terça-feira, 15 de março de 2022

Capistrano de Abreu (Diário de Cecília, 1923/27)

 

Sexta-feira, 1º de junho de 1923


O sr. Capistrano de Abreu distribuiu aqui em casa a folha que mandou imprimir contra as homenagens que lhe seriam prestadas a 23 de outubro, dia do seu aniversário.


Diz o seguinte: “Segundo sou informado trama-se para meu próximo aniversário uma patuléia, poliantéia, ou coisa pior e mais ridícula, se for possível. Aos meus amigos previno que considero a tramóia como profundamente inimistosa. Não poderei manter relações com quem assim tenta desmoralizar-me. Custe o que custar. - Rio, dia do Corpo de Deus, 1923”.


Quantas pessoas terão pensado mais ou menos assim, diante de projetada apreciação pública dos atos e feitos da sua vida? É mais uma prova da originalidade e da independência, quase brutalmente sincera, do nosso Capistrano.


Rendez-vous semi-político esta noite.


Tomaram parte o Hasslocher, Juquinha Azeredo, dr. Pádua Rezende, Nenê Pinheiro Machado, dr. Batista Pereira (vulgo Batistinha), genro de Rui Barbosa, Henrique Souza Lobo, Silveira Martins e o infalível Alípio, desta vez sem o Fernando.


Capistrano batizou o Batistinha de Cinocéfalo.


Cruel, but true.


Domingo, 21 de agosto de 1927


Soube pela dona Faustina que o nosso velho amigo Capistrano de Abreu faleceu há alguns dias.


Lembrei-me da última vez que ele esteve em Pedras Altas. Perguntei-lhe na despedida:


E agora, quando volta?”


E ele:


A gente também precisa morrer, menina”.


Temos aqui e em Pedras altas muitos livros dados por ele. E as lindas redes que presenteou à Mamãe emigraram conosco.


As únicas lições de português que tive foram dadas por ele e pelo Papai.


Adeus!


Sentimos muito.


Sexta-feira, 2 de setembro 1927


Madrugamos todas para tirar leite. Estava muito frio. Chuviscava.


O Raimundo e o João Francisco são os únicos homens que se mantêm de pé.


As mulheres, por enquanto, vão guapeando, felizmente.


O chofer diz que passou mal a noite. Pediu licença para ir tratar-se com um curandeiro, em Melo.


O capitão João Cavalheiro, ainda de cama.


Até o velho major Varela recolheu-se aos seus aposentos., apesar de ter garantido que não adoeceria.


Estou em preparativos para minha próxima viagem a Bagé.


Recebemos uma carta da Lina, falando da morte do pobre Capistrano.


Informa que foi publicado um necrológio muito bem feito, em “O Jornal”, pelo Assis Chateaubriand.


Saiu um retrato dele, tirado depois de morto, no qual a Mamãe e o Papai aparecem no reflexo de um espelho.


Quarta-feira, 7 de setembro de 1927


A malvada da gripe prendeu-me na cama todo o dia.


Assim perdi todas as festas e a inauguração da Praça dos Esportes.


Quando o Papai plantou as árvores dessa Praça, sugeriu ao intendente da época que ali se fizesse um parque esportivo, para recreio da juventude bageense.


Essa ideia tornou-se agora realidade, mas com certeza ninguém mais se lembra de onde ela partiu.


Como qualquer outro ente civilizado, li na cama os jornais da manhã.


Primeiro, o governista, “O Dever”.


E como contra-veneno, o “Correio do Sul”, do Fanfa Ribas.


Havia uma carta do general Miguel Costa chamando o dr. Washington Luís de “idiota”, com toda a naturalidade.


A imprensa local transcreveu um soneto da Honorina (Soror Maria José de Jesus) sobre a morte de Capistrano de Abreu, seu pai.


Fonte: Assis Brasil, Cecília. Diário de Cecília Assis Brasil, org. por Carlos Reverbel. Porto Alegre, L&PM, 1983, p. 62/63/151/152/154/155.




Capa: L&PM Editores sobre foto do Castelo de Pedras Altas, Rio Grande do Sul.

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