domingo, 25 de junho de 2017

PRZEWODOWSKI (Carlos Reverbel)







Os que tiveram o privilégio de conviver com Luís Palmeiro ficaram sabendo que a palestra informal, em roda de amigos, pode exercer o fascínio de verdadeira obra de arte.



O saudoso advogado, que tanto se distinguiu no ministério público e no magistério superior, era capaz de discorrer com raro brilho sobre qualquer assunto, mas a sua palavra, matizada de ironia e ternura, tornava-se ainda mais colorida e pitoresca quando reproduzia histórias de Itaqui, sua terra natal.



Se essas histórias tivessem sido gravadas e passadas para o papel, nenhum município rio-grandense teria o relevo de Itaqui, em termos de transposição estilizada do folclore local.



Luís Palmeiro criava as suas obras de arte a partir de episódios que realmente aconteceram e terminaram se incorporando às tradições do lugar, como o famoso bombardeio de Alvear por Przewodowski.



Foi no tempo da Flotilha do Alto Uruguai, criada depois da Guerra do Paraguai e cujo comando, sediado em Itaqui, dispunha de diversos navios de esquadra, com 12 canhões de bordo e um efetivo de numerosas praças e 72 oficiais, entre eles Saldanha da Gama, Alexandrino de Alencar e o próprio Przewodowski.



Em 1874, estando no comando da Flotilha do Alto Uruguai, o capitão-tenente Estanislau Przewodowski mandou bombardear a localidade argentina de Alvear, situada do outro lado do rio. Os tiros de canhão, desfechados por dois monitores – o “Rio Grande” e o “Alagoas” – eram repetidos de hora em hora, com a alça de mira em elevação, de modo a não causar vítimas nem fazer danos à população fronteira, visando apenas, intimidar as suas autoridades.



Mas nem por isto deixaram de configurar grave atentado à soberania do país vizinho, criando inquietante problema diplomático entre Brasil e Argentina. Embora absolvido no Conselho de Guerra a que respondeu, por ter mandado bombardear uma localidade estrangeira, por conta própria, Przewodowski desgostou-se e resolveu pedir reforma da Marinha Nacional. Ganhou, entretanto, grande popularidade, tornando-se famoso e sendo festejado pelas ruas como herói, não apenas em Itaqui, mas até no Rio de Janeiro, onde fora julgado.



O incidente foi causado pela agressão sofrida pelo oficial médico da Flotilha do Alto Uruguai, quando se encontrava em Alvear. Como criara fama de excelente profissional, esse médico, de nome Panfilio Freire de Carvalho, era muito procurado, sendo chamado para atender clientes inclusive naquela localidade Argentina.



A fim de afastar o concorrente, médicos argentinos tramaram o atentado, encarregando dois sicários italianos, acobertados pelas autoridades de Alvear, de executarem o “serviço”. Przewodowski exigiu que os criminosos lhe fossem entregues. Não sendo atendido dentro do prazo que estabelecera, mandou abrir fogo contra a cidade estrangeira.



O capitão-tenente Estanislau Przewodowski, quando chegou a Itaqui, para comandar a Flotilha do Alto Uruguai, tinha apenas 31 anos, mas trazia uma folha de serviços de excepcional relevância, sobretudo pela sua destacada atuação na Guerra do Paraguai, tendo recebido todas as condecorações conferidas durante a campanha, em número de sete ordens honoríficas. Integrado na esquadra de Tamandaré, foi citado por atos de bravura em Humaitá e Curuzu, tendo atuado no comando de uma canhoneira. Entretanto, ficou famoso, sendo lembrado até hoje, não pelos seus invulgares feitos navais, mas pela sua atividade intempestiva, mandando bombardear o então povoado de Alvear.



O capitão-tenente Estanislau Przewodowski era natural da Bahia, sendo filho do polonês André Przewodowski e da brasileira Romalina Augusta Dantas. O seu pai vivia exilado em Londres (por causa da anexação da Polônia pela Rússia), quando foi contratado pelo governo brasileiro, tendo realizado, entre outras obras, o traçado da primeira ferrovia baiana e o projeto do porto de Salvador.



Depois de deixar a Marinha de Guerra, Przewodowski formou-se em engenharia no Rio de Janeiro, passando a exercer a profissão na Bahia, como diretor de obras de colonização de terras e de uma companhia de navegação fluvial. Nessa função, encarregou-se do transporte de tropas do Exército na campanha de Canudos. E quando esteve no Rio Grande, sediado em Itaqui, houve a rebelião do Ferrabrás, tendo a morte do coronel Gesuino Sampaio, pelos “muckers”, coincidindo com o bombardeio de Alvear. Também publicou um trabalho sobre a barra de Rio Grande.



Antes de terminar o curso de engenharia, Przewodowski esteve em Jaguarão, para casar com dona Felicidade Perpétua Pereira de Melo, filha de um oficial do Exército. Conheceu-a e ficaram noivos quando ele e o futuro sogro serviam em Itaqui. Aliás, tanto ele como diversos outros oficiais da Flotilha do Alto Uruguai marcaram época na sociedade de Itaqui. E Przewodowski ainda se distinguiu por ser muito afeiçoado ao teatro, levando seu interesse por essa arte ao ponto de ter projetado e iniciado um teatro em Itaqui, concluído quando ele não mais ali se encontrava, mas que recebeu seu nome ao ser inaugurado. A sociedade local não esquecera o baiano, de origem polonesa, que fizera a maior “gauchada” de que se tem notícia em Itaqui. E o Teatro Przewodowski se encarregou de manter viva a sua memória, naquela cidade e no Rio Grande do Sul.

(Novembro, 1978)

Fonte: Reverbel, Carlos. Saudações Aftosas. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1980, p. 11/13

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