domingo, 16 de abril de 2017

Rio Grande do Sul: Separatismo e Classes Sociais (Paulo de Tarso Loguercio Vieira)



            A história do Rio Grande do Sul foi permeada de eventos onde a contradição entre os interesses regionais e os interesses da Nação (império e república) se fez de maneira aguda e radical. Não foi outro o significado da Revolução Farroupilha, da Revolução de 93, do movimento federalista de 23, da implantação do Estado Novo em 37 (Getúlio X Flores). Seus significados foram determinados pelas condições históricas concretas e seu sinal (positivo ou negativo) variou, considerada a abrangência das forças em jogo e o futuro da formação social brasileira.

            Neste artigo nos interessa a dimensão ideológica que emergiu destes movimentos e passou a fazer parte integrante da “cultura gaúcha”, que pode ser resumida na palavra “separatismo”.

            Nosso interesse é maior porque hoje esta questão volta a ser colocada em debate e permea orientações de movimentos sociais que estão a se desenvolver no Estado. A contradição entre os interesses da Nação e do Rio Grande do Sul está presente na análise econômica que afirma estar o Rio Grande perdendo posição em relação a outros estados da Federação, está presente na reivindicação por uma reforma tributária, está presente nos movimentos reivindicatórios agrícolas, como a soja, o arroz e a carne. Nestes movimentos, as forças sociais gaúchas são como soldadas por um interesse maior histórico e supra-classe que faz com que cada um fale em nome do Rio Grande.

            Não se força as portas da realidade em considerar que, nos movimentos anteriormente citados, estava em jogo propostas diferenciadas, mas a nível de elites. A complexidade da formação social era menor, as instituições civis, a organização e representação política das classes sociais ainda era incipiente e, portanto, a hegemonia das elites se fazia de forma mais tosca, menos elaborada. Por isso os interesses de peões, de colonos recém chegados, de pequenos comerciantes podiam ser facilmente homogeneizados com a preservação dos interesses do Rio Grande, representados pela organização política estadual, oriunda fundamentalmente do setor pecuário. Ou seja, era preciso preservar nossa autonomia política e deixar nas mãos do Rio Grande o seu próprio futuro. Não foi outra a razão de tentativas do Poder Central (frustradas e vitoriosas) em impedir que a determinação do desenvolvimento regional se opusesse ao desenvolvimento da Nação.

            Hoje esta questão se reveste de outro significado pela consideração do próprio desenvolvimento que alcançou a nação e o Estado. Nos interessa, especialmente, tratar dos efeitos do “separatismo” no que se refere à formação social gaúcha.

            O desenvolvimento da economia gaúcha, de suas forças produtivas e das relações de produções, gerou um espectro de classes sociais bem mais rico e dinâmico do existente nos movimentos sociais a que nos referimos. As contradições sociais, hoje, no Rio Grande, são da ordem e do porte das existentes no resto do Brasil e, portanto, a formação histórica gaúcha não tem mais um “futuro único”. Hoje temos uma classe burguesa diferenciada em seus vários segmentos – industrial, comercial, bancários, agrícola – uma classe operária numerosa (mais nas cidades que no campo), uma urbanização que gerou uma forte classe pequeno burguesa, ligada ao setor de serviços, profissional liberal, pequeno comércio e indústria e até um lumpesinato. Estas classes e setores de classes têm a sua história, suas relações, e seu futuro diferenciadas umas das outras e, muitas vezes, antepostos.

            O desconhecimento desta diversidade é o objetivo último daqueles setores que querem fazer dos seus, os interesses do Rio Grande. Querem recuperar a experiência histórica de soldagem social para defender os interesses de uma elite. Não há consideração mínima em formular um projeto que contemple, também, os interesses de outras classes para a formação de uma frente, de uma aliança. Este é o pior viés do “espírito farroupilha”.

            Em todas as questões atuais, onde viceja o “espírito farroupilha”, fica evidente esta presunção a exemplo do “choro” pela perda de posição da indústria (que nada fala da classe operária que a constrói), e do mendigar recursos e preços da burguesia agrária (que considera o consumidor, a grande maioria de pequenos produtores não atingidos por estes benefícios).

            O “espírito farroupilha” tem conseguido algumas vitórias (presentemente, na luta dos arrozeiros), mas já mostra suas debilidades, tanto no tocante a sua “representatividade social”, quanto à sua força para enfrentar a “toda poderosa” União. É neste campo que tem sofrido os maiores revezes. Isto indica sua senilidade. À sua hegemonia, já em estertores, deve contrapor-se uma nova que, do ponto de vista de classe – e não sobre elas, equacione a questão do futuro da sociedade gaúcha.

Fonte: Revista Tarca – Cultura Gaúcha – ANO I – Nº 02

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