Terrivel palávra é um « non. » não tem direito nem avesso; por qualquer lado que o tomeis, sempre sôa e diz o mesmo. Lêde-o do principio para o fim, ou do fim para o principio, sempre é « non. »
Quando a vara de Moysés se converteu n'aquella serpente tão feroz que fugia d'ella por que o não mordesse, disse-lhe Deos que a tomasse ao revez, e logo perdeu a figura, a ferocidade, e a peçonha.
O « non » não é assim: por qualquer parte que o tomeis, sempre é serpente, sempre morde, sempre fere, sempre leva o veneno comsigo. Mata a esperança que é o ultimo remedio que deixou a natureza á todos os males.
Não ha correctivo que o modere, nem arte que o abrande, nem lisonja que o adoce. Por mais que o confeiteis um « não », sempre amarga; por mais que o enfeiteis, sempre é feio; por mais que o doureis, sempre é de ferro.
Em nenhuma solfa o odeis pôr, que não seja mal soante, aspero e duro. Quereis saber qual é a dureza de um « não » ?
A mais dura cousa que tem a vida é chegar á pedir, e depois de chegar á pedir, ouvir um « não », vede o que será?
A língua hebraica que é a que fallou Adão, e a que mais naturalmente significa e declara a essencia das cousas, chama ao negar o que se pede - « envergonhar a face ». assim disse Bersabé á Solomão; trago-vos senhor, uma petição, não me envergonheis a face.
E porque se chama envergonhar a face negar o que se pede? Porque dizer não á quem pede, é dar-lhe uma bofetada com a lingua; tão dura, tão aspera, tão injuriosa palavra é um « não » !
Para a necessidade dura, para a honra affrontosa, e para o merecimento insoffrivel.
Fonte: Cabrião: semanário humorístico editado por Ângelo Agostini, Américo de Campos e Antônio Manoel dos Reis: 1866-1867. Ed. fac-similar/introdução de Délio Freire dos Santos. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado: Arquivo do Estado, 1982, p. 143.
Reprodução fac-similar do original de 51 fascículos, publicado em São Paulo no período de 30 de setembro de 1866 a 29 de setembro de 1867.
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