terça-feira, 15 de março de 2022

João Cavalheiro (Diário de Cecília, 1927)


Quinta-feira, 28 de julho


Chegou um moço, com um cavalo de tiro. Vem fugindo das perseguições dos chimangos. Trouxe um cartão de recomendação do Zeca Martins, em cuja estância ele estava.


Chama-se João Cavalheiro. É revolucionário de 25 e 25 e fez toda a cruzada de 26 com a gente do coronel Favorino, na coluna do Zeca Neto. Chegou ao posto de capitão.


Ele tem nos contado muita coisa interessante, inclusive a morte do coronel Favorino, envenenado por uma menina de 11 anos, criada desde que nasceu na casa do coronel.


Um dia o velho tropeçou numa gamela, ao sair de dentro da casa. Por isso ralhou com a menina. Então, para se vingar, ela despejou um pouco de cianureto no copo de água que costumava deixar na mesa de cabeceira do coronel.


Antes de se deitar, ele tomou a água. E foi logo dizendo:


Esta água tem alguma porquera, e éveneno, porque já estou todo queimado por dentro”.


Em seguida começou a cambalear, disse que estava bem tonto, e morreu dentro de meia hora.


A menina, interrogada pelas autoridades, confessou tudo, sem mostrar o menor remorso pela barbaridade. A sua família ficou desnorteada, e o pai dela, um velho muito bom, quase perdeu o juízo.


A tal não pode ser julgada - diz o narrador – porque ainda não tem idade”.


E acrescentou:


Um caso desses não tem remédio, parece; deviam dar-lhe um copo de cianureto, também”.


O capitão João Cavalheiro recebeu nove balaços no corpo e teve uma perna quebrada.


Conta suas aventuras na linguagem pitoresca dos gaúchos, dando graças a Deus que a bala que lhe atravessou o “figo” não lhe tivesse furado o “felix”.


Teve o pulso, o estômago e o pulmão varados à bala.


Ferido, esteve escondido nuns matos, sendo afinal encontrado pelos companheiros, abichado numa perna.


E agora anda por aqui, são e salvo. Nem rengueia. “Só quando o tempo está de chuva sinto dores por dentro”.


O capitão João Cavalheiro deu notícias do Higino. Embora visado pelos chimangos, anda às claras, até em Caçapava. E ninguém o persegue, pois ameaçou matar uma família inteira, se lhe tocarem com um dedo...


Fonte: Assis Brasil, Cecília. Diário de Cecília Assis Brasil, org. por Carlos Reverbel. Porto Alegre, L&PM, 1983, p. 148/149.




Capa: L&PM Editores sobre foto do Castelo de Pedras Altas, Rio Grande do Sul.

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