sábado, 15 de abril de 2017

Nativismo e Tradicionalismo - por Dilan D’Ornellas Camargo





O Rio Grande do Sul vive hoje, o grande impacto dos festivais de música que se realizam em dezenas de cidades do interior, mobilizando massas humanas de milhares de pessoas, na sua grande maioria jovens. Essa particularidade evidencia uma das principais características dos festivais: trata-se de um fenômeno muito mais social do que musical. Principalmente, tem-se manifestado através da participação da classe média gaúcha, seja no palco como na plateia. Estes expressam a reaproximação dessa classe média gaúcha em crise de identidade após o fracasso do “milagre brasileiro”, com as chamadas “coisas do Rio Grande”.

É claro que se trata de um processo bem mais complexo, de recíprocas determinações. A “crise de identidade é reflexo da crise econômica, social, moral, e cultural que todo o país tem vivido nos últimos anos. O espaço econômico e cultural brasileiro foi internacionalizado, numa situação de dependência, de tal forma que hoje, a grande maioria da massa popular marginalizada relativa ou absolutamente, calça os conhecidos chinelos de dedo. Originam-se na cultura japonesa e a marca mais conhecida são as “sandálias havaianas”. Isto evidencia a submissão das formas de manifestação social ao desenvolvimento capitalista. Portanto, identidade cultural não é mera questão de forma. Ou seja: a contradição não é entre o chinelo de dedo e a bota.

O Rio Grande do Sul não escapou à internacionalização da economia e da cultura (através das chamadas empresas multinacionais e da instituição de uma indústria cultural globalizadora) que gerou a desnacionalização econômica e cultural, com a negação e o confinamento das chamadas subculturas regionais. Isso teve reflexos imediatos e significativos em nosso Estado. Passamos a sofrer uma dupla colonização: uma externa, com a imposição de padrões culturais norte-americanos, e outra interna, através do chamado “padrão globo de cultura”.

Por essas razões, o movimento de “regeneração” do Rio Grande do Sul que hoje se entremostra, é uma das vertentes por onde flui a reconquista de nossa identidade cultural. E este se manifesta tanto na música nativista, na literatura, na historiografia, nas artes plásticas, no cinema, na dança, quanto no jornalismo, no teatro, enfim. Assim, a classe média gaúcha volta a ser gaúcha, assumido um novo regionalismo, constituído por elementos alguns reafirmadores de valores passados, outros os que negam e os superam.

Este novo regionalismo tem um potencial mais “nativista” do que “tradicionalista”. Ao dizermos isso, estamos afirmando uma distinção fundamental entre nativismo e tradicionalismo. Também estamos fazendo uma tentativa de avaliação das tendências do movimento cultural gaúcho.

Nativista refere-se, por definição, à qualidade ou caráter do que é natural, procedente do lugar, indígena com aversão a estrangeiros. Tradicionalismo, também por definição, tem a ver com o apego às tradições, aos usos e costumes antigos, podendo também manifestar-se como um sistema de crenças baseado na tradição.

Nesta distinção tem importância para o atual estágio de debate ideológico no Rio Grande do Sul. Se a aplicarmos para avaliação dos festivais de música, veremos imediatamente suas consequências. Os festivais se intitulam como festivais de música nativa, mas geralmente, a orientação ideológica predominante deste é no sentido da afirmação e defesa de um regionalismo tradicionalista, com escassas superações de uma visão e de uma postura tradicional do mundo e da própria música. Exceção nesse sentido foi a edição do 1º Musicanto, e a própria Califórnia, em algumas de suas edições. Principalmente o Musicanto consegue atingir graus de atualização do homem gaúcho e latino americano em sua problemática histórico-cultural contemporânea, seja no canto, nos ritmos, no instrumental, enfim, que lhe conferem uma natureza nativista concreta, e não de estampa.

Para os menos avisados é bom avisar-se que isso não invalida os demais festivais, apenas desvenda-os na sua natureza necessária, avaliando-os numa dimensão crítico transformadora. Uma coisa é o movimento predominante no seio de um fenômeno, outra são as possibilidades que encerra. Por isso é importante um debate crítico-prático, feito de tal forma que “todos” os poetas e músicos participem de “todos” os festivais, como condição material e espiritual de superação do atual estágio da música popular gaúcha. Superando principalmente, seu limite regional-tradicionalista.

Fonte: Revista Tarca – Cultura Gaúcha – ANO I – Nº 02

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