sexta-feira, 23 de junho de 2017

Entrevista: Domenico de Masi – Jornal Zero Hora, 15/10/2000


Trabalha-se muito, descansa-se pouco

Diminuir as horas de expediente no escritório e acrescentar diversão e estudo ao dia a dia do trabalho. Para o sociólogo italiano, as empresas que não prestarem atenção nisso virarão desertos de ideias.
A fala carismática e inflamada do italiano Domenico de Masi, professor da Universidade de Roma, consultor de empresas e autor de livros como O Futuro do Trabalho e Ócio Criativo, dificilmente deixa seus interlocutores passarem incólumes a suas ideias.
As reações, no entanto, podem divergir: pânico dos workaholics e êxtase dos que sonham com mais tempo para o lazer e a criatividade, o sociólogo do trabalho vem conquistando especialmente os brasileiros com suas ideias nada convencionais.
- O sistema de trabalho hoje é completamente antiquado, e por isso não se cria nada dentro das organizações. As ideias acabam sendo compradas de terceiros – afirma o consultor.
Nesta entrevista, De Masi falou sobre o impacto da tecnologia e da Internet na organização do trabalho, sobre o que é importante na formação de um profissional brilhante e o que as empresas devem fazer para mantê-lo.


ZH Como o senhor resumiria o cenário do mercado de trabalho hoje?
Domenico de Masi – Tenho um amigo que trabalha como executivo num banco e uma outra amiga que é grande atriz do teatro italiano. Sempre que os dois se encontravam em festas na minha casa ou em férias no campo, ela me dizia: “Esse seu amigo parece sempre tão triste. A expressão dele é tristíssima!” Na verdade, ele era a síntese do burocrata. Trabalhava tanto que quando estava fora do seu esquema habitual se sentia perdido. Em resumo, os profissionais hoje descansam pouco e trabalham muito. Até as horas de descanso giram em função do trabalho. Isso gera uma insatisfação e infelicidade enorme, um cansaço que mina cada vez mais a capacidade de ter boas ideias.

ZH O que há de errado nas empresas de hoje?
De Masi – Se você observar as empresas, vai ver que o marketing e os processos de produção evoluíram, e a tecnologia avançou incrivelmente. Enquanto isso, as políticas de recursos humanos mudaram tão pouco que parecem as mesmas de cem anos atrás. Os processos de produção são outros e a tecnologia permite milhões de novas possibilidades e facilidades, mas a organização do trabalho ainda é aquela criada pelas necessidades de uma era anterior à nossa.

ZH O senhor crê que uma mudança de hábitos esteja a caminho?
De Masi – A Nova Economia e a Internet estão imprimindo uma necessidade incrível de velocidade às mudanças. É uma revolução que vai num ritmo cada vez mais veloz. Se pensarmos que as pessoas levaram 700 anos andando em carruagens até inventarem o automóvel, e em 70 anos os carros já andavam com mais do que o dobro da velocidade inicial, podemos ter uma ideia de como o ritmo é e vai se tornando cada vez maior.

ZH Como uma empresa pode tentar fugir do perigo de não inovar?
De Masi – As empresas que estimulam seus funcionários a ficar no escritório 10, 12 horas por dia estão fadadas a transformar todos os seus colaboradores em burocratas, exaustos e incapazes de enxergar além do óbvio e de ter ideias brilhantes sobre o negócio em que atuam. É uma burrice achar que o trabalho está limitado ao expediente no escritório. O trabalho precisa ser complementado com pelo menos dois elementos fundamentais: os processos lúdicos, que eu resumo como jogos, e o estudo. Sem isso, o trabalho está condenado a se confinar no escritório e se transformar numa coisa puramente neurótica que aos poucos esgota qualquer possibilidade de prazer. Sem esse prazer, não há criatividade possível e, com a velocidade que as novidades da tecnologia vêm criando, os que não perceberem isso ficarão para trás.

ZH O que o senhor considera importante na formação de um profissional?
De Masi – Quando falo em estudo não estou falando da coleção de títulos, de ficar apenas se debruçando sobre cursos de especialização na área de formação ou lendo livros sobre esse assunto. Isso é importante, mas falo também de ler coisas diferentes, assistir a filmes, conversas com as pessoas, se dar o direito de contemplar coisas belas. Não digo só de uma bela obra de arte, mas encontrar beleza numa cena cotidiana, conseguir encontrar serenidade para simplesmente parar e olhar o movimento das pessoas, da natureza. Isso é uma coisa belíssima. Estas são as coisas que desenvolvem os sentidos, a sensibilidade e dão asas à criatividade.

ZH A redução da jornada de trabalho ainda é uma enorme polêmica no mundo todo. O senhor acha mesmo que se tornará realidade em curto prazo?
De Masi – Hoje temos computador, Internet, milhões de facilidades que deveriam diminuir o tempo de trabalho e não aumentá-lo. Esse tempo que sobra deve ser aproveitado em atividades lúdicas e diversão. Assim, as pessoas têm mais prazer e se produzem as grandes ideias. Por que exigir um expediente de oito horas no mínimo, com horário de entrada e saída, em vez de estipular tarefas e prazos e deixar que os funcionários decidam como organizar seu tempo? Além de ser menos neurótico, isso economizaria milhões em gastos com luz, equipamentos e manutenção dos escritórios.

ZH Nem todas as empresas pensam dessa forma.
De Masi – A maioria das empresas não utiliza de forma inteligente o que a tecnologia oferece. Acham que o lucrativo é produzir cada vez mais com menos gente trabalhando. Isso cria profissionais frustrados, neuróticos, estressados e que têm uma relação de dependência e ódio com o trabalho. Burocratas, em resumo. E esses são os piores inimigos da criatividade. Não é ficando 12 horas num cubículo que alguém vai pensar em algo brilhante. As ideias se produzem em qualquer lugar, menos nos escritórios.

ZH As organizações saberão como aproveitar funcionários mais criativos?
De Masi – Não basta às empresas despertar em seus funcionários a criação de ideias. A maioria das pessoas tem uma grande capacidade de pensar coisas fantásticas, mas uma enorme dificuldade para colocá-las em prática (os fantasiosos) ou tem um enorme senso prático e grande força realizadora, mas nem sempre têm ideias brilhantes (os concretos). A empresa que conseguir unir esses dois tipos ou que encontrar as raras pessoas que conseguem unir as duas potencialidades verá coisas incríveis acontecerem.

ZH Por onde se deve começar?
De Masi – Os departamentos de recursos humanos deveriam começar a pensar no que oferecer aos funcionários para que eles sejam mais felizes. Só assim vão conseguir ter funcionários que produzem ideias realmente eficientes. Hoje, as pessoas dedicam 90% do tempo ao trabalho, e é preciso ter mais alegria e menos estresse. Para isso, o RH deveria pensar em oferecer luxo aos seus funcionários. O que é um luxo? É uma coisa que é rara. Quem consegue organizar a vida de modo a ter mais tempo, tem mais luxo do que os que não conseguem, por exemplo. A empresa deve se preocupar não só com isso, mas, por exemplo, com a beleza e o espaço onde as pessoas trabalham. Os escritórios deviam ser menos impessoais, mais agradáveis, o espaço é muito importante no processo de criação. Outros luxos são a maior autonomia, a segurança e a alegria. O sucesso das organizações dependerá de sua capacidade de oferecer essas coisas aos seus colaboradores.
Fonte: Jornal Zero Hora, 15/10/2000

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