Por
Marta Barboza
Abrimos espaço a Milton
Souza, um dos idealizadores da Califórnia da Canção Nativa de Uruguaiana, onde
mora e desempenha suas funções de radialista, que lhe permite inúmeros contatos
com o mundo da música regional e tradicionalista, o que de certa forma lhe dá
um “cacife” de ter participado e acompanhado todo o movimento cultural do
Estado. Portanto, um homem respeitado também pelo Movimento Nativista, razão
pela qual o classificamos como “gente gaúcha”. Leia as suas razões:
TARCA:
Milton Souza, tu és um guerreiro dos festivais, do movimento cultural do Sul.
Tu te assumes nativista ou tradicionalista?
M. SOUZA: Eu sempre
tive dúvidas nessa diferença que se faz entre o tradicionalismo e o nativismo.
Eu tenho dúvidas porque fui um dos iniciadores do movimento hoje chamado de
Nativista e me considero um tradicionalista (esse movimento nasceu dentro de
uma entidade tradicionalista que foi o Sinuelo do Pago). O movimento nativista
vem adquirindo normalmente o seu espaço. Então, quando uma pessoa me diz que é
nativista, eu o considero um homem urbano, que gosta das mesmas coisas que eu
gosto; que tem o mesmo desejo de lutar pelo desenvolvimento da nossa cultura.
Ele não é um homem diretamente ligado aos CTGs; não liga muito para detalhes
que, ainda hoje, perduram dentro do Movimento Tradicionalista, obrigando a
colocar esta ou aquela peça do vestuário masculino. Nas primeiras Califórnias
eu entendia que só poderíamos permitir no palco aquele que estivesse
devidamente pilchado. Com o correr do tempo, eu fui me ajustando e hoje eu olho
com outros olhos para um grupo que está de alpargatas, faixa ou camisa sem
lenço. Essa figura que está no palco é mais uma figura do nativista desta
geração que se criou no Rio Grande do Sul.
TARCA:
Então tu sentes melhor no lado nativista, te situas melhor nessa nova fase? Há
uma tendência muito forte do movimento no Estado, a ponto de armarem uma
reunião em porto Alegre para uma tomada de posição entre tradicionalista ou nativista?
M. SOUZA: Eu não faço
distinção quanto ao posicionamento. Eu faço distinção entre a ação das duas
coisas. Jamais poderei me colocar entre tradicionalista ou nativista, porque
assim como venho aqui colaborar com festival como jurado, eu estou em
Uruguaiana pertencendo à diretoria de um CTG. Para mim é muito difícil tomar
uma posição entre os dois movimentos. Eu vivo as duas coisas, se é que existe
essa diferença que alguns querem fazer. Agora, uma das coisas que eu não admito
é dizer que não existe nativismo no Rio Grande do Sul. Nativismo existe e está
aí. Se os CTGs dos municípios onde se realizam festivais não aderirem a esse
movimento novo, a tendência é que eles diminuam cada vez mais, porque o Movimento
não para. Eles devem, isto sim, é aderir a esta nova ideia, a este novo ângulo
das nossas tradições, do nosso folclore, dos nossos costumes com que o
Nativismo hoje se preocupa, ou seja, manter uma vivência em torno da arte, em
torno da música, em torno da poesia. Há 36 anos atrás, quando eu entrei no
tradicionalismo (era o que tinha na época) a tendência era pender para o lado
crioulo do assunto, para o lado rural.
Era cultuar pura e simplesmente o homem do campo. Hoje, para um sujeito
pertencer a um CTG, não precisa que ele seja um exímio domador, laçador ou seja
lá o que for. Ele pode ser um intelectual. Os CTGs perderam muitos valores da
cultura rio-grandense porque eles se chocavam. Aqueles que faziam o Movimento
Tradicionalista Gaúcho procuravam “engrossar”. Achavam que para ser gaúcho
tinham que falar o português errado. E não é assim! E tem gente que não
reconhece o Movimento Nativista no Rio Grande do Sul. Há uma omissão dos CTGs,
dos tradicionalistas, virando as costas para um movimento que é uma realidade,
que é esse movimento artístico-musical do Rio Grande do Sul. Se não fosse ter
criado esse movimento nativista e esse espaço para que os jovens viessem a nós,
nós estaríamos como antes de 71: dificilmente se via um jovem com um instrumento
na mão.
TARCA:
O grupo que fez a Califórnia já era, então, um grupo aberto do Tradicionalismo,
com uma outra visão, outro ponto de vista?
M. SOUZA: A nossa
preocupação era esta: nós precisávamos de mais cultura e menos “grossura”
dentro do CTG, pelo posicionamento de certos tradicionalistas do início da
época. Então, quando assumimos a direção do Sinuelo do Pago a nossa intenção
era, justamente, trabalhar em torno da cultura rio-grandense. Junto com o
Henrique de Freitas Lima e o Colmar Duarte, nos preocupamos em atrair os
colégios, dar aulas. Nós dávamos aulas de História, Geografia, Usos e Costumes,
Folclore, os índios rio-grandenses. Aí formamos um pólo cultural. Então, como
desde 63 eu tinha um programa de rádio, eu comecei a sentir dificuldade de
encontrar músicas que viessem a colaborar com a cultura do Rio Grande do Sul.
As músicas da época eram coisas muito escassas. Só existiam os conjuntos
Farroupilha, Os Gaudérios, Os Sinuelos e eram as músicas que nós utilizávamos,
4 ou 5 LPs. Aí começou a preocupação de fazermos alguma coisa para atrair
alguém, para que aquelas músicas, a nossa cultura poético-musical tivessem vez
de alguma forma. No programa de rádio, nós convidávamos pessoas para apresentações
ao vivo, para que não se repetisse tanto em um programa de uma hora. No
entanto, não surgia nada novo. Ficava difícil a produção do programa por falta
de material. Dentro do Sinuelo do Pago foi se formando, ao natural, o encontro
de pessoas com a mesma preocupação de fazer música e com condições de fazer
música. A partir desse entusiasmo resolvemos fazer alguma coisa para que
aumentasse esse material para serem rodados nos programas. E tivemos êxito
porque veio resultar na Califórnia da Canção Nativa, nome esse dado por Colmar
Duarte e que instituiu, também, o Troféu Calhandra (pássaro que canta e imita
todos os outros pássaros). Nós notávamos que, naquela época, todas as
composições eram muito saudosistas, coisas que contavam o Rio Grande do passado
e que, já naquela época, não era a realidade em que vivíamos. Nós poderíamos
ser tradicionalistas, criar outras coisas, mas dentro da realidade. Nós temos
que deixar de fazer poemas daquilo que foi, porque o gaúcho histórico não
existe mais. O monarca das Coxilhas, o sentinela dos pampas já morreu, é
histórico. Deu lugar, isto sim, para os gaúchos que somos hoje, os nativistas,
os tradicionalistas, andarmos juntos, de braços dados. Este é o gaúcho que
temos de cantar, os seus anseios, as suas esperanças. Vamos colaborar para que
conheçam mais este Rio Grande de hoje, não adianta só conhecer o Rio Grande do
passado, o Rio Grande histórico, o Rio Grande guerreiro. Nós temos de vivenciar
essa tradição nos dias atuais, com a melhor elaboração dessas composições (que
é o que leva o Rio Grande, porque a cavalo ele demoraria muito para chegar),
que a música tenha essa penetração rápida nos meios de comunicação de massa. A
gente precisa, cada vez mais, de bons trabalhos.
TARCA:
Milton, diga-nos, para encerrar, quais as expectativas para a 16ª Califórnia.
M. SOUZA: A Califórnia
é um palco aberto a todos aqueles que se ajustem aos critérios, à filosofia da
Califórnia e que levem a sua contribuição. Ela luta muito contra coisas que,
eventualmente, vêm em prejuízo da promoção, certas ideias que querem fugir das
linhas tomadas pela Califórnia. Ela sempre teve por objetivo a valorização da
música do Rio Grande do Sul. Então, a nossa preocupação é no sentido de que as músicas
que vão compor o disco da Califórnia possam ser tocadas em qualquer emissora de
rádio e em qualquer horário. Daí o porquê da gente querer trabalhos bem
acabados.
Aqui surgiu um
movimento de valorização da música e integrou-se o jovem. Por isso os festivais
não podem ser fechados, ortodoxos. Não podemos nos preocupar com minúcias de
roupas. Precisamos, isto sim, é deixar de sermos saudosistas e cantar um Rio
Grande atual, de 86, suas esperanças e seus anseios.
Fonte:
Tarca – Revista de Cultura Gaúcha – ANO III – Maio/1986 – Nº 14 - p. 7/8
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