domingo, 16 de outubro de 2022

Justino Martins por Carlos Reverbel

 


Fui procurado por duas alunas da faculdade de Comunicação da PUC, que angariavam subsídios, como participantes de uma equipe, sobre a história da imprensa rio-grandense. Tocara-lhes, na distribuição das tarefas, o capítulo referente à extinta Revista do Globo, de cuja redação fiz parte, em priscas eras, como chefe, não editor.


Aliás, ainda não me passou pelo esôfago a nomenclatura hoje adotada na organização jornalística, em que todo o mundo é editor (por influência do “imperialismo” norte-americano), menos o dono da empresa.


Como conservador empedernido, senão reacionário, continuo apegado ao antigo sistema, em que, além do diretor (“o nosso querido diretor, na versão de Aporely), havia o redator-chefe, o secretário, o chefe da reportagem, os cronistas de arte, o crítico literário, os encarregados das diversas seções (a esportiva, a policial, a econômico-financeira, etc.) mais os editorialistas e colaboradores avulsos que, de modo geral, se entendiam diretamente com o diretor.


Editor, mesmo, somente o dono da empresa, que devia responder pela orientação (nem sempre retilínea) e pelos lucros e perdas da publicação, geralmente de vida efêmera, com magros lucros e adiposas perdas.


Os franceses, no seu inexpugnável conservadorismo, continuam como dantes no quartel de Abrantes. Temos, então, numa revista como L’Express, uma infinidade de atribuições com rotulagem antiquada (diretor da redação, redator-chefe, redatores-chefes-adjuntos, chefes de seção, editorialistas, grandes repórteres, etc.), menos editores, a não ser, naturalmente, o dono ou donos do negócio.


Bueno (como dizia Getúlio Vargas), as alunas da Faculdade de Comunicação da PUC fizeram muito bem, lembrando a Revista do Globo, na hora em que saíram a campo para pesquisas sobre a história da imprensa rio-grandense. Embora sediada na área menos estratégica, geograficamente (e ainda por cima, acoimada de excessivamente regionalista, quando não tisnada de castelhanismo), a Revista do Globo realizou a façanha de ter sido a primeira publicação do gênero (com exceção dos cariocas) que conseguiu circulação nacional, colocando-se em segundo lugar no País, pela sua grande tiragem, na época.


Este fato se reveste, a meu juízo, da seguinte significação histórica, em termos jornalísticos: veio demonstrar a viabilidade do lançamento fora do Rio de Janeiro, de órgão de imprensa hebdomadária (com perdão da má palavra), capazes de adquirir projeção nacional, coisa que nem mesmo os paulistas haviam conseguido realizar. Aliás, existia naquela época a superstição de que revista “não pegava” em São Paulo, o que era evidentemente uma bobagem, mas não se pode deixar de reconhecer que correspondia a uma estranha realidade, hoje completamente mudada.


Tendo as moçoilas em flor, na sua natural curiosidade de futurosas estagiárias (recomendo-as, desde já, ao Edmundo Soares), me indagando a que atribuía o singular êxito da Revista do Globo, fundamentei minha resposta em dois fatores decisivos: a infraestrutura da Livraria e da editora Globo, já então a serviço de “um certo Henrique Bertaso”, e o gênio “revisteiro” de um jovem ajudante de pedreiro recém-chegado de Cruz Alta – Justino Martins.


O Justino veio de Cruz Alta com todos os preparatórios, tendo tirado de letra o vestibular de Medicina, mas geralmente se dizia ajudante de pedreiro (com a construção de engenhoso muro no seu currículo), mudando de categoria obreira, conforme o auditório, já então para aprendiz de foguista da Viação Férrea (com sérios riscos de incineração nas fornalhas das antigas “marias-fumaça”), o que viria proporcionar-lhe altos dividendos, principalmente nas suas primeiras e ainda obscuras abordagens ao então chamado bel sexo.


Foi parar na Revista do Globo como teria agarrado, com unhas e dentes, qualquer outro emprego, porque afinal de contas precisava trabalhar para tornar-se esculápio, mas era aquele, não a faculdade de Medicina, o lugar para o qual ele fora predestinado. Depois de algum tempo de aprendizagem, por sua conta e risco, em que vivia debruçado sobre as grandes revistas estrangeiras da época, inventou um modelo brasileiro de fazer revista, cuja técnica inovou esse setor jornalístico no País, atualizando-o e colocando-o ao nível das melhores publicações internacionais, no gênero.



Além de notório pé-de-boi, o que lhe valeu, nos tempos de “foca”, a simpatia e o apadrinhamento do grande homem de empresa que foi o velho Bertaso, Justino Martins era dotado de muita criatividade e invulgar senso jornalístico, conciliando, assim, aptidões que raramente se conjugam: a força de trabalho do boi-de-canga e a inteligência capaz de dar largas a uma vigorosa vocação, esgotando-lhe, profissionalmente, todas as virtualidades.


Crédito Foto Justino Martins2:

https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/cultura/2020/09/758715-revista-do-globo-deixou-legado-para-as-artes-e-a-literatura.html

Crédito Foto Justino Martins2: https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/noticia/2017/04/ha-cem-anos-nascia-justino-martins-o-maior-revisteiro-do-brasil-9782414.html

Acesso 16/10/2022

Capa: Tânia Porcher

Foto: Jorge Rolla



Fonte: No tempo antigo. Reverbel, Carlos. Barco de papel. Porto Alegre: Editora Globo S.A., 1978, p. 161/163.

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