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m uma recente entrevista, o
grande escritor Mário Vargas Llosa declara interessantes passagens de sua vida
literária. Entre elas, uma conversa que manteve com o chileno Pablo Neruda,
através da qual Mário aprendeu que, quando um escritor de talento começa a ver
sua obra e sua vida pessoal (!) atacadas, é sinal de fama.
Não foram poucas as surpresas que
me abraçaram enquanto li, no jornal Zero Hora de 07.06.86, um artigo intitulado
“De Coronel a Silva Rillo”. Ideologias à parte, jamais pensei em ler tantos
ataques infundados e gratuitos ao poeta Luiz Coronel e sua obra.
Logo no início da matéria, o seu
ilustre autor declara que a métrica usada por Coronel é altamente discutível, e
que os versos da “quadrinha” são armados arbitrariamente. Como exemplo, cita o
poema “Cordas de Espinho”. De saída: não se pode julgar uma obra tão extensa
tomando por amostra apenas uma poesia. Seria como avaliar as condições de uma
praia a partir de um ínfimo grão de areia. Eu poderia enfileirar aqui uns mil
exemplos refutando o argumento descabido de que as quadras do poeta em questão
são armadas com arbítrio. A grande maioria das estrofes possuem quatro versos
que se completam ao longo da quadra, e não sem antes receberem a bênção do
espanto e da leveza. Ninguém utiliza com tanta maestria os arredios recursos da
imagem poética. Talvez existam jurados de festivais que não imaginem o que seja
essa tal imagem poética. Recomendo a esses a leitura (várias vezes) do livro “BUÇAL
DE PRATA” da Editora Tchê! Aos que desejarem se aprofundar no assunto,
recomendo autores como F. S. Eliot, todos pertencentes e representantes do
Imagismo inglês do começo do século. No Brasil temos Carlos Nejar, Armindo
Trevisan, Álvaro Pacheco, Castro Chamma, Francisco Miguel de Moura, Dobal
Teixeira, Herculano Moraes, Homero Homem, Laci Osório, Mário Quintana, Torquato
Neto, Renata Pallotini, Walmir Ayala e por aí adiante. Estes são os nomes mais
conhecidos.
Sobre a métrica, acho
desnecessário tecer referências mais aprofundadas sobre o assunto. Basta evocar
João Cabral de Melo Neto, grande poeta do nativismo nordestino, membro da
Academia Brasileira de Letras e dizer que este mestre utiliza formulações métricas
semelhantes às de Luiz Coronel. (João Cabral também emprega “quadrinhas”).
Mais adiante, o autor da matéria
fala que a rima empregada pelo poeta Luiz Coronel é “meramente circunstancial”.
Outro equívoco, dos grandes. Em dezenas das poesias de Coronel a quadra é
unitária, com os quatro versos formando um verso maior, ao final (Estrofe). E
assim sendo, como existe coesão nas estrofes, a rima não tem outra finalidade senão a de fornecer
sonoridade à peça musical:
“Quando abraça sua guitarra
e desempenha seu solo
o guitarrista parece
a mãe com o filho no colo.
Quando ele fecha os olhos
nos prodígios de seu dom
viaja pra dentro de si,
navega em ondas de som.” (...)
Não prossigo com exemplos. Seria
perder muito tempo para provar algo que salta aos olhos de tão evidente.
Certamente que uma arte
cerebralizada e de extremo bom gosto como a do poeta Luiz Coronel não poderia,
de modo algum, ser composta por um “trovador folclórico de 1935”, como escreve
o autor do desastrado artigo. Além do abismo intelectual entre Coronel e os
tais trovadores, há outro talvez maior: o da cultura. Não adianta nada saber como dizer se não se sabe o quê dizer. (Se todos entendessem esta
simplória constatação, não existiriam pessoas ocupando uma valiosa coluna de
jornal para explanar tolices e argumentos descabidos.)
Vamos adiante. Logo em seguida, o
autor pergunta qual foi o tema social abordado até hoje por Luiz Coronel em
suas canções. Respondo de pronto: ninguém com tanta maestria retratou o drama
do êxodo rural como Luiz Coronel. Sugiro ao distinto crítico a leitura de “Os
Retirantes do Sul” (Ed. Movimento). Trata-se de um livro que reúne poema exclusivamente
sociais, mostrando em diversas formas e visões as agonias migratórias, fenômeno
obviamente causado pelas precárias condições socioeconômicas de nossos pequenos
agricultores.
Abro aqui um necessário
parênteses. Em outro artigo, datado de 24.05.86, no mesmo jornal, com uma
linguagem um tanto áspera, o mesmo autor contesta o uso de instrumentos
alienígenas em composições nativistas. Reclama que os compositores querem levar
ao palco orquestra de câmara, baixo acústico e quinteto de cordas (entre
outros). Por estranha coincidência, o insigne crítico não inclui em sua lista
negra dois instrumentos: bateria e baixo elétrico. Por ocasião da última
Califórnia (décima quinta) apresentou-se e venceu a linha campeira uma composição intitulada “Gaita de Botão”, onde uma
bateria faz verdadeiro escarcéu acompanhada, entre outros instrumentos
tradicionais, de um baixo elétrico. Quero crer que o ilustre reclamante anda com a
memória um tanto debilitada, e não lembrou que é um dos autores do trabalho
mencionado acima. Fecha parênteses.
É preciso, no mínimo, coerência.
Coerência para criticar. Coerência para debater. Principalmente para
argumentar. Recomendo, com todo o respeito, que o autor das matérias citadas
pare de comprar bochinchos por aí e faça as pazes com a vida. Somos irmãos de
arte. Temos inimigos comuns. Combatemos as mesmas massificações culturais. É
preciso que um respeite a manifestação criadora do outro. O regionalismo
arcádico que tentam impor ao canto gaúcho é lamentável. É um pássaro
engaiolado, prestes à condenação. Além das grades, enfrentará um inclemente
pelotão de fuzilamento cada vez que não cantar exatamente como pedem as bitolas
dos tirânicos preceitos.
O Rio Grande é um mosaico, é
diverso, há espaço e público para todas as correntes. Uma forma de expressão
não deve e não pode sufocar a outra. Todas são imensamente válidas. Precisamos
coexistir, e pacificamente.
Para concluir, penso que a
crítica só é válida quando possui bases sólidas. Bases coerentes. Luiz Coronel
não precisa grandes defesas. Venceu o I Concurso Nacional de Poesia de
Florianópolis. Sua poesia foi elogiada por nomes como Carlos Nejar, Tom Jobim,
Barbosa Lessa e Carlos Drummond de Andrade.
Aliás, é Drummond quem recomenda:
“Não responda a ataques de quem não tem categoria literária: seria como pregar
rabo em nambu. E se o atacante tiver categoria, não ataca, pois tem mais o que
fazer.”
Fonte:
Revista Tarca – Cultura Gaúcha – ANO III – Nº 15 – 1986 – p. 3/5
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