(Introdução ao opúsculo publicado por Assis Brasil em Buenos Aires, em 1908, sobre “o que é e o que deve ser Pedras Altas”)
“A Granja de Pedras Altas, em cujo terreno está encravada a estação do mesmo nome, demora a margem da estrada de ferro que une a cidade de Rio Grande à de Bagé e, prolongando-se ao entroncamento de Cacequi, se liga a todo o sistema ferroviário nacional e platino. Dista da cidade e porto de Rio Grande menos de 200 quilômetros e menos de 100 de Bagé.
Ao ponto mais próximo da República Uruguaia contam-se pouco mais de 30 quilômetros. A essa fronteira terá de levar-se brevemente um ramal ferroviário que, ligado à estrada uruguaia, em adiantada construção, porá Pedras Altas a poucas horas de Montevidéu.
Essa situação foi calculada para o mais fácil acesso dos visitantes e para a mais conveniente expedição dos produtos da granja.
Há na estação de Pedras Altas serviço de correio, estação telegráfica em combinação com o telégrafo geral, bem como telefone de longa distância.
O estabelecimento se levanta sobre o dorso da Coxilha Geral ou Coxilha Grande, onde se divorciam as águas da bacia do Prata das que correm para as lagoas dos Patos e Mirim.
A grande elevação que esta circunstância ocasiona - cerca de 400 metros sobre o nível do mar – e a latitude avançada – coisa de 32 graus – dão ao sítio um clima fresco e agradável. A terra granítica, ainda de composição diferente, é profunda e permeável e presta-se bem à cultura, mediante os socorros da agronomia; a água é abundante, clara, leve, francamente potável; as pastagens variadas e suculentas.
A fundação da granja é relativamente recente. No dia 7 de maio de 1904 foi adquirido o terreno, inculto e deserto. Ainda que esse desde esse dia se haja lidado incessantemente, o progresso do estabelecimento tem sido grandemente retardado pela quase constante ausência do proprietário. Agora apesar de tudo, três anos depois de batida a primeira estaca, vai aparecendo algum resultado apreciável: as árvores começam a dar sombra e fruto; as terras vão obedecendo ao amanho e aos corretivos; veem-se já muitos e conspícuos representantes das várias espécies e raças de animais domésticos que compõe, o programa definitivo; trabalha-se nos últimos edifícios e instalações; o fundador, enfim, se estabelece no teatro do labor e vai dirigir em pessoa toda a atividade.
Quando a granja estiver em plena operação, o visitante há de encontrar nela:
Uma biblioteca de alguns milhares de volumes sobre todas as ordens de conhecimentos e especialmente ciências, artes e indústrias agrícolas;
Instrumentos aratórios e outros aparelhos de uso rural em harmonia com as condições peculiares ao Rio Grande do Sul e distritos análogos do Brasil, sendo os interessados instruídos sobre a montagem e utilização dos mesmos e vendo-os operar nos campos experimentais da granja;
Mudas e sementes de plantas úteis, ornamentais, frutíferas e industriais;
Produtos autênticos de reprodutores puros (selecionados segundo as mais escrupulosas regras da zootecnia e adaptados ao clima e outras circunstâncias locais) das espécies domésticas de maior utilidade – aves de diferentes raças, suínos para carne e gordura, ovinos para lã e carne, vacuns para carne, leite e trabalho, cavalares para velocidade, montaria e tração;
Finalmente, instalações industriais econômicas para fabricação de laticínios, conservas de frutas e outros produtos.
Muitos dos objetos referidos – quase a totalidade deles – podem desde já serem vistos na granja, ainda que sem a profusão e regularidade que devem existir quando houver tempo para se fazer sentir a influência da presença do dono.
Pedras Altas representa um esforço no sentido de demonstrar com o exemplo o que a palavra, escrita e falada, tem evangelizado à saciedade quanto a muitas reformas de economia rural necessárias entre nós.
É também uma tentativa de realizar, em pleno campo e mediante modestíssimos recursos de fortuna, a vida confortável e inteligente – bem-estar sem luxo, repouso sem ociosidade.
Para responder a esses intuitos, o estabelecimento inteiro – construções, divisões, distribuição das várias secções de lavoura, criação e indústrias rurais – obedece a um plano concertado durante anos de meditação e experiência própria e alheia.
O ideal do fundador de Pedras Altas é que, quando a granja estiver completa e em plena operação, digamos, nestes dois anos, uma visita a ela valha por uma lição de coisas. Não há vaidade pretensiosa nessa aspiração. Lição não é imposição.
Todos somos livres para não aceitar o que se nos ensina.
Mas nenhuma pessoa razoável poderá negar a utilidade de qualquer ensinamento honesto, embora seja para seguir por caminho muito diverso. Neste sentido, é mestre toda gente que faz alguma coisa, ainda que seja errada.
Quem nada faz é que nada ensina.”
Fonte: Reverbel, Carlos. Assis Brasil (Rio Grande Político) – 2ª ed. Porto Alegre: IEL, 1996, p. 59/61.
Capa: Márcia Contri
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