas é infinita em número, e quando alguém pensa haver tomado uma porção mínima, de súbito, como nos sonhos, em vez de uma, como parecia, nos surge múltipla, e em lugar de muito pequena, imensamente grande, comparada com as partículas de que é composta.

Certíssimo.

É como massas desse tipo que as outras coisas são outras em si, se forem outras sem que haja o Uno.

Perfeitamente.

Terá de haver, portanto, grande número dessas massas que individualmente parecerão unidade, sem que, no entanto, o sejam, visto não haver o Uno.

Isso mesmo.

Como também parecerá que elas formam número, sem que em verdade o sejam, uma vez que há o Uno.

Como não há.

E também parecerão conter, é o que dizemos, a quantidade mínima; mas essa quantidade parecerá múltiplas e imensa em comparação com cada um desses múltiplos que em si mesmos são pequenos. Como não?

Ademais, cada massa será imaginada como igual a suas numerosas e pequenas partes, pois não poderá parecer que passa da maior para a menor antes de dar a impressão de chegar ao meio, o que já seria um simulacro e igualdade.

É provável.

E cada massa, não parecerá limitada com relação às outras e a si mesma, conquanto não tenha nem começo nem meio nem fim?

Como assim?

Porque se em qualquer delas considerarmos em pensamento algo nesse sentido, por detrás do começo aparecerá outro começo, para além do fim sobrará sempre outro fim, e no meio, mais central do que ele, outro meio menor, por não ser possível conceber nenhum deles como unidade, visto não existir o Uno.

Perfeito.

Assim, todo ser que concebermos em pensamento, terá forçosamente de milpartir-se em pedacinhos, segundo creio; será sempre apreendido como massa carecente de unidade.

Perfeitamente.

Para quem as contemplar de longe, com vista turva, cada uma dessas massas aparecerá forçosamente como unidade; mas para quem as examinar de perto, com espírito atilado, cada uma se revelará como multidão infinita, visto carecer do Uno que não é. É mais do que obrigatório ser dessa maneira. Assim, terão as outras coisas de parecer infinitas e limitadas, unas e múltiplas, no caso de não existir o Uno, mas apenas as outras coisas que não o Uno.

Sem dúvida.

E não parecerão também semelhantes e dissemelhantes?

Como assim?

À maneira de certos quadros: de longe, tem-se a impressão de unidade, parecendo, assim, de característica uniforme e semelhante. Perfeitamente. Porém de perto, aparecem como múltiplo e diferente, e esse simulacro de diferença lhes empresta caráter de diversidade e de dissemelhança consigo mesmo.

Certo.

É, pois, inevitável que as massas pareçam semelhantes e dissemelhantes, tanto entre elas como individualmente consideradas.

Perfeitamente.

Como também iguais e diferentes entre elas mesmas, em contacto e separadas, agitadas por toda espécie de movimento e imóveis de todas as maneiras, nascendo e morrendo e sem nascerem nem morrerem, e tudo o mais do mesmo gênero que nos fora fácil enumerar, uma vez que, não havendo o Uno, só há multiplicidade.

É mais do que certo.

Agora, voltando mais uma vez para o começo, digamos o que acontecerá se o Uno não é, porém sejam as outras coisas que não o Uno.

Sim, digamos isso mesmo.

Então, as outras coisas não poderão ser um.

Como o poderiam?

Nem muitas, também, pois se fossem muitas, o Uno estaria entre elas. Mas se nenhuma delas é um. Em conjunto serão nada, do que resulta não serem muitas.

É verdade.

Mas, se entre as outras coisas não há o Uno, aquelas nem serão muitas nem uma.

Não de fato.

Como não parecem ser nem uma nem muitas.

Por quê?

Porque de nenhum jeito e em caso algum as outras coisas poderão ter relação de qualquer natureza com o que não existe, não podendo nenhuma dessas coisas que não existem estar em nenhumas das outras, visto não haver partes do que não existe.

É verdade.

Como não haverá, também, nem opinião nem aparência do que não existe, não podendo, outros sim, em nenhuma condição e sob nenhum aspecto, ser concebido o que não existe.

Com efeito.

Se o Uno não existe, nenhuma das outras coisas poderá ser concebida como um ou como múltiplo, pois sem o Uno não é possível imaginar a pluralidade.

É impossível, realmente.

Logo, se o Uno não existe, as outras coisas nem são nem pode ser concebidas como unidade e nem como pluralidade.

Parece mesmo que não podem.

Nem como semelhantes nem como dissemelhantes.

Com efeito.

Nem como idênticas ou diferentes, nem em contacto nem separadas, e assim sucessivamente, com relação a tudo o que anteriormente elas nos pareciam ter. As outras coisas nem são nem parecem nada disso, uma vez que o Uno não existe.

É muito certo.

Desse modo, resumíssemos tudo isso e afirmássemos: Dado que não exista o Uno, nada existe, teríamos falado certo?

Com a maior exatidão possível.

Pois então afirmemo-lo, com o seguinte acréscimo, como parece: Quer o Uno exista quer não exista, tanto ele como as outras coisas, ou seja em relação com ele mesmo ou em suas relações recíprocas, todos eles de toda a maneira são tudo e não são nada, parecem ser tudo e não parecem nada.

Absolutamente certo.


Platão. Parmênides (o uno e o múltiplo, as formas inteligíveis) (Portuguese Edition). Edição do Kindle.

Versão eletrônica do diálogo platônico “Parmênides”

Tradução: Carlos Alberto Nunes

Créditos da digitalização: Membros do grupo de discussão Acrópolis (Filosofia)





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