“Trabalha-se
muito, descansa-se pouco”
Diminuir
as horas de expediente no escritório e acrescentar diversão e
estudo ao dia a dia do trabalho. Para o sociólogo italiano, as
empresas que não prestarem atenção nisso virarão desertos de
ideias.
A
fala carismática e inflamada do italiano Domenico de Masi, professor
da Universidade de Roma, consultor de empresas e autor de livros como
O Futuro do Trabalho e
Ócio Criativo,
dificilmente deixa seus interlocutores passarem incólumes a suas
ideias.
As
reações, no entanto, podem divergir: pânico dos workaholics e
êxtase dos que sonham com mais tempo para o lazer e a criatividade,
o sociólogo do trabalho vem conquistando especialmente os
brasileiros com suas ideias nada convencionais.
-
O sistema de trabalho hoje é completamente antiquado, e por isso não
se cria nada dentro das organizações. As ideias acabam sendo
compradas de terceiros – afirma o consultor.
Nesta
entrevista, De Masi falou sobre o impacto da tecnologia e da Internet
na organização do trabalho, sobre o que é importante na formação
de um profissional brilhante e o que as empresas devem fazer para
mantê-lo.
ZH
– Como o senhor
resumiria o cenário do mercado de trabalho hoje?
Domenico
de Masi – Tenho um amigo que trabalha como executivo num banco
e uma outra amiga que é grande atriz do teatro italiano. Sempre que
os dois se encontravam em festas na minha casa ou em férias no
campo, ela me dizia: “Esse seu amigo parece sempre tão triste. A
expressão dele é tristíssima!” Na verdade, ele era a síntese do
burocrata. Trabalhava tanto que quando estava fora do seu esquema
habitual se sentia perdido. Em resumo, os profissionais hoje
descansam pouco e trabalham muito. Até as horas de descanso giram em
função do trabalho. Isso gera uma insatisfação e infelicidade
enorme, um cansaço que mina cada vez mais a capacidade de ter boas
ideias.
ZH
– O que há de
errado nas empresas de hoje?
De
Masi – Se você observar as empresas, vai ver que o marketing e
os processos de produção evoluíram, e a tecnologia avançou
incrivelmente. Enquanto isso, as políticas de recursos humanos
mudaram tão pouco que parecem as mesmas de cem anos atrás. Os
processos de produção são outros e a tecnologia permite milhões
de novas possibilidades e facilidades, mas a organização do
trabalho ainda é aquela criada pelas necessidades de uma era
anterior à nossa.
ZH
– O senhor crê que
uma mudança de hábitos esteja a caminho?
De
Masi – A Nova Economia e a Internet estão imprimindo uma
necessidade incrível de velocidade às mudanças. É uma revolução
que vai num ritmo cada vez mais veloz. Se pensarmos que as pessoas
levaram 700 anos andando em carruagens até inventarem o automóvel,
e em 70 anos os carros já andavam com mais do que o dobro da
velocidade inicial, podemos ter uma ideia de como o ritmo é e vai se
tornando cada vez maior.
ZH
– Como uma empresa
pode tentar fugir do perigo de não inovar?
De
Masi – As empresas que estimulam seus funcionários a ficar no
escritório 10, 12 horas por dia estão fadadas a transformar todos
os seus colaboradores em burocratas, exaustos e incapazes de enxergar
além do óbvio e de ter ideias brilhantes sobre o negócio em que
atuam. É uma burrice achar que o trabalho está limitado ao
expediente no escritório. O trabalho precisa ser complementado com
pelo menos dois elementos fundamentais: os processos lúdicos, que eu
resumo como jogos, e o estudo. Sem isso, o trabalho está condenado a
se confinar no escritório e se transformar numa coisa puramente
neurótica que aos poucos esgota qualquer possibilidade de prazer.
Sem esse prazer, não há criatividade possível e, com a velocidade
que as novidades da tecnologia vêm criando, os que não perceberem
isso ficarão para trás.
ZH
– O que o senhor
considera importante na formação de um profissional?
De
Masi – Quando falo em estudo não estou falando da coleção de
títulos, de ficar apenas se debruçando sobre cursos de
especialização na área de formação ou lendo livros sobre esse
assunto. Isso é importante, mas falo também de ler coisas
diferentes, assistir a filmes, conversas com as pessoas, se dar o
direito de contemplar coisas belas. Não digo só de uma bela obra de
arte, mas encontrar beleza numa cena cotidiana, conseguir encontrar
serenidade para simplesmente parar e olhar o movimento das pessoas,
da natureza. Isso é uma coisa belíssima. Estas são as coisas que
desenvolvem os sentidos, a sensibilidade e dão asas à criatividade.
ZH
– A redução da
jornada de trabalho ainda é uma enorme polêmica no mundo todo. O
senhor acha mesmo que se tornará realidade em curto prazo?
De
Masi – Hoje temos computador, Internet, milhões de facilidades
que deveriam diminuir o tempo de trabalho e não aumentá-lo. Esse
tempo que sobra deve ser aproveitado em atividades lúdicas e
diversão. Assim, as pessoas têm mais prazer e se produzem as
grandes ideias. Por que exigir um expediente de oito horas no mínimo,
com horário de entrada e saída, em vez de estipular tarefas e
prazos e deixar que os funcionários decidam como organizar seu
tempo? Além de ser menos neurótico, isso economizaria milhões em
gastos com luz, equipamentos e manutenção dos escritórios.
ZH
– Nem todas as
empresas pensam dessa forma.
De
Masi – A maioria das empresas não utiliza de forma inteligente
o que a tecnologia oferece. Acham que o lucrativo é produzir cada
vez mais com menos gente trabalhando. Isso cria profissionais
frustrados, neuróticos, estressados e que têm uma relação de
dependência e ódio com o trabalho. Burocratas, em resumo. E esses
são os piores inimigos da criatividade. Não é ficando 12 horas num
cubículo que alguém vai pensar em algo brilhante. As ideias se
produzem em qualquer lugar, menos nos escritórios.
ZH
– As organizações
saberão como aproveitar funcionários mais criativos?
De
Masi – Não basta às empresas despertar em seus funcionários
a criação de ideias. A maioria das pessoas tem uma grande
capacidade de pensar coisas fantásticas, mas uma enorme dificuldade
para colocá-las em prática (os fantasiosos) ou tem um enorme senso
prático e grande força realizadora, mas nem sempre têm ideias
brilhantes (os concretos). A empresa que conseguir unir esses dois
tipos ou que encontrar as raras pessoas que conseguem unir as duas
potencialidades verá coisas incríveis acontecerem.
ZH
– Por onde se deve
começar?
De
Masi – Os departamentos de recursos humanos deveriam começar a
pensar no que oferecer aos funcionários para que eles sejam mais
felizes. Só assim vão conseguir ter funcionários que produzem
ideias realmente eficientes. Hoje, as pessoas dedicam 90% do tempo ao
trabalho, e é preciso ter mais alegria e menos estresse. Para isso,
o RH deveria pensar em oferecer luxo aos seus funcionários. O que é
um luxo? É uma coisa que é rara. Quem consegue organizar a vida de
modo a ter mais tempo, tem mais luxo do que os que não conseguem,
por exemplo. A empresa deve se preocupar não só com isso, mas, por
exemplo, com a beleza e o espaço onde as pessoas trabalham. Os
escritórios deviam ser menos impessoais, mais agradáveis, o espaço
é muito importante no processo de criação. Outros luxos são a
maior autonomia, a segurança e a alegria. O sucesso das organizações
dependerá de sua capacidade de oferecer essas coisas aos seus
colaboradores.
Fonte:
Jornal Zero Hora, 15/10/2000
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