Quinta-feira, 26 de outubro
Primeiro dia de verão. Acabei de ler Capitain Courageous, de Kipling.
Apareceu, pela manhã, vinda de Alegrete, a velha Sia Josefa. Veio ver o Florêncio, seu afilhado. Pediu bóia e pousada.
Os tiros que ouvimos ontem foram dados numa briga, entre a polícia da Estação.
Abri inquérito e apurei o seguinte: estava na venda do Pinho um praça do Tutuca (delegado), muito mal encarado e bêbado. Como estivesse armado, mandaram chamar o inspetor Sabino, para tirar-lhe as armas.
Chega o Sabino todo bem vestido. Estava num casamento, completamente desarmado. Intimou o sujeito a entregar o revólver. Este respondeu mal, saiu discussão e o Sabino acabara levando um tiro.
Aí apareceu um outro praça e entrou na briga, de vereda, respondendo ao primeiro tiro.
Em seguida surgiu o Tutuca, acompanhado de dois praças. E dispararam seus revólveres contra o indefeso Sabino.
De repente, surge um tal Ramão e não sei quem mais.
Caíram de facadas e tiros também sobre os agressores do Sabino.
Resultado: quatro homens feridos, a começar pelo Sabino, com seis balaços, um deles passando pelo “figo”.
Todos acham que ele morre. Foi levado para Bagé em trem especial, assim como o Tutuca (com um enorme talho no crâneo), e mais um praça, que está à morte.
Segunda-feira, 30 de outubro
Os cinamomos estão todos em flor.
A Mamãe anda muito abatida, mas eu a conheço bem demais para saber que é inútil insistir, pedindo-lhe que se poupe.
Que bom que o Papai voltasse…
Bordei durante o temo que pude. Debulhamos favas. Visitei a Matutina, do Bernardino Bueno, para falar em negócios.
Deitei duas galinhas W. W.. Achei uma ninhada de 24 ovos, das galinhas do Maneca.
Fez muito calor.
Li algumas Tales do E. Poe. Como é que esse homem podia imaginar tantos horrores?
Sábado, 23 de dezembro
Levantei cedo, tosei as lídias, limpei o dog’s room e cortei o pasto dos frisos do jardim.
Depois fui tomar mate na Floresta.
Quando o trem chegou, Boy, Quinquim e eu fomos ao encontro do Papai e Seu Januário, que vinham da Estação. É a primeira vez que o vejo. É muito calado e simpático. Tomou mate de vereda.
O dr. Cabral veio cá almoçar. Gostou dos meus Petit Suisses.
Fiz manteiga e ajudei a Maninha a ensaiar um plumpudding.
De tarde o Papai, Seu januário, Boy e Dolores saíram a cavalo.
Chegaram muitos números atrasados da Illustration.
A Lina já bate palmas.
Domingo, 24 de dezembro
Arrumamos a árvore de Natal na sala do piano.
Fomos à Estação. Chegaram o dr. Osório, Dona Faustina, Dona Lola e a égua do dr. Osório, Morena, com os joelhos esfoladíssimos.
Na Estação fui apresentada ao coronel Pedro Osório.
Muito cedo vieram visitar Papai uns doutores Requeijão, isto é, Requião, pai e filho.
O dr. Osório voltou hoje mesmo. Levou pêssegos.
Depois do jantar ouve a festa de Natal. Todos receberam presentes. Os peões receberam seis pares de meias cada um, de todas as cores existentes no arco-íris e fora dele.
Desabou grande temporal.
Pedras Altas, segunda-feira, 1º de janeiro de 1917
Que 1917 nos traga felicidade!
O dia raiou lindo e o Ano Novo foi recebido alegremente por todos. Não velamos a morte de 1916 porque queríamos madrugar para fazer os preparativos necessários a uma viagem que ficou engatilhada desde ontem.
Levantei-me então às 5 e meia e vi o sol e o dia e o ano nascerem ao mesmo tempo, num jorro de luz e no meio de nuvens magnificamente coloridas. Enquanto me vestia olhei pela janela e vi Papai, arrancando uma carqueja no jardim.
Foi a primeira coisa que ele fez em 1917.
Quando desci levei uns rolos de papel nos quais tinha escrito versos para oferecer às pessoas de mais importância na casa. Peço mil desculpas ao V. Hugo por ter parodiado seu belo poema A Mlle. Louise B. que faz parte dos Chants du Crépuscule.
Éramos 16 pessoas no passeio à casa do seu Lauro. Enchemos um vagão. Também foram a banda de música e um grupo de moças pedraltenses.
Depois do almoço fomos ao rancho da Sia Basilissa.
Pegamos uns matungos velhos e lerdos. Montei num tordilho-vinagre chamado Garça, de muito bom cômodo, mas manso como cordeiro.
Pela primeira vez na minha vida andei a cavalo enganchada. Gostei mais do que da outra posição. Pena a Mamãe não gostar que eu monte assim.
Fonte: Assis Brasil, Cecília. Diário de Cecília Assis Brasil, org. por Carlos Reverbel. Porto Alegre, L&PM, 1983, p. 13/14/24/31/32.
Capa: L&PM Editores sobre foto do Castelo de Pedras Altas, Rio Grande do Sul.
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