sábado, 15 de outubro de 2022

Trajano de Oliveira, por Carlos Reverbel

 

Essa conversa toda em torno do professor polivalente, tida e havida como grande inovação pedagógica, nada apresenta de novo, sendo até muito velha, senão caduca e desmemoriada.


Antigamente, todos os professores do curso primário, e grande parte dos que se viravam no curso secundário, eram polivalentes, isto é, ensinavam todas as matérias, inclusive a benfazeja caligrafia, hoje, ao que parece, com certas probabilidades de volta à reabilitação.


Contrariamente ao que acontecia com as outras matérias, em cujas áreas cada discípulo deslanchava na medida do seu talento, uns distinguindo-se dos outros, operava-se através do treinamento da caligrafia evidente uniformização, fazendo com que todos os alunos ficassem, para o resto da vida, quase com a mesma letra, por sinal muito boa.


O talhe da letra funcionava, assim, como uma espécie de marca registrada de cada colégio. Conheço bem de perto, por instituições de natureza familiar, umas dessas “marcas” caligráficas, que teve como matriz o curso do Prof. Trajano de Oliveira, notável educador completamente esquecido, embora tenha sido “mestre-escola” de figuras como Assis Brasil e Júlio de Castilhos.


Terminada a Guerra do Paraguai, o oficial pernambucano Trajano de Oliveira aquartelou-se na cidade de São Gabriel, com as gloriosas tropas do Gen. Mallet, ali desengajando e deixando-se ficar, definitivamente, como dono e “professor polivalente” dum colégio, cujo programa ia do primeiro ao secundário.


Sendo homem de ideias avançadas, que se dizia liberal e livre-pensador, procedendo na escola e na comunidade de acordo com as suas concepções políticas e filosóficas, exerceu larga influência na chamada Terra dos Marechais, através das diversas gerações que preparou para a vida, influindo-lhes, acima de tudo, o sentimento da responsabilidade dos cidadãos.


A uniformização da caligrafia, que parece ter sido a causa que afastou o seu ensino das escolas, nunca cerceou a espontaneidade nem a criatividade dos alunos do Prof. Trajano, jamais impedindo que cada um se afirmasse de acordo com a sua individualidade.


Assis Brasil e Júlio de Castilhos, embora tivessem o mesmo talhe de letra (e fossem cunhados), não poderiam ser mais diferenciados, sob todos os outros aspectos.


Muitos alunos do Prof. Trajano fizeram apenas o curso primário, outros nem chegaram a terminá-lo. Mas todos, assim como os que concluíram estudos superiores, tinham praticamente a mesma letra, o que, talvez, ofereça material dos mais curiosos para estudos de grafologia.


Júlio de Castilhos frequentou durante pouco tempo o colégio do Prof. Trajano, transferindo-se, ainda nas primeiras letras, para uma escola de Santa Maria, encontrando-se, nas valiosas Memórias de João Daudt Filho, que foi seu colega de aula, interessantes informações a respeito do então simples colegial.


Se estou bem lembrado da leitura desse livro, por sinal apaixonante e cuja reedição não canso de recomendar, o problema da gagueira já criava os primeiros embaraços ao futuro Patriarca…


Seja como for, também Júlio de Castilhos deve ter sofrido a influência do Prof. Trajano na formação de sua vigorosa personalidade. Quanto a Assis Brasil, essa influência terá sido ainda maior, pois os primeiros anos de sua formação foram passados sob a influência do notável “mestre-escola” gabrielense, embora de procedência e pura cepa pernambucana.


Aliás, o Prof. Trajano foi um dos tantos “baianos” (como se qualificava, entre nós, genericamente, os brasileiros de outras províncias aqui aportados) que muito contribuíram para o amadurecimento do Rio Grande do Sul, a unidade federativa mais nova historicamente.


Assis Brasil teve como amigos, durante toda a vida, diversos colegas dos tempos de colégio do Prof. Trajano, parecendo, mesmo, que lhes dedicava especial afeição, como tive ocasião de testemunhar, através da perene e fraternal amizade que o ligava, entre outros companheiros da velha escola municipal, a Francisco de Macedo Couto – o querido Dindinho – a melhor criatura humana que tive a felicidade de conhecer.


Deixo neste pequeno lembrete, para os futuros biógrafos de Assis Brasil e Júlio de Castilhos, o nome de um grande homem, que nunca saiu da obscuridade: Trajano de Oliveira.


E solicito ao meu muito prezado amigo Sérgio da Costa Franco, no seu zelo de historiador e como autor da principal obra até agora publicada sobre Júlio de castilhos, que confira o nome que acabo de mencionar.



Capa: Tânia Porcher

Foto: Jorge Rolla




Fonte: Ainda sobre caligrafia. Reverbel, Carlos. Barco de papel. Porto Alegre: Editora Globo S.A., 1978, p. 167/169.


Capa: Valter Antonio Noal Filho

Livro: Memórias, João Daudt Filho, disponível em:

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