Quarta-feira, 16 de dezembro
O Salvaterra almoçou e jantou conosco. Está sem barba, achei-o desfigurado. Deu notícias dos companheiros emigrados na Argentina e contou que tinha estado com o Loyolla na Casa de Detenção. Fiquei satisfeita por saber que ele já tem um plano de fuga: adormecer com ópio os guardas e atravessar o rio numa canoa que esteja pronta no dia combinado. Como ele é farmacêutico, lembrou-se desse processo de fuga…
Estou muito contente porque o nosso amável vizinho Manguito Lucas regalou-me uma potranca. É completamente xucra, tem 4 anos, sangue de corrida, de pelo alazão-malacara.
Depois de desnatar o leite da tarde o Papai chamou-me para assistir à primeira fase da doma da potranca. Um xiru velho laçou-a de espalda. Ela logo começou a corcovear. Papai então atirou o laço e pegou-a pelo fino do pescoço. Aí todos os homens começaram a puxar o laço, até enforcá-la. Ela tremeu, suou, finalmente caindo com uma síncope. Então Papai mostrou como se devia amarrar a mão da potranca, de jeito que ela ficasse em três pés, ao levantar-se. O domador passava-lhe a mão pelo pescoço. Cruzes e paletas, quando me aproximei o botei uma pedrinha de açúcar na boca do pobre animal.
Foi então que me lembrei de batizá-la com o nome de Uruguaia, em homenagem à terra onde estou exilada.
Fonte: Assis Brasil, Cecília. Diário de Cecília Assis Brasil, org. por Carlos Reverbel. Porto Alegre, L&PM, 1983, p. 91.
Capa: L&PM Editores sobre foto do Castelo de Pedras Altas, Rio Grande do Sul.
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