quinta-feira, 27 de junho de 2019

Gaúcho: Um Título de Nobreza - Jayme Caetano Braun (Mariluza Costa - Revista Tarca Nº 08)

Entrevista
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Gaúcho: Um Título de Nobreza



Jayme Caetano Braun, missioneiro, payador e poeta,é símbolo do nativismo do Rio Grande do Sul. Acredita na arte comomeio de mudança social e sonha com um país mais livre e justo.Não confia em CTG’s, nem em comissões julgadoras defestivais. No entanto, acha que a arte gaúcha podeencontrar o caminho certo para atingir mercados maiores, desdeque mantenha a sua autenticidade e explore a própria riqueza.Com a marca do puro nativismo estampada na alma e na charla,Jayme Caetano Braun expõe suas razões.  

  
“SE NÓS SOMOS POVO, NOSSA MÚSICA É POPULAR, BRASILEIRA, ANTES DE SER REGIONALISTA”

TARCA: Jayme, o que é o gaúcho?
JAYME: Gaúcho é um estado de alma, uma filosofia de vida. Hoje, a imprensa do cento do País interpreta a gauchada, só para avacalhar, como uma coisa cômica, uma palhaçada.
Ser gaúcho é ter título de nobreza.
Em 1930, a entidade nativista uruguaia “Los Tientos” fez uma pesquisa sobre o gaúcho. Chegaram num rancho de um paisano velho, lança na porta, chiripá, bota garrão de potro, e perguntaram o que é ser gaúcho.
Bueno, disse ele, “conheci muitos gaúchos. E que gaúchos! Um branco, um moreno, um índio e até um inglês. Que gaúcho toro! Foi o mais gaúcho que conheci”.
Pra mim, a palavra vem de “guacho”, que quer dizer gaudério, teatino.
Agora, não sei o que deu na cabeça do Tau Golin, para querer destruir a história. Só porque não gosta dos estancieiros...


NATIVISMO/ABERRAÇÃO

TARCA: O que é o nativismo?
JAYME: Ninguém dizia esta palavra quando vim pra Porto Alegre. Não afirmo que fui eu que a trouxe, como o Nico Fagundes faz com o bombo leguero, instrumento que o índio sempre usou aqui, que ninguém trouxe.
Todo mundo falava “tradicionalismo”.
Num pinga-fogo de rádio, a questão foi levantada e o Nico respondeu: “problema do chimango, ele é missioneiro, eu sou brasileiro”.
Hoje, para essa gente, eu é que sou tradicionalista. E os que viam a palavra “nativismo” como aberração, hoje a usam para identificar seu trabalho.

TARCA: Existe uma polêmica divisão entre o tradicionalismo, agregado a CTG’s, e o nativismo, identificado nos trabalhos independentes. É isso mesmo?
JAYME: Dizem que o Raul Ellwanger é nativista. Na verdade, ele fez um estágio no nativismo latino, mas lançou um disco que não é nativo.
A separação não está bem delimitada. Aí entra o problema da literatura, dos escritores nativistas.
Uma vez, para eu participar de um encontro, o Luiz de Miranda, então presidente da Associação Gaúcha de Escritores, me mandou uma ficha de inscrição. Ora, eu não estava pleiteando nenhuma vaguinha! Agora, não admito um encontro de escritores gaúchos sem a presença do Rillo, Colmar Duarte, Retamozzo, Barbosa Lessa, Paixão Côrtes e tantos outros.

TARCA: Como tu defines a música popular brasileira?
JAYME: Pra mim não existe música popular brasileira. Existem músicas populares. Se nós somos povo, nossa música é brasileira, é popular, antes de ser regionalista.
Essa divisão chegou ao cúmulo de dividir, em um debate, a poesia do Rio Grande do Sul entre nativa e gaúcha. Parece brincadeira... Os culpados disso estão aqui mesmo, dentro da trincheira. No resto do Brasil ninguém é contra nós.

TARCA: Quem são esses inimigos?
JAYME: Todos sabem. Eles se manifestam nos congressos...
Quase deram cabo de um, lá em Santa Maria, porque não queriam que se falasse em índio nem em castelhano. Em negro, então, Deus me livre falar...
Essa mistura toda nos faz uma raça a parte, temos que conviver com isso.
  


“A PILCHA NÃO FAZ O GAÚCHO”

TARCA: E a música gaúcha?
JAYME: Um exemplo de música gaúcha é o trabalho de um catarinense, o Pedro Raimundo a quem deveríamos erguer um monumento. Era um especialista em xote, que é um ritmo alemão e inglês.
A mazurca, a rancheira, a vanera, são ritmos vindos da Europa. E é aí, onde está a nossa maior cultura, que o pessoal quer depreciar. O bonito é a diversificação.
No entanto, querem caracterizar a nossa música como o bugio, que é um ronco de vanera, de rancheira.

TARCA: Como tu defines a música missioneira?
JAYME: Nós cantamos a música missioneira, mas não existe um debate sobre isso. Foram os missionários que nos trouxeram as maiores contribuições, reunindo os melhores médicos, poetas, arquitetos da época, na Companhia de Jesus.
Eles tinham também o poder econômico, o que os padres detêm até hoje. Aqui, encontraram índios com facilidade para aprender. Imagine, eles fabricavam guitarras e até órgãos.
Eu recebi da Argentina, um inventário que arrolava guitarras “brasileñas”, fabricadas nas Missões.

TARCA: Como o compositor pode inovar a música gaúcha?
JAYME: Este problema já foi enfocado – e mal – na Carta de Uruguaiana. A nossa temática é inesgotável, em torno do cavalo, da tapera, por exemplo.
O Rillo deu uma entrevista, no que foi infeliz ao afirmar que precisamos mudar em forma e conteúdo.
Mas nós temos é que nos valorizar, manter o que é nosso. Ninguém pode limitar e nem há parâmetros para medir a criatividade.
Precisamos é abolir o conceito de que só é gaúcho aquele que usa pilcha. Ora, eu uso a pilcha como um ritual, um culto, mas sou o mesmo, com qualquer vestimenta.

“SOMOS BRASILEIROS POR TEIMOSIA”

TARCA: Então, por que a nossa música custa tanto a ultrapassar as fronteiras?
JAYME: Não falta qualidade, nem falta mercado. A barreira é aqui dentro mesmo.
O Rio Grande do Sul está para o Brasil assim como o Brasil está para os Estados Unidos e os bancos credores. Nós estamos hipotecados. Os nordestinos vêm aqui, são bem recebidos, coisa e tal, fazem uma onda bem grande. Mas não tem a metade da arte do César Passarinho cantando.
Tem ainda a barreira política, imposta ao Rio Grande desde que ele surgiu. O Estado se criou fora da Nação brasileira e continua até hoje, porque não tem governo.
O que acontece hoje é reflexo daquela época; nos consideram outro país, somado à pecha que nos lançam de sermos castelhanos.
Somos brasileiros por teimosia, porque tudo nos leva a nem ser castelhanos, mas sim a ser um outro país. Não devemos modificar para agradar aos outros. Renegar nossas raízes, nunca!

TARCA: Como tu analisas a poesia como instrumento de transformação social?
JAYME: A música e a poesia sempre vão ter em todos os movimentos nacionalistas, de qualquer povo, papel importante. A participação social é ativa, porque poesia é a expressão da alma, é a maneira mais direta de propagação de uma ideologia, é um jeito suave de lançar uma mensagem.
Eu mesmo sou um exemplo de política partidária: fui um dos fundadores do PTB, realizando campanhas em todo o Rio Grande do Sul, através da poesia.

TARCA: Qual é o papel do artista?
JAYME: Ele é o chasque, é o portador da mensagem, não a mensagem. Tem gente que confunde. Na Idade Média, os menestréis cantavam, de castelo em castelo, levando mensagem através da poesia.



“TENHO PAVOR DE CTG”

TARCA: E os festivais de música gaúcha?
JAYME: Sou a favor porque fortalecem o movimento e revelam valores. Mas a grande deficiência está nas comissões julgadoras, nos regulamentos, que são tudo a mesma coisa.
Tem que moralizar, o que tem de plágio é uma brincadeira!
E isso deve ser eliminado na triagem.

TARCA: Agora as comissões estão alegando sotaque...
JAYME: Não precisa ser castelhano para ter sotaque. O cara da fronteira é brasileiro e tem. O Daniel Torres é brasileiro, com todo aquele sotaque. E o Dante Ledesma, conquistou o povo cantando “Orelhano”.
O ritmo, o instrumento e o sotaque estão juntos. Nós temos que lutar é contra essas coisas de “Camisa de Vênus”, que eu tenho asco, contra essa cultura hostil para nós, contra a imprensa que se preocupa em fazer um jornal colorido só de novela com sotaque carioca...

TARCA: E os CTG’s?
JAYME: Tenho horror de CTG. Os militares tomaram conta dos CTG’s no golpe militar de 64. E hoje, essas mesmas pessoas que tomaram conta, estão virando de lado só para continuar no poder. O Onésimo Duarte, presidente do MTG, quer ser constituinte do nativismo. Pode? Que cara de pau!
Eu só participei, em 59, do conselho coordenador, em Cachoeira do Sul.
Depois veio o MTG, que tentava impedir a apresentação de conjuntos que não tinham licença. Até uma apresentação minha com o Cenair, em Caçapava, quiseram impedir. Era uma imoralidade, pedir licença pra eles para cantar.
Esse pessoal adotou siglas só para ter espaço, pra controlar. O que é isso??

“A MORATÓRIA É UM SONHO”

TARCA: Como tu vês a situação da América Latina hoje?
JAYME: A América Latina não tem líderes. Quando surge um, eles matam. Não puderam matar o Fidel Castro, mas o Che Guevara conseguiram.
O Brizola mesmo, veio acomodado para cá, mas se ele se arvora, morre. Ninguém vai entregar o poder assim no más. Na Nicarágua, os americanos vendem armas pra um lado e dão soldado pro outro. Gostaria de ver um louco como o Kadaf aqui no Brasil, sonho com isso, com as diretas e com a moratória para a dívida externa. O Sarney não vai fazer nada. Se tentar, tiram ele fora.

TARCA: Qual é o modelo político-econômico ideal para o Brasil?
JAYME: Eu sou por um modelo nosso, brasileiro, sem copiar ninguém. A primeira coisa é não pagar a dívida externa com a fome.
Cada vez que aparece a notícia de que batemos o recorde em exportação, deveríamos ficar tristes, porque é mais uma coisa para amortizar a dívida. Devia ficar para alimentar o povo, que é quem produz divisas.

TARCA: E com a Nova República, muda alguma coisa?
JAYME: De nova, só tem o nome. Querem comparar o Tancredo com Getúlio Vargas. Tancredo Neves surgiu de repente como estadista. Ele foi ministro do Getúlio. Quando Getúlio caiu, não aconteceu nada pra Tancredo.
Depois, ele foi ministro do Jango e seu maior ato foi levar o Jango para o aeroporto quando ele imigrou. De repente, surge como um baluarte!
A Nova República nasceu disso, tendo, depois, como Presidente, o Sarney, que durante vinte anos foi porta voz da ditadura.

Fotos: Tude Munhoz
Texto: Mariluzza Costa


Fonte: Revista Tarca - ANO II - Nº 08

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