terça-feira, 7 de junho de 2022

Pescaria (Paulo Motta)


Tomei os remédios que a técnica do plantão trouxe. Furou meu dedo para medir o HGT, índice de glicose. Está no padrão. Brabo é que furam meus dedos das mãos – são dez – e pareço um paliteiro, todo furado, mas não tem jeito.


Lembro quando espetava meus dedos colocando iscas em anzóis, tentando me familiarizar com o esporte que meus colegas adoravam: pescaria. Pescaria e futebol foram duas coisas que bani da minha vida esportiva por pura incompetência. Mas cheguei a ir numa pescaria com meus amiguinhos, lá em São Borja.


Conseguimos uma cabana dum amigo do pai do Hilton Marchiori, o Capincho; arrumamos linhas, iscas, anzóis e um monte de tralhas pra pescaria, tudo emprestado. Ah!, e dois garrafões de cachaça.


Fomos na picape Chevrolet vermelha do Saquinho, que era lástimável; a direção amarrada com arame e os freios funcionavam na base do acaso. Lá fomos nós, em alegre e saltitante bando, uns sete doidos amontoados na picape infernal.


Chegamos na cabana, na beira do Rio Uruguai, perto do anoitecer, e tínhamos que estacionar a camionete num barranco de frente pra parede lateral da cabana, pois a bosta não tinha arranque.


A casa era superorganizadinha, camas, três peças, banheiro na rua.


Os garrafões de canha foram abertos e lá pelas oito da noite todos já falavam javanês.


Não tinha luz elétrica, só liquinho e velas. O Léo Castilhos fez um arroz com linguiça, comemos a gororoba e os caras acharam uma canoa num galpão e resolveram se lançar ao rio pra pescar.


Acho que eu era o mais sóbrio da horda de bárbaros. Quando vi uns quatro dentro daquela casquinha que eles chamavam de canoa, me deu um calafrio, juro!


E sumiram na escuridão do rio aos gritos, como se fossem invadir a Noruega!


Em seguida, ouvi tiros vindos do mato.


O Saquinho achou duas armas de caça, de cartuchos, ele e o Rogério Krieger estavam no mato caçando. Naquele breu, iriam se matar, os desgraçados! E caçar o quê?


Me enfiei na cabana e cochilei até acordar com a gritaria dos canoeiros. Chegaram molhados como patos, a canoa emborcou com todos, quase morreram, perderam linhas, espinhéis, iscas artificiais, tudo emprestado.


Mas Deus protege os borrachos!


Eram umas 4 da manhã, entraram todos numa algazarra e vá canha!


O Capincho e o Saquinho estavam alucinados com as armas nas mãos, tanto que deram uns três tiros pro alto. Dentro da cabana. Abriu cada buraco no teto de se prestar atenção!


Pra encurtar o relato, pela manhã todos em pé, com cara de cataplasma, fazendo o levantamento da esculhambação. Os buracos no teto não tinham conserto, as armas dava para limpar, a canoa guardamos, então vamos embora.


Aí vem a parte de empurrar a camionete no barranco para dar arranque. Empurramos, a camionete desceu, pegou no tranco e se foi em direção à cabana do homem. Os freios, nem tchuns. Pronto, derrubamos metade da parede da cabana! Azar, vambora!


Chegamos em São Borja e somente dois dias depois começamos a dar explicações pra quem tinha nos emprestado alguma tralha! A cabana do cara, tivemos que pagar o conserto e a minha tímida carreira de pescador terminou ali. Prefiro pescaria de quermesse.


Fonte: Motta, Paulo. Paulo Motta: o rei de Bulhufas. Porto Alegre, Editora Escuna, 2022, p.37/39.




Capa: Larissa Dall’Agnese Martins

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