segunda-feira, 14 de março de 2022

1927 (Diário de Cecília)

 

Chácara de Melo, (Bela Vista), Uruguai, quarta-feira, 12 de janeiro


O ano de 1927 já tem 12 dias. Se continuar como começou, promete ser triste e cheio de saudades.


Depois da invasão do Zeca Neto, no dia 24 de novembro passado, atravessamos os dias mais cruéis e angustiosos da nossa vida, até que a 3 de dezembro tivemos as primeiras notícias da coluna revolucionária, trazidas pelos tenentes Canrobert e Anibal Nunes.


Emissários do general Neto, vieram pedir ao Papai que conseguisse munição e armas. A coluna se encontrava na mais absoluta falta de recursos, perto da fronteira uruguaia. Então tratamos de chamar imediatamente o Papai e a Mamãe, que logo vieram da Estância Nova, falar com os tenentes.


Com surpresa, vimos chegar um auto, por volta do meio-dia, trazendo o Boy, Ramon Silva, Hildebrando, acompanhados do Thomaz Collares.


Foi um dia terrível, cheio de emoções.


O Boy, muito barbudo, cansado, sujo, maltrapilho, nos fez chorar de alpívio por ter conseguido voltar são e salvo.


O Ramon Silva vinha com um ferimento no braço.


Perguntamos pelos companheiros que tinham partido com eles; soubemos então que alguns dos mais queridos não voltariam mais. Haverá coisa mais triste do que uma guerra civil?


Quantos sacrifícios, quantas vidas perdidas (que nunca, nunca poderão ser substituídas), quantas lágrimas de desespero – para obter uma coisa tão justa e à qual todos os povos têm direito!


Ainda esta tarde um dos oficiais refugiados aqui em casa estava acendendo o cigarro e o Caloca [Carlos Guerreiro Firpo], que eu tinha no meu colo, pediu o isqueiro para brincar.


Eu sei tirar fogo - disse o menino – o Salvaterra me ensinou”.


Não é só ele que se lembra a cada passo dos que não voltaram. Cada recordação é como ferro em braza numa ferida aberta.


Mas Deus é bom porque nos deu a esperança de ver aparecer um dia sobreviventes do desastre da balsa, ocorrido no Passo da Guarda do Camaquã, na noite de 16 de dezembro de 1926.


Só foi encontrado o corpo do Medina.


Dos outros sete não há até agora vestígios, o que leva a crer que algum deles possa aparecer ainda, por milagre.


Fonte: Assis Brasil, Cecília. Diário de Cecília Assis Brasil, org. por Carlos Reverbel. Porto Alegre, L&PM, 1983, p. 125/126.




Capa: L&PM Editores sobre foto do Castelo de Pedras Altas, Rio Grande do Sul.

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