quarta-feira, 21 de junho de 2017

O Amado (Adroaldo Furtado Fabrício)




O nome do naturalista René Bonpland é mais conhecido sobretudo em ligação com o de Alexander von Humboldt, de quem foi companheiro em suas andanças, pesquisas e aventuras pelo Brasil-colônia, em torno de 1800. Viajavam e trabalhavam juntos, inclusive, quando foram presos por uma guarnição militar portuguesa no coração da Amazônia e tiveram apreendido todo o seu equipamento, permanecendo sob custódia por vários meses, até que se convencessem os lusos da natureza inofensiva das atividades a que se dedicava a dupla. Não é de se estranhar, aliás, que levantassem as piores suspeitas aqueles dois estrangeiros malucos, a vagar pelos confins da floresta virgem com sua aparelhagem esquisita, examinando bichos e plantas.

Mas parece que René Bonpland não era seu verdadeiro nome. Chamava-se realmente Aimé Jacques Alexandre Goujand, nascido em La Rochele em 1773. Depois de sua acidentada parceria da juventude com Humboldt, voltou à França, onde exerceu funções públicas de certa importância (consta que chegou a ser Intendente dos Domínios da Imperatriz Josefina). Mas sua vocação andeja revelou-se mais forte: ele retornou ao Brasil na década de 1820, iniciando aqui seu talvez mais longo período de relativo sedentarismo, que se prolongou até a sua morte, em 1842. Veio acompanhado de quatro jovens, das famílias Brandon (depois e aqui Brandão), Jacques e Balbé, cujas numerosas descendências são bem conhecidas no Estado e particularmente na região missioneira.
O que tem isso a ver com Bossoroca? Pois foi à margem do rio Piratinim, perto da desembocadura do Lajeado Godói – portanto, em terras hoje pertencentes a esse Município – que o andarengo incorrigível finalmente deitou raízes, ou pelo menos reduziu o raio de suas incursões. Na região, ficou conhecido como Amado Bonpland (o que parece confirmar o prenome francês Aimé), estabeleceu excelentes relações com a população local, praticou caritativamente a medicina e ganhou a irrestrita simpatia de todos, ricos e pobres. Segundo a tradição oral colhida e perpetuada por Monsenhor Estanislau Wolski em sua Polianteia Missioneira, Bonpland manteve essa residência até cerca de 1835, quando se transferiu para uma chácara nos arredores da cidade de São Borja. Aí terminou seus dias em 1842.

Durante todos esses anos, mais de vinte, mesmo abstendo-se de viagens mais longas, nunca deixou de embrenhar-se frequentemente pelas matas da região, movido pela compulsão da pesquisa e do estudo de campo. Permanecia dias, semanas ou meses acampado, só ou na companhia de poucos companheiros, identificando e comparando espécies animais e vegetais. Nunca mais voltou à sua Europa natal, e seus restos mortais repousam num cemitério de Libres, Argentina, para onde seu corpo foi conduzido embalsamado, por razões desconhecidas.

Fonte: Fabrício, Adroaldo Furtado. Causos da Bossoroca e de outras querências. Porto Alegre: AGE, 1999, p. 120/121

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