Sou india, sou virgem, sou linda, sou debil:
E’ quanto vós outros, oh tapes dizeis!
Sabei, bravos tapes, qu’eu sei com destreza
Cravar minhas settas no peito dos reis!
Sabei que não canto somente prazeres,
Sabei que não gemo somente de amores,
Sabei que nem sempre vagueio nos bosques,
Sabei que nem sempre me adorno de flores.
Meus labios não beijam os labios do amante,
Meus labios combatem tyrannicas leis,
Meus labios são como trovões estupendos,
Que cospem coriscos na face dos reis.
Quem viu-me nas liças, quem viu-me cobarde
Aos silvos da flecha, quem viu-me escoar?
Eu sou como a onça pequena e valente,
E sei os perigos da guerra affrontar.
Enchi meus carcazes de agudas taquaras,
Que iguaes nas florestas jamais achareis
E dessas taquaras fataes é que pendem
As vidas infames de todos os reis.
Sou india, não nego; meus finos cabellos,
Qual juba ferina, bem longos que são!
Porém neste peito, que fervido pulsa,
E’ masculo, oh tapes, ou é de um leão!
Meu animo, oh tapes, aqui vos conjuro,
Bem cedo meu animo ardente vereis:
Que eu já me preparo co’as settas melhores;
Que saibam cravar-se no peito dos reis.
Eu tenho cingidos na fronte, oh guerreiros,
Seis dentes de cabos de imigas cohortes:
Na paz os meus dedos desfiam amores,
Na guerra os meus dedos disparam mil mortes!
São seis as victorias que cingem-me a testa;
Não vedes, oh tapes, meus louros são seis!
Quem cinge na testa seis louros de gloria,
Não teme essas tropas compradas dos reis.
As minhas façanhas espantam os tapes,
Invejam-me todos as altas façanhas:
Só ellas são como penhascos gigantes,
Só ellas são como brasilias montanhas.
Só ellas não curvam-se ao mando dos homens,
Sõ ellas conculcam despoticas leis;
Só ellas humilham a fronte aos tyrannos,
Só ellas abalam os thronos dos reis.
Meus membros são debeis, qual junco flexivel
Meu pé tão mimoso (dizeis) tão maneiro;
Meu pé tão mimoso, sabeis que elle esmaga
o collo possante do vil estrangeiro!
Sou india, sou virgem, sou debil, sou fraca;
Só isso vós, tapes, injustos, dizeis:
Sabei, bravos tapes, que-eu sei com destreza
Cravar minhas settas no peito dos reis.
JUNQUEIRA FREIRE.
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Lythotypo de H. Schroeder.
Fonte: Cabrião: semanário humorístico editado por Ângelo Agostini, Américo de Campos e Antônio Manoel dos Reis: 1866-1867. Ed. fac-similar/introdução de Délio Freire dos Santos. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado: Arquivo do Estado, 1982, p. 238.
Reprodução fac-similar do original de 51 fascículos, publicado em São Paulo no período de 30 de setembro de 1866 a 29 de setembro de 1867.
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