O Rio Grande
do Sul vive hoje, o grande impacto dos festivais de música que se realizam em
dezenas de cidades do interior, mobilizando massas humanas de milhares de
pessoas, na sua grande maioria jovens. Essa particularidade evidencia uma das
principais características dos festivais: trata-se de um fenômeno muito mais social
do que musical. Principalmente, tem-se manifestado através da participação da
classe média gaúcha, seja no palco como na plateia. Estes expressam a
reaproximação dessa classe média gaúcha em crise de identidade após o fracasso
do “milagre brasileiro”, com as chamadas “coisas do Rio Grande”.
É claro que se
trata de um processo bem mais complexo, de recíprocas determinações. A “crise
de identidade é reflexo da crise econômica, social, moral, e cultural que todo
o país tem vivido nos últimos anos. O espaço econômico e cultural brasileiro
foi internacionalizado, numa situação de dependência, de tal forma que hoje, a
grande maioria da massa popular marginalizada relativa ou absolutamente, calça
os conhecidos chinelos de dedo. Originam-se na cultura japonesa e a marca mais
conhecida são as “sandálias havaianas”. Isto evidencia a submissão das formas
de manifestação social ao desenvolvimento capitalista. Portanto, identidade
cultural não é mera questão de forma. Ou seja: a contradição não é entre o chinelo
de dedo e a bota.
O Rio Grande
do Sul não escapou à internacionalização da economia e da cultura (através das
chamadas empresas multinacionais e da instituição de uma indústria cultural
globalizadora) que gerou a desnacionalização econômica e cultural, com a
negação e o confinamento das chamadas subculturas regionais. Isso teve reflexos
imediatos e significativos em nosso Estado. Passamos a sofrer uma dupla
colonização: uma externa, com a imposição de padrões culturais norte-americanos,
e outra interna, através do chamado “padrão globo de cultura”.
Por essas
razões, o movimento de “regeneração” do Rio Grande do Sul que hoje se
entremostra, é uma das vertentes por onde flui a reconquista de nossa
identidade cultural. E este se manifesta tanto na música nativista, na
literatura, na historiografia, nas artes plásticas, no cinema, na dança, quanto
no jornalismo, no teatro, enfim. Assim, a classe média gaúcha volta a ser
gaúcha, assumido um novo regionalismo, constituído por elementos alguns
reafirmadores de valores passados, outros os que negam e os superam.
Este novo
regionalismo tem um potencial mais “nativista” do que “tradicionalista”. Ao
dizermos isso, estamos afirmando uma distinção fundamental entre nativismo e
tradicionalismo. Também estamos fazendo uma tentativa de avaliação das
tendências do movimento cultural gaúcho.
Nativista
refere-se, por definição, à qualidade ou caráter do que é natural, procedente
do lugar, indígena com aversão a estrangeiros. Tradicionalismo, também por
definição, tem a ver com o apego às tradições, aos usos e costumes antigos,
podendo também manifestar-se como um sistema de crenças baseado na tradição.
Nesta
distinção tem importância para o atual estágio de debate ideológico no Rio
Grande do Sul. Se a aplicarmos para avaliação dos festivais de música, veremos
imediatamente suas consequências. Os festivais se intitulam como festivais de
música nativa, mas geralmente, a orientação ideológica predominante deste é no
sentido da afirmação e defesa de um regionalismo tradicionalista, com escassas
superações de uma visão e de uma postura tradicional do mundo e da própria
música. Exceção nesse sentido foi a edição do 1º Musicanto, e a própria
Califórnia, em algumas de suas edições. Principalmente o Musicanto consegue
atingir graus de atualização do homem gaúcho e latino americano em sua
problemática histórico-cultural contemporânea, seja no canto, nos ritmos, no
instrumental, enfim, que lhe conferem uma natureza nativista concreta, e não de
estampa.
Para os menos
avisados é bom avisar-se que isso não invalida os demais festivais, apenas
desvenda-os na sua natureza necessária, avaliando-os numa dimensão crítico
transformadora. Uma coisa é o movimento predominante no seio de um fenômeno,
outra são as possibilidades que encerra. Por isso é importante um debate
crítico-prático, feito de tal forma que “todos” os poetas e músicos participem de
“todos” os festivais, como condição material e espiritual de superação do atual
estágio da música popular gaúcha. Superando principalmente, seu limite
regional-tradicionalista.
Fonte: Revista Tarca –
Cultura Gaúcha – ANO I – Nº 02
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