sexta-feira, 21 de abril de 2017

Nilo Brum e Os Festivais (Entrevista)

  


AS MÚSICAS BOAS FICARÃO, AS RUINS SERÃO ESQUECIDAS








REVISTA TARCA: Como você vê os festivais de música nativista que se multiplicam em nosso Estado? Será que a quantidade de festivais não vai – como dizem – baixar o nível da música gaúcha?

NILO BAIRROS DE BRUM: Vejo esses festivais com grande simpatia e esperança. Foi através da Califórnia da Canção Nativa e os outros festivais que se seguiram que surgiu a nova música do RS. Não acredito que a quantidade de festivais implique necessariamente em queda da qualidade, muito pelo contrário, os novos festivais têm dado espaço a novos valores que sem esses festivais não teriam aparecido. Eu digo sempre que, se um festival contribuir com apenas uma boa música para o cancioneiro gaúcho ou, com tão somente a revelação de um único compositor ou intérprete de valor, esse festival terá valido a pena. A quantidade dos festivais tenderá a diminuir naturalmente, sem nenhuma pressão, enquanto a qualidade das músicas será reconhecida com o tempo; as músicas boas ficarão, as ruins serão esquecidas.

RT: Na sua opinião, então, tudo vai bem com os festivais nativistas?

NB: Nada disso! Existem muitos problemas e – estes sim – influem na queda de qualidade dos Festivais.

OS ORGANIZADORES DE FESTIVAIS ESTÃO EQUIVOCADOS



RT: Poderia apontar alguns e sugerir soluções?

NB: Os principais problemas que vejo são: primeiro, o caráter de disputa desses festivais; segundo, a falta de apoio aos compositores, músicos e intérpretes; terceiro, as condições de som e gravação das músicas que serão levadas ao público; quarto, a escolha dos jurados nem sempre habilitados para julgar música e poesia. Vou explicar melhor: Eu acho que os organizadores de festivais estão equivocados quando oferecem um alto prêmio em dinheiro para a música vencedora e quantias insignificantes como ajuda de custos aos demais participantes. Trinta e seis músicas são selecionadas na triagem e uma só receberá o prêmio. Isto quer dizer que um só compositor vai recuperar as despesas feitas e obter alguma vantagem, enquanto os restantes trinta e cinco compositores financiarão o festival sem possibilidade de retorno financeiro. Isto além de injusto é um critério burro, pois afasta um bom número de bons artistas que, por não ter recursos financeiros, estão se afastando dos festivais. A tendência, portanto, é transformar esses eventos em encontros de amadores ricos. A outra consequência disso é que os festivais se tornam uma guerra pelo primeiro lugar quando deveriam ser uma mostra solidária dos melhores trabalhos. Há festivais que, além de não auxiliarem os compositores, chegam a cobrar o terreno de sua barraca. Quanto ao problema com o som e as gravações, não tem havido o cuidado necessário por parte dos organizadores, seja escolhendo equipe técnica qualificada, seja escolhendo o local adequado para realizar as gravações. Entretanto, o maior problema que pode originar não só a queda de qualidade dos festivais, mas até mesmo sua extinção pela decepção dos artistas, é a falta de critério na escolha dos jurados. Existem festivais que não se preocupam em trazer para o júri poetas e musicistas, limitando-se a convocar “curiosos” de folclore e nativismo, produtores de discos, políticos, jornalistas que possam divulgar o festival e o disco, e até vendedores de livros. Decorre disto que nem sempre as melhores músicas que participam do festival sejam as que irão compor o disco que registrará o evento. Esse problema tanto ocorre na pré-seleção quanto na escolha final das músicas.
           
O JÚRI TEM QUE SER ESCOLHIDO CRITERIOSAMENTE



RT: Na sua opinião quais seriam as soluções para esses problemas?

NB: Para acabar com o caráter de disputa desses eventos, transformando-os em mostras da arte musical gaúcha, bastaria que se eliminassem os altos prêmios em dinheiro, substituindo-se por troféus. Em troca, dar-se-ia a todos os participantes uma ajuda de custos que cobrisse suas despesas com ensaios, transporte dos músicos, alimentação, alojamento e gratificação aos músicos. Para isto dever-se-ia levar em conta a distância da sede do festival em relação ao domicílio dos participantes, o número de artistas levado ao palco etc. Com essa mudança de tratamento resolver-se-ia os dois primeiros problemas de que falei. A solução dos demais problemas apontados está implícita na sua formulação: para a solução do terceiro, basta escolher local de boas condições acústicas e equipe técnica qualificada. Para a solução do quarto problema, basta a escolha criteriosa de bons poetas e bons musicistas, daqueles que realmente fazem poesias e compõem músicas, preferindo-se, naturalmente, os que reúnam ambas as condições.

“COMO ERA BOM O LATIFÚNDIO SEM ARAMADOS”



RT: Poderia acrescentar mais alguma coisa referente aos festivais?

NB: Bem, existe uma questão delicada de abordar que é o condicionamento ideológico de alguns festivais, na formulação de seus objetivos. Vou dar um exemplo: há festivais que pedem temas que procurem fixar o homem no campo, evitando o êxodo rural. Isto é um equívoco, porque o homem rural não vem para a cidade por livre escolha, mas premido por uma estrutura agropastoril injusta. Ele é – literalmente – despejado do campo por uma estrutura voltada para a agricultura de exportação. Pretender fixar o homem cantando, é ignorar os verdadeiros motivos do êxodo e as soluções para o problema. Mais produtivo seria colocar cantando os problemas de forma adequada, denunciar as causas verdadeiras do êxodo e apontar soluções corretas. Vários festivais deveriam revisar seus objetivos porque a música gaúcha já superou a fase do “como era bom o latifúndio sem aramados”. Devem, também, revisar os critérios das chamadas linhas galponeira, projeção e manifestação rio-grandense, contemporânea gaúcha e nativista. Talvez fosse até melhor extinguir essas linhas, abrindo lugar, entretanto, para todas as tendências da música gaúcha nativista ou não. Temos de levar em conta que os jovens gaúchos estão trocando o “jeans” pela bombacha e, se conseguirmos atrai-los para a música nativista, deveremos recebê-los como são, sem pretensões puristas; eles têm outra formação que não a dos tradicionalistas, mas não deverão, por isto, ser rejeitados. Se a música tradicionalista ou nativista for realmente boa, eles a assimilarão, além do que não devemos desprezar a contribuição que eles trazem em matéria de técnica e criatividade.

Fonte: Revista Tarca – Cultura Gaúcha – ANO I – Nº 00

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