Os jesuítas foram os
introdutores do gado no Rio Grande do Sul, até então povoado por
animais silvestres e por índios. Estes foram a causa dessa tropeada
de gado do Paraguai e que viria a constituir fonte segura e constante
de alimentação dos índios reduzidos, pois a feita com caça, pesca
e agricultura era irregular e imprevista, dependendo sempre das
condições climáticas com períodos negativos em invernos
rigorosos, secas, geadas, pragas castigando as lavouras e emagrecendo
as “caças”.
Essa animália introduzida e
distribuída na área missioneira e acomodada nas suas diversas
estâncias que serviam de apoio abastecedor dos povos das reduções
teve que ser, ainda que empiricamente, atendida com os meios
existentes na época.
Coube, pois, aos padres a
obrigação de ensinar aos índios catequizados a lidarem com esses
animais até então desconhecidos, e deles tirarem os proveitos úteis
e necessários tais como alimento, carne, leite, lavração,
transporte, bem como o manejo para a manutenção desses gados, que
deviam aumentar paralelamente ao crescimento populacional e
consumidor dos índios catequizados.
Uma das primeiras medidas
para aumento da criação foi a proibição do abate de fêmeas, na
política de proteção e conservação de úteros necessários à
produção de terneiros.
Em suas estâncias mantinham
o gado confinado em áreas delimitadas por acidentes naturais:
cerros, rios, banhados, matos, procurando sempre aquerenciá-los
nestas áreas, chamadas antigamente de rincões. O gado era
“rinconado”. Não havia ainda cercas de arame.
Medidas sanitárias não
existiam. As bicheiras eram curadas com pomadas mercuriais já na
época dos jesuítas.
Os nomes de santo nas raras
capelas existentes e a maioria dos trabalhos rotineiros de uma
estância são heranças dos jesuíticos. Tudo girava em torno dos
santos. Não há registro de como surgiram, mas todas as benzeduras
invocam o nome de Cristo ou ainda da cruz.
Para evitar essas bicheiras
os padres campeiros (cada padre tinha sua especialização nas
reduções), aconselhavam a marcação dos terneiros após o dia de
São João (com o frio a mosca desaparece).
No entanto, com o decorrer do
tempo, esses nomes santificados nas estâncias foram sendo
substituídos pelos nomes pagãos de árvores, cerros, paisagens,
etc. Por exemplo, Cinco Salsos, Estância da Figueira, Estância
Cerro Negro, Estância Posto Branco, Boa Vista, Itaúna, Crianças,
União, Pedras Brancas, etc.
Nos trabalhos de campo,
durante o ano, muito por não saberem ler nem escrever e levar a
“escrita” na cabeça, criaram um calendário próprio e “sui
generis” para a cronologia dos trabalhos na administração de seus
interesses.
Assim, para firmar data, não
só para si, mas também para seus empregados, para que “fixassem”
essas atividades, os serviços da estância eram determinados por
datas históricas e não sacras e nesse sistema adotavam:
- 20 de setembro, assinalação
de cordeiros, em homenagem à revolução Farroupilha;
- 3 de outubro, entourar,
homenagem à revolução de 30;
- Após 2 de novembro, início
da esquila, em homenagem aos mortos;
- 1º de maio, retirada dos
touros do gado de cria, em homenagem ao trabalhador (Dia do
Trabalho);
- 3 dias depois do carnaval,
largada dos carneiros (somente Corriedale) do rebanho de cria, em
homenagem aos foliões;
- 1º de abril; retirada dos
carneiros do rebanho de cria, em homenagem aos bobos.
Este cronograma encontramos
em uma estância da fronteira, de propriedade de um advogado formado
em São Paulo, com larga experiência campeira. É uma maneira sábia
e filosófica de firmar na memória uma rotina fixa, definida, numa
exploração em tempos passados, com pouca ou nenhuma escolaridade,
em que a maioria dos patrões e empregados eram analfabetos, e os
raros que não eram se guiavam pelos calendários conhecidos como
“folhinhas”, distribuídas pelos bolichos de campanha.
A época de entourar no Rio
Grande é na primavera e geralmente a partir de 1º de outubro. A de
encarneirar varia um pouco de acordo com a raça e inicia em dezembro
com as raças de lã fina e em fevereiro/março com as raças de
cruza média e grossa. A esquila, ainda de acordo com a região,
inicia em meados de outubro e vai até janeiro.
(Raul Annes di Primio. Vento
Sul: costumes campeiros. Porto Alegre: Edigal, 2000.)
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