sexta-feira, 21 de abril de 2017

DEPOIS DA RAPA - Gilberto Carvalho

NUNCA SE RESPIROU TANTO
RIO GRANDE COMO AGORA; 

RESSURGE O MOVIMENTO DE UM POVO 
QUE SABE O QUE É SEU


De certa forma foi tudo muito de repente. Afinal dez anos não é muito.

De repente se deu o “estouro”. Todo mundo é gaúcho. Todos são nativistas, ou tradicionalistas (se bem que no momento este seja adjetivo que alguns acham já meio pros lados do “cafona”). Temos também os regionalistas, e pasmem, centenas de “folcloristas”, quando na verdade eles talvez somem meia dúzia.

Na Porto Alegre onde o “José Pilchado” – como bem classificou o Daudt numa de suas crônicas de Jornal – foi escorraçado   a “pau” por revidar aos que lhe gozaram, foi por setecentos e poucos, agora os “Josés” em geral são celebrados e os que recebem vaia e gozação são os que não usam bombacha.

Em meados de 70 o INAMATE – Instituto Nacional do Mate, encerrou suas atividades por total falta de atenção da parte do mercado consumidor para os avios e o hábito do “amargo”. O Caetano abriu a boca no Brasil Grande do Sul, na Guaíba, o Lessa conseguiu o apoio da RBS e desencadeou-se uma campanha linda de se ver por Jornal, TV e Rádio (inclusive FM’s), que metiam chamadas, mostrando o quanto era bom tomar chimarrão, em meio a programas de rock e muito som gringo, que era só o que se ouvia na época.

O Glaucus Saraiva, numa investida das suas, conseguiu que o Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore acontecesse de fato, pois até então, houvera apenas a experiência – muito boa por sinal – da Escola de Folclore (com o Mestre Krebs no comando) que fechou por total falta de apoio oficial e desatenções diversas.

A poesia vendia bem. Apenas bem. O Rillo já andava lá pelo terceiro livro, o Jayme idem, o Retamozzo estava no segundo. Estes, apenas para citar os que permanecem vendendo poesia ao leitor gaúcho e brasileiro. Hoje vendendo disparado na frente de todo mundo. Editados havia muitos. Muitos pioneiros ficaram na primeira edição e suas obras hoje são relíquias.

Da música feita aqui já tínhamos muito, é claro. Em 74 realizavam incursões por todo o interior do RS: o Luiz Menezes, Darci Fagundes, o Airton Pimentel com seu LP solito “Charqueada”, Os Araganos de posição consolidada em tudo quanto era canto deste Estado amontoavam os “pilas”. Os Serranos, surgindo, recém se estruturavam como Conjunto. Os Manos Bertussy se apartaram, enquanto o Adelar enveredava pra junto do Mattana, o Honeyde de parceiro do filho, engenheiro já formado – Daltro, “tocava fogo” nos fandangos. A Califórnia chegara a 4ª edição, mas ainda muita gente olhava de nariz torcido para os “peitudos” de Uruguaiana. O Noel Guarany iniciava a provar do sucesso e trocando pela terceira vez de gravadora, gravava o quarto elepê – que estourou. O Mendes, que falecera no acidente rodoviário, vendia como pastel novo em quermesse. Em Porto Alegre dois fatos novos na área: “Os Tapes” que haviam ganho a “Calhandra” em 72 com “Pedro Guará” lotava o Teatro de Câmara com um espetáculo onde apareciam vestidos meio “a la guaranítica” e tocando flautas de taquara. O Meletti, no seu “Discorama” rodava “Canto de Morte...” do Coronel e do Marco e as demais músicas do LP da 3ª Califa e muitos dos nativistas de hoje vieram por este “cabresto” para engrossar a corrente.

Bueno, por aí se vai a coisa. Foi tudo muito de repente, afinal 10 anos não são muito.

O certo é que esta gente e estes fatos acima relacionados, são apenas alguns dos inúmeros que através desta década enfeixada pelo período 74/84, foram verdadeiras “astillas” de “Espinillo” neste fogão de ronda que não só não de apagou como, muito em contrário, foi alimentando a verdadeira fogueira, que ninguém mais apaga.

Hoje o povo do Sul conhece, discute e participa da forma mais ativa que puder, dos movimentos que “cheiram” a Rio Grande. Os artistas crioulos lotam as casas de espetáculos. O número de poetas na praça é muito bom. Letristas, então, nem dá pra contar. Músicos, que eram de contar nos dedos, agora faltam dedos pra que sejam enumerados. Os Festivais já iniciaram sua marcha de retorno, rumo a sedimentação natural que ocorrerá. Enfim, tudo está no auge, pois nunca se respirou tanto RGS como agora. Basta apenas que a fase de modismo que por certo vai passar, adelgaçando um pouco esta corrente humana, reforçada, do momento, deixe no fundo do tacho uma rapa encorpada que trancou o pé, um saldo de gente capaz de, despidos do entusiasmo de agora, onde as bombachas enfiadas porque é moda, tocar pra frente com estado de consciência de quem está manejando com sua própria cultura, tudo isto, que muito mais que uma forma de pura situação de ergonomia, é o movimento de um povo que sabe o que é seu!
Fonte: Revista Tarca – Cultura Gaúcha – ANO I – Nº 00


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