Entrevista ________________________________________________________
Mercedes Sosa
Uma voz de guerra e paz
Presente há poucas semanas ao 2º Musicanto Sul-Americano de Nativismo, em Santa Rosa, Mercedes Sosa encheu um estádio e a alma de um povo que se identifica com o seu trabalho. “La Negra” veio participar e contar como viu, da França onde estava, as mudanças políticas na Argentina, o país que ama e do qual teve que se exilar para não “desaparecer”.
Dizendo que acredita em Alfonsín porque ele representa a recuperação de coisas muito importantes para os argentinos, Mercedes falou muito nessa entrevista, abordando os assuntos que prefere: música, política e América Latina.
Reafirmou o seu comprometimento com a realidade do continente e do planeta “com muitas dores, muitos problemas, muitas torturas e muita morte”. Acha que tem sorte em poder cantar e se classifica apenas como “uma mulher que passa e vê o que acontece em redor”.
Dizendo que acredita em Alfonsín porque ele representa a recuperação de coisas muito importantes para os argentinos, Mercedes falou muito nessa entrevista, abordando os assuntos que prefere: música, política e América Latina.
Reafirmou o seu comprometimento com a realidade do continente e do planeta “com muitas dores, muitos problemas, muitas torturas e muita morte”. Acha que tem sorte em poder cantar e se classifica apenas como “uma mulher que passa e vê o que acontece em redor”.
MATIZES
“Não
se reconhece a paz sem ter passado pela guerra, como não se reconhece a
democracia sem ter passado pela ditadura”, diz Mercedes Sosa, lembrando de uma
só vez, a nova Argentina e os ainda amordaçados Chile e Paraguai. Estendendo
essa lembrança pelo resto da América Latina, reconhece que, apesar das
aparências, não há um verdadeiro governo democrático no Continente. “O que
existe é uma relativa tranquilidade de expressão verbal na maioria dos países
latino-americanos”.
Dentro
da mesma generalização, Mercedes enquadra a violência que, para ela, tem várias
formas de ser exercida: “Muitas vezes somos nós mesmos o seu eixo, pois a atual
sociedade competitiva vai gerando uma múltipla quantidade de necessidades que
fazem com que o homem fique cada vez mais egoísta e violento”. Mas faz uma
ressalva: “Entretanto, o seu exercício para reprimir outras formas como se
apresenta, é pior do que o ato em si. Existe a violência entre os que estão
lutando por uma posição civil e outra, mais dura, dos que detêm o poderio
militar e que não sabem parar no momento devido: ninguém tem o direito de
sequestrar, torturar e matar filhos e netos de revolucionários”.
Surpreendentemente,
Mercedes Sosa diz que há pouco tempo ficou sabendo dos “desaparecidos” em seu
país e ao fato classificou de “violência redobrada” por considerar que, como
ela, muita gente está sofrendo agora por saber de coisas que ignorava, “coisas
essas que trarão trágicas e dolorosas lembranças e consequências por muitos
anos”.
Comentando
os casos específicos de Cuba e da Nicarágua, onde seus povos somente chegaram a
um estado de relativa paz depois de uma longa e penosa luta armada (com a
Nicarágua ainda às voltas com mercenários, criminosos e aventureiros armados
pelos Estados Unidos), diz Mercedes: “Quando um povo tenta se libertar, não
existe violência. A paz conquistada de cabeça baixa, através da submissão,
também é perigosa. Custa muito caro a liberdade conquistada com um levante
popular, como no Vietnã. Este foi um país que esteve apagado do mapa depois de
devastado. Quem o ajudou a erguer? Quem lembra agora que a sua estabilidade
custou o martírio de gerações inteiras de seus filhos? Este silêncio mundial é
um tácito acordo para silenciar alguma coisa que não é muito interessante para
quem está no poder deste lado do mundo”.
FORMOSO BUARQUE
A
formação de uma consciência de arte latina é uma das preocupações de Mercedes
Sosa. E para atingir este objetivo, ela só vê um caminho: o da autenticidade.
Na sua opinião, os artistas não podem ser dirigidos pela simples razão de serem
donos da sua criação. Ela exige apenas uma coisa: “eles têm que ser cultos”. E
explica: “Um homem não pode entender só de dança e outro só de música. Quem
entende só de partitura musical é um idiota. O artista tem que conhecer tudo
sobre a coisa mais importante do seu povo que é a cultura”.
É
grande a sua simpatia pelo Brasil. Tem um carinho todo especial por Milton
Nascimento, de quem gravou “Cio da Terra”, Chico Buarque e todos aqueles que
são solidários com a América Latina. Caetano Veloso é classificado como “bem
arejado”e no Sul suas preferências vão para Kleiton e Kledir. Lembra ainda Raul
Ellwanger, a quem acha “um bom compositor” e de quem vai gravar “Pialo de
Sangue”. Participa na gravação castelhana de K & K, para o seu disco trouxe
“Semeadura”, da dupla com o Fogaça e quer levar os dois para gravar “Vira-Virou”.
A
propósito, Mercedes Sosa acredita que os gaúchos devem abrir mais espaços no
resto do Brasil “porque os caminhos fechados são perigosos”. Mas é de Chico
Buarque , com quem gravou “São Vicente”, que faz o seu melhor comentário: “Ele
é formoso e o mais completo dos compositores, poetas e dramaturgos. É o exemplo
que eu tenho no mundo para música popular. É um homem muito importante para o
povo deste continente”.
CONSUMISMO
É
difícil, quase impossível à nova geração de músicos argentinos chegar ao
Brasil. Mercedes acha isso “estranho”, pois mesmo os novos compositores e
cantores ingleses e norte-americanos são conhecidos por aqui. Ao mesmo tempo em
que facilita a explicação deste fato sugerindo que tudo pode ser por imposição
das gravadoras, lembra, entretanto, que os seus conterrâneos encontram grandes
dificuldades para atravessar a fronteira em função da grande concorrência que
devem enfrentar aqui.
Admite
que mesmo na Argentina as coisas não estão fáceis por causa do consumismo de
discos brasileiros e norte-americanos, ao contrário do que se passa com a
música da Colômbia, Paraguai e Equador, quase esquecida. Mercedes se rebela
contra isso: “Nenhum povo se auto-abastece em comida e em arte. Todos os povos
do mundo devem se abrir. Eu, por exemplo, amo a música árabe que também não
chega até a Argentina. Cantar é ser universal. O homem é universal. Tem os
mesmos sentimentos de dor e prazer em todas as partes do mundo”.
“DESPACITO”
Analisando
o atual momento artístico no Brasil, Mercedes Sosa nota que a passagem da
opressão para a democracia produz muita coisa. Principalmente mau gosto e
pornografia. Contemporiza: “Mas depois tudo passa. As coisas têm que acontecer,
suavemente, sem modismos”. Chegando à condescendência, admite: “A gente está
condicionada a que nos digam até o que devemos vestir. É natural que se compre
aquilo que era mistério e que agora não está mais proibido. Deve-se é ter mais
maturidade, ser mais sereno para identificar os inimigos e avançar “despacito”.
Fundamental
para Mercedes é a identificação, por parte do artista, da situação em que vive
um povo e da determinação de dar a este povo o que ele está precisando em
matéria de expressão artística. E exemplifica com a própria atuação: “Quando
voltei à Argentina não cantei a dor nem procurei golpear o país. Cantei “Maria,
Maria” porque achei que era disso que o povo estava precisando. Encontrei amor
diante de tudo o que ia acontecendo no dia-a-dia. Era uma coisa sinistra. Se eu
cantasse a dor o povo ia se armar. E precisamos de paz e não de mais guerra
para construirmos alguma coisa”.
SOLDADINHOS
Atualmente,
os jovens cantores argentinos estão cantando a volta da democracia de uma
maneira muito particular. Mercedes citou um exemplo: “Eu, quando era pequena,
brincava com os soldadinhos de chumbo; depois, minha mãe me levava para ver o
desfile militar nas ruas. Meu coração batia forte cada vez que os militares
passavam, desfilando. E que orgulho eu sentia de pertencer a um regime militar
e aplaudir os militares. Isso é passado. Hoje eu não sinto o mesmo. Somente
voltarei a sentir o coração bater mais forte quando tivermos um exército
popular”.
É
uma tremenda letra. Existe muita identificação com o povo que primeiro viu “os
soldadinhos” usarem porretes e depois armas mortíferas contra os seus irmãos. A
gente espera que nunca mais façam isso. Queremos ter orgulho dos soldados que
passam no desfile. Caso contrário, é melhor que não voltem a passar nunca mais.
Fonte: Revista Tarca –
Cultura Gaúcha – ANO I – Nº 4
*****
Crédito das Fotos: http://www.musicanto.com.br/EdicoesAnteriores/primeiroMusicanto.php#
Nenhum comentário:
Postar um comentário