AS MÚSICAS BOAS FICARÃO, AS RUINS SERÃO ESQUECIDAS |
REVISTA TARCA: Como você vê os festivais de música nativista que se multiplicam em nosso Estado? Será que a quantidade de festivais não vai – como dizem – baixar o nível da música gaúcha?
NILO BAIRROS DE BRUM: Vejo esses
festivais com grande simpatia e esperança. Foi através da Califórnia da Canção
Nativa e os outros festivais que se seguiram que surgiu a nova música do RS.
Não acredito que a quantidade de festivais implique necessariamente em queda da
qualidade, muito pelo contrário, os novos festivais têm dado espaço a novos
valores que sem esses festivais não teriam aparecido. Eu digo sempre que, se um
festival contribuir com apenas uma boa música para o cancioneiro gaúcho ou, com
tão somente a revelação de um único compositor ou intérprete de valor, esse
festival terá valido a pena. A quantidade dos festivais tenderá a diminuir
naturalmente, sem nenhuma pressão, enquanto a qualidade das músicas será
reconhecida com o tempo; as músicas boas ficarão, as ruins serão esquecidas.
RT: Na sua opinião, então, tudo
vai bem com os festivais nativistas?
NB: Nada disso! Existem muitos
problemas e – estes sim – influem na queda de qualidade dos Festivais.
OS ORGANIZADORES DE FESTIVAIS ESTÃO EQUIVOCADOS
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RT: Poderia apontar alguns e sugerir soluções?
NB: Os principais problemas que
vejo são: primeiro, o caráter de disputa desses festivais; segundo, a falta de
apoio aos compositores, músicos e intérpretes; terceiro, as condições de som e
gravação das músicas que serão levadas ao público; quarto, a escolha dos jurados
nem sempre habilitados para julgar música e poesia. Vou explicar melhor: Eu
acho que os organizadores de festivais estão equivocados quando oferecem um
alto prêmio em dinheiro para a música vencedora e quantias insignificantes como
ajuda de custos aos demais participantes. Trinta e seis músicas são
selecionadas na triagem e uma só receberá o prêmio. Isto quer dizer que um só
compositor vai recuperar as despesas feitas e obter alguma vantagem, enquanto
os restantes trinta e cinco compositores financiarão o festival sem
possibilidade de retorno financeiro. Isto além de injusto é um critério burro,
pois afasta um bom número de bons artistas que, por não ter recursos
financeiros, estão se afastando dos festivais. A tendência, portanto, é
transformar esses eventos em encontros de amadores ricos. A outra consequência
disso é que os festivais se tornam uma guerra pelo primeiro lugar quando
deveriam ser uma mostra solidária dos melhores trabalhos. Há festivais que,
além de não auxiliarem os compositores, chegam a cobrar o terreno de sua
barraca. Quanto ao problema com o som e as gravações, não tem havido o cuidado
necessário por parte dos organizadores, seja escolhendo equipe técnica
qualificada, seja escolhendo o local adequado para realizar as gravações.
Entretanto, o maior problema que pode originar não só a queda de qualidade dos
festivais, mas até mesmo sua extinção pela decepção dos artistas, é a falta de
critério na escolha dos jurados. Existem festivais que não se preocupam em
trazer para o júri poetas e musicistas, limitando-se a convocar “curiosos” de
folclore e nativismo, produtores de discos, políticos, jornalistas que possam
divulgar o festival e o disco, e até vendedores de livros. Decorre disto que
nem sempre as melhores músicas que participam do festival sejam as que irão
compor o disco que registrará o evento. Esse problema tanto ocorre na
pré-seleção quanto na escolha final das músicas.
O JÚRI TEM QUE SER ESCOLHIDO CRITERIOSAMENTE
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RT: Na sua opinião quais seriam as soluções para esses problemas?
NB: Para acabar com o caráter de
disputa desses eventos, transformando-os em mostras da arte musical gaúcha,
bastaria que se eliminassem os altos prêmios em dinheiro, substituindo-se por
troféus. Em troca, dar-se-ia a todos os participantes uma ajuda de custos que
cobrisse suas despesas com ensaios, transporte dos músicos, alimentação,
alojamento e gratificação aos músicos. Para isto dever-se-ia levar em conta a
distância da sede do festival em relação ao domicílio dos participantes, o
número de artistas levado ao palco etc. Com essa mudança de tratamento
resolver-se-ia os dois primeiros problemas de que falei. A solução dos demais
problemas apontados está implícita na sua formulação: para a solução do
terceiro, basta escolher local de boas condições acústicas e equipe técnica
qualificada. Para a solução do quarto problema, basta a escolha criteriosa de
bons poetas e bons musicistas, daqueles que realmente fazem poesias e compõem músicas,
preferindo-se, naturalmente, os que reúnam ambas as condições.
“COMO ERA BOM O LATIFÚNDIO SEM ARAMADOS”
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RT: Poderia acrescentar mais alguma coisa referente aos festivais?
NB: Bem, existe uma questão
delicada de abordar que é o condicionamento ideológico de alguns festivais, na
formulação de seus objetivos. Vou dar um exemplo: há festivais que pedem temas
que procurem fixar o homem no campo, evitando o êxodo rural. Isto é um
equívoco, porque o homem rural não vem para a cidade por livre escolha, mas
premido por uma estrutura agropastoril injusta. Ele é – literalmente –
despejado do campo por uma estrutura voltada para a agricultura de exportação.
Pretender fixar o homem cantando, é ignorar os verdadeiros motivos do êxodo e
as soluções para o problema. Mais produtivo seria colocar cantando os problemas
de forma adequada, denunciar as causas verdadeiras do êxodo e apontar soluções
corretas. Vários festivais deveriam revisar seus objetivos porque a música
gaúcha já superou a fase do “como era bom o latifúndio sem aramados”. Devem,
também, revisar os critérios das chamadas linhas galponeira, projeção e
manifestação rio-grandense, contemporânea gaúcha e nativista. Talvez fosse até
melhor extinguir essas linhas, abrindo lugar, entretanto, para todas as
tendências da música gaúcha nativista ou não. Temos de levar em conta que os
jovens gaúchos estão trocando o “jeans” pela bombacha e, se conseguirmos
atrai-los para a música nativista, deveremos recebê-los como são, sem
pretensões puristas; eles têm outra formação que não a dos tradicionalistas, mas
não deverão, por isto, ser rejeitados. Se a música tradicionalista ou nativista
for realmente boa, eles a assimilarão, além do que não devemos desprezar a
contribuição que eles trazem em matéria de técnica e criatividade.
Fonte: Revista Tarca –
Cultura Gaúcha – ANO I – Nº 00
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