Quarta-feira, 8 de agosto
Só hoje tenho tempo de relatar o que foi o chá-dançante. É meia-noite, todos estão dormindo, escrevo na cama, correndo o risco de manchar os lençóis do América Hotel, que usamos nesta casa.
O chá-dançante excedeu às nossas mais otimistas expectativas. Compareceu a melhor gente do Rio. A melhor orquestra local. Os doces, sorvetes e refrescos feitos pelas senhoras promotoras não podiam ser melhores. Houve uma tômbola de um quadro do pintor Jorge Mendonça. Rendeu um conto e 500. Os bilhetes foram vendidos pelas moças. Obtive pelos meus 200 mil réis. Também, recorri aos capitalistas presentes.
Dancei bastante. O Quinzinho quase me arrancou as fivelas dos sapatos. Jantamos (depois das 9 horas) e fui direitinho para a cama, pois no dia seguinte teríamos de ir à Itaipava.
Achei a viagem linda. À medida que o trem sobe a gente começa a respirar facilmente aquele ar tão leve.
Ao chegar a Petrópolis encontramos o Luiz Prates. Estava apavorado com uma epidemia de meningite cérebro-espinhal, que diziam grassar em Itaipava. Fez o possível para nos dissuadir do passeio. Acabou, porém, indo também.
Almoçamos na Pensão Central, onde já moramos “em priscas eras que bem longe vão”.
Como gostei de passar pelas velhas ruas de Petrópolis, recordando confusamente os passeios que fazia em criança, e sentindo pela primeira vez, depois de tantos meses, o vento frio arder-me na cara.
Continuamos o passeio de automóvel, até Itaipava.
No percurso, tudo que via estava cercado de verdes, verdes, verdes, por todos os lados, de todos os tons, desde o verde-sujo dos eucaliptos ao verde-esmeralda do capim novo brotando depois do primeiro corte.
Como gostei de descansar os olhos nas coisas maravilhosas da natureza selvagem.
Como há verdes tão lindos neste velho mundo!
Em Itaipava não parei enquanto não fiquei conhecendo tudo.
Visitamos a fazenda do Jaime. Se ele tiver persistência de continuar a criar é bem possível que se torne um criador de verdade e não um diletante que se satisfaz com um déficit anual de 100 contos de réis.
Eu queria agarrar todos os homens esclarecidos e de boa vontade como ele e introduzir-lhes um pouco da experiência e sabedoria do Papai.
Quantas cabeçadas inúteis deixariam de dar e como o nosso País lucraria com isso. É um erro profundo querer criar gado mestiço eternamente, como querer criar pura uma raça que por todos os motivos do mundo não se adapta à região. A degenerescência será infalível.
Em caminho, de volta para Petrópolis, paramos um quarto de hora no sítio de Luiz Prates, para o Papai conhecer o gado Devon que ele cria. Tive uma surpresa quando vi que o pequeno rodeio era de gado Devon de verdade. Havia nele algumas vacas, que, com certeza, dariam um peso notável, se não fosse a deficiência das pastagens.
O maior problema dos criadores daqui é o das pastagens. Por mim, desistia. Não teria coragem de criar gado nestes pagos.
Fonte: Assis Brasil, Cecília. Diário de Cecília Assis Brasil, org. por Carlos Reverbel. Porto Alegre, L&PM, 1983, p. 68/69/70.
Capa: L&PM Editores sobre foto do Castelo de Pedras Altas, Rio Grande do Sul.
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