domingo, 27 de novembro de 2022

Trabalhadores e Moradores (Itamar Veira Junior)

 

Meu povo seguiu rumando de um canto para outro, procurando trabalho. Buscando terra e morada. Um lugar onde pudesse plantar e colher. Onde tivesse uma tapera para chamar de casa.


Os donos já não podiam ter mais escravos, por causa da lei, mas precisavam deles.


Então, foi assim que passaram a chamar os escravos de trabalhadores e moradores. Não poderiam arriscar, fingindo que nada mudou, porque os homens da lei poderiam criar caso.


Passaram a lembrar para seus trabalhadores como eram bons, porque davam abrigo aos pretos sem casa, que andavam de terra em terra procurando onde morar. Como eram bons, porque não havia mais chicote para castigar o povo. Como eram bons, por permitirem que plantassem seu próprio arroz e feijão, o quiabo e a abóbora. A batata-doce do café da manhã.


Mas vocês precisam pagar por esse pedaço de chão onde plantam seu sustento, o prato que comem, porque saco vazio não fica em pé. Então, vocês trabalham nas minhas roças e, com o tempo que sobrar, cuidam do que é de vocês.


Ah, mas não pode construir casa de tijolo, nem colocar telha de cerâmica.


Vocês são trabalhadores, não podem ter casa igual a dono.


Podem ir embora quando quiserem, mas pensem bem, está difícil morada em outro canto.”


Capa: Elisa v. Randow

Ilustração: Linoca Souza (inspirada na fotografia de Giovanni Marrozzini para a série “Nouvelle semence, 2010)




Fonte: Vieira Junior, Itamar. Torto arado. São paulo, Todavia, 1ª ed, 2019, p. 204/205.

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