Entrevista
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Gaúcho:
Um Título de Nobreza
Jayme
Caetano Braun, missioneiro, payador e poeta,é
símbolo do nativismo do Rio Grande do Sul. Acredita na arte comomeio
de mudança social e sonha com um país mais livre e justo.Não
confia em CTG’s, nem em comissões julgadoras defestivais.
No entanto, acha que a arte gaúcha podeencontrar
o caminho certo para atingir mercados maiores, desdeque
mantenha a sua autenticidade e explore a própria riqueza.Com
a marca do puro nativismo estampada na alma e na charla,Jayme
Caetano Braun expõe suas razões.
“SE
NÓS SOMOS POVO, NOSSA MÚSICA É POPULAR, BRASILEIRA, ANTES DE SER REGIONALISTA”
TARCA:
Jayme, o que é o gaúcho?
JAYME: Gaúcho é um
estado de alma, uma filosofia de vida. Hoje, a imprensa do cento do País
interpreta a gauchada, só para avacalhar, como uma coisa cômica, uma palhaçada.
Ser gaúcho é ter título
de nobreza.
Em 1930, a entidade nativista
uruguaia “Los Tientos” fez uma pesquisa sobre o gaúcho. Chegaram num rancho de
um paisano velho, lança na porta, chiripá, bota garrão de potro, e perguntaram
o que é ser gaúcho.
Bueno, disse ele,
“conheci muitos gaúchos. E que gaúchos! Um branco, um moreno, um índio e até um
inglês. Que gaúcho toro! Foi o mais gaúcho que conheci”.
Pra mim, a palavra vem
de “guacho”, que quer dizer gaudério, teatino.
Agora, não sei o que
deu na cabeça do Tau Golin, para querer destruir a história. Só porque não gosta
dos estancieiros...
NATIVISMO/ABERRAÇÃO
TARCA:
O que é o nativismo?
JAYME: Ninguém dizia
esta palavra quando vim pra Porto Alegre. Não afirmo que fui eu que a trouxe,
como o Nico Fagundes faz com o bombo leguero, instrumento que o índio sempre
usou aqui, que ninguém trouxe.
Todo mundo falava
“tradicionalismo”.
Num pinga-fogo de
rádio, a questão foi levantada e o Nico respondeu: “problema do chimango, ele é
missioneiro, eu sou brasileiro”.
Hoje, para essa gente,
eu é que sou tradicionalista. E os que viam a palavra “nativismo” como
aberração, hoje a usam para identificar seu trabalho.
TARCA:
Existe uma polêmica divisão entre o tradicionalismo, agregado a CTG’s, e o
nativismo, identificado nos trabalhos independentes. É isso mesmo?
JAYME: Dizem que o Raul
Ellwanger é nativista. Na verdade, ele fez um estágio no nativismo latino, mas
lançou um disco que não é nativo.
A separação não está
bem delimitada. Aí entra o problema da literatura, dos escritores nativistas.
Uma vez, para eu
participar de um encontro, o Luiz de Miranda, então presidente da Associação
Gaúcha de Escritores, me mandou uma ficha de inscrição. Ora, eu não estava
pleiteando nenhuma vaguinha! Agora, não admito um encontro de escritores
gaúchos sem a presença do Rillo, Colmar Duarte, Retamozzo, Barbosa Lessa,
Paixão Côrtes e tantos outros.
TARCA:
Como tu defines a música popular brasileira?
JAYME: Pra mim não
existe música popular brasileira. Existem músicas populares. Se nós somos povo,
nossa música é brasileira, é popular, antes de ser regionalista.
Essa divisão chegou ao
cúmulo de dividir, em um debate, a poesia do Rio Grande do Sul entre nativa e
gaúcha. Parece brincadeira... Os culpados disso estão aqui mesmo, dentro da
trincheira. No resto do Brasil ninguém é contra nós.
TARCA:
Quem são esses inimigos?
JAYME: Todos sabem.
Eles se manifestam nos congressos...
Quase deram cabo de um,
lá em Santa Maria, porque não queriam que se falasse em índio nem em
castelhano. Em negro, então, Deus me livre falar...
Essa mistura toda nos
faz uma raça a parte, temos que conviver com isso.
“A
PILCHA NÃO FAZ O GAÚCHO”
TARCA:
E a música gaúcha?
JAYME: Um exemplo de
música gaúcha é o trabalho de um catarinense, o Pedro Raimundo a quem
deveríamos erguer um monumento. Era um especialista em xote, que é um ritmo
alemão e inglês.
A mazurca, a rancheira,
a vanera, são ritmos vindos da Europa. E é aí, onde está a nossa maior cultura,
que o pessoal quer depreciar. O bonito é a diversificação.
No entanto, querem
caracterizar a nossa música como o bugio, que é um ronco de vanera, de
rancheira.
TARCA:
Como tu defines a música missioneira?
JAYME: Nós cantamos a
música missioneira, mas não existe um debate sobre isso. Foram os missionários
que nos trouxeram as maiores contribuições, reunindo os melhores médicos,
poetas, arquitetos da época, na Companhia de Jesus.
Eles tinham também o
poder econômico, o que os padres detêm até hoje. Aqui, encontraram índios com
facilidade para aprender. Imagine, eles fabricavam guitarras e até órgãos.
Eu recebi da Argentina,
um inventário que arrolava guitarras “brasileñas”, fabricadas nas Missões.
TARCA:
Como o compositor pode inovar a música gaúcha?
JAYME: Este problema já
foi enfocado – e mal – na Carta de Uruguaiana. A nossa temática é inesgotável,
em torno do cavalo, da tapera, por exemplo.
O Rillo deu uma
entrevista, no que foi infeliz ao afirmar que precisamos mudar em forma e
conteúdo.
Mas nós temos é que nos
valorizar, manter o que é nosso. Ninguém pode limitar e nem há parâmetros para
medir a criatividade.
Precisamos é abolir o
conceito de que só é gaúcho aquele que usa pilcha. Ora, eu uso a pilcha como um
ritual, um culto, mas sou o mesmo, com qualquer vestimenta.
“SOMOS
BRASILEIROS POR TEIMOSIA”
TARCA:
Então, por que a nossa música custa tanto a ultrapassar as fronteiras?
JAYME: Não falta
qualidade, nem falta mercado. A barreira é aqui dentro mesmo.
O Rio Grande do Sul
está para o Brasil assim como o Brasil está para os Estados Unidos e os bancos
credores. Nós estamos hipotecados. Os nordestinos vêm aqui, são bem recebidos,
coisa e tal, fazem uma onda bem grande. Mas não tem a metade da arte do César Passarinho
cantando.
Tem ainda a barreira
política, imposta ao Rio Grande desde que ele surgiu. O Estado se criou fora da
Nação brasileira e continua até hoje, porque não tem governo.
O que acontece hoje é
reflexo daquela época; nos consideram outro país, somado à pecha que nos lançam
de sermos castelhanos.
Somos brasileiros por
teimosia, porque tudo nos leva a nem ser castelhanos, mas sim a ser um outro
país. Não devemos modificar para agradar aos outros. Renegar nossas raízes,
nunca!
TARCA:
Como tu analisas a poesia como instrumento de transformação social?
JAYME: A música e a
poesia sempre vão ter em todos os movimentos nacionalistas, de qualquer povo,
papel importante. A participação social é ativa, porque poesia é a expressão da
alma, é a maneira mais direta de propagação de uma ideologia, é um jeito suave
de lançar uma mensagem.
Eu mesmo sou um exemplo
de política partidária: fui um dos fundadores do PTB, realizando campanhas em
todo o Rio Grande do Sul, através da poesia.
TARCA:
Qual é o papel do artista?
JAYME: Ele é o chasque,
é o portador da mensagem, não a mensagem. Tem gente que confunde. Na Idade
Média, os menestréis cantavam, de castelo em castelo, levando mensagem através
da poesia.
“TENHO
PAVOR DE CTG”
TARCA:
E os festivais de música gaúcha?
JAYME: Sou a favor
porque fortalecem o movimento e revelam valores. Mas a grande deficiência está
nas comissões julgadoras, nos regulamentos, que são tudo a mesma coisa.
Tem que moralizar, o
que tem de plágio é uma brincadeira!
E isso deve ser
eliminado na triagem.
TARCA:
Agora as comissões estão alegando sotaque...
JAYME: Não precisa ser
castelhano para ter sotaque. O cara da fronteira é brasileiro e tem. O Daniel
Torres é brasileiro, com todo aquele sotaque. E o Dante Ledesma, conquistou o
povo cantando “Orelhano”.
O ritmo, o instrumento
e o sotaque estão juntos. Nós temos que lutar é contra essas coisas de “Camisa
de Vênus”, que eu tenho asco, contra essa cultura hostil para nós, contra a
imprensa que se preocupa em fazer um jornal colorido só de novela com sotaque
carioca...
TARCA:
E os CTG’s?
JAYME: Tenho horror de
CTG. Os militares tomaram conta dos CTG’s no golpe militar de 64. E hoje, essas
mesmas pessoas que tomaram conta, estão virando de lado só para continuar no
poder. O Onésimo Duarte, presidente do MTG, quer ser constituinte do nativismo.
Pode? Que cara de pau!
Eu só participei, em
59, do conselho coordenador, em Cachoeira do Sul.
Depois veio o MTG, que
tentava impedir a apresentação de conjuntos que não tinham licença. Até uma
apresentação minha com o Cenair, em Caçapava, quiseram impedir. Era uma
imoralidade, pedir licença pra eles para cantar.
Esse pessoal adotou
siglas só para ter espaço, pra controlar. O que é isso??
“A
MORATÓRIA É UM SONHO”
TARCA:
Como tu vês a situação da América Latina hoje?
JAYME: A América Latina
não tem líderes. Quando surge um, eles matam. Não puderam matar o Fidel Castro,
mas o Che Guevara conseguiram.
O Brizola mesmo, veio
acomodado para cá, mas se ele se arvora, morre. Ninguém vai entregar o poder
assim no más. Na Nicarágua, os americanos vendem armas pra um lado e dão
soldado pro outro. Gostaria de ver um louco como o Kadaf aqui no Brasil, sonho
com isso, com as diretas e com a moratória para a dívida externa. O Sarney não
vai fazer nada. Se tentar, tiram ele fora.
TARCA:
Qual é o modelo político-econômico ideal para o Brasil?
JAYME: Eu sou por um
modelo nosso, brasileiro, sem copiar ninguém. A primeira coisa é não pagar a
dívida externa com a fome.
Cada vez que aparece a
notícia de que batemos o recorde em exportação, deveríamos ficar tristes,
porque é mais uma coisa para amortizar a dívida. Devia ficar para alimentar o
povo, que é quem produz divisas.
TARCA:
E com a Nova República, muda alguma coisa?
JAYME: De nova, só tem
o nome. Querem comparar o Tancredo com Getúlio Vargas. Tancredo Neves surgiu de
repente como estadista. Ele foi ministro do Getúlio. Quando Getúlio caiu, não
aconteceu nada pra Tancredo.
Depois, ele foi
ministro do Jango e seu maior ato foi levar o Jango para o aeroporto quando ele
imigrou. De repente, surge como um baluarte!
A Nova República nasceu
disso, tendo, depois, como Presidente, o Sarney, que durante vinte anos foi
porta voz da ditadura.
Fotos: Tude
Munhoz
Texto: Mariluzza
Costa
Fonte: Revista Tarca - ANO II - Nº 08
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