Leoveral de Souza Oliveira
(pai do Presidente do IRGA, ex-Deputado e ex-Secretário de Agricultura Carlos
Cardinal de Oliveira, na vida pública mais conhecido pelo sobrenome materno)
era homem de muitos negócios e atividades. Fazendeiro abonado, também se
empenhava intensamente no comércio e um tanto na política, além de atender a
compromissos sociais e comunitários diversos. À sua fazenda, então ainda
pequena, embora representasse parte importante de seu patrimônio, não podia
dedicar pessoalmente muito tempo; sequer podia visitá-la com frequência, em
razão dessa multiplicidade de afazeres.
Desviando-se nesse particular dos
costumes espartanos que eram de regra entre os homens do campo na sua época, tinha
gostos e hábitos exigentes, talvez até
um tanto refinados, sobretudo no que se
refere à mesa. Apreciava boa comida e bebidas finas. Mesmo na casa da estância,
que pouco frequentava, costumava manter razoáveis estoques de conservas
importadas, acepipes finos e vinhos de boa cepa e safra.
Tinha, em relação a peães,
capatazes e caseiros, as dificuldades que todas as pessoas do ramo conhecem,
agravadas, no seu caso, pela escassa presença física na fazenda. Estava sempre
a procurar alguém que o pudesse deixar razoavelmente tranquilo sobre o
andamento dos assuntos de seu estabelecimento rural. Uma de suas tentativas foi
o Praxedes, homem tido como confiável e bem-mandado, embora não muito afeito ao
trabalho e meio chegado ao trago.
Ao instalá-lo na casa, deixou-o
bem provido de gêneros para o seu consumo, autorizado, de resto, como era uso
de então, a abater para consumo próprio as galinhas e capões que fossem
necessários. Recomendou-lhe, mais, especial vigilância sobre a despensa nobre,
onde eram guardados os comeres e beberes do patrão e que, na ausência deste,
não deveria ser tocada em circunstância alguma.
Passadas umas semanas,
apareceu-lhe na casa da vila o Praxedes, a queixar-se de que lhe faltavam
víveres. Assaltado por um mau pressentimento, seu Leoveral começou a interrogá-lo,
inteirando-se aos poucos da extensão do desastre. Relutantemente, o Praxedes
foi contando a verdade toda. Consumira (certamente com alguma “ajuda externa”,
porque sozinho não poderia) todas as provisões que lhe haviam sido deixadas;
alegando necessidade, invadira a sagrada despensa patronal e começara a comer
também o que lá encontrara.
- Os presuntos, Praxedes? As
copas e salames?
- Pois comi, seu Leoveral...
- E os queijos? O bacalhau, os
peixes?
- Comi, comi... O senhor vê, a
necessidade...
- E os enlatados? As compotas? As
passas?
- Tive que comer... Comi, comi
tudo...
- E o vinho, Praxedes? O vinho?
- O vinho? O vinho... o vinho...
eu fiz sagu!
Fonte: Fabrício, Adroaldo
Furtado. Causos da Bossoroca e de outras querências. Porto Alegre: AGE, 1999,
p.141/142.
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