Não é esta a primeira vez (nem será a última) que um ministro nos aconselha “a apertar o cinto para vencer a inflação”. Nas vezes anteriores o conselho pouco ou nada adiantou. Não é de duvidar que, na atual conjuntura, comece a dar resultado, por outros motivos.
No ofício de escrever, nem sempre o autor manda nas palavras, empregando-as de moto próprio. Em certas ocasiões acontece de uma palavra intrometer-se no texto, sem ter sido chamada. Por exemplo: a palavra conjuntura nunca foi do meu agrado. E, não obstante, terminei me submetendo à sua intromissão, neste exato momento.
Como ia dizendo, não é de duvidar que, na atual conjuntura, esse negócio de apertar o cinto comece a dar certo. Aliás, sei de pessoas que já o mantém afivelado no último furo, não porque pretendam combater a inflação, mas simplesmente por falta do vil metal, vulgo numerário.
Há quem duvide da existência de bons filósofos entre os motoristas de táxi. De minha parte continuarei registrando, em meu canhenho de algibeira, o pensamento de laboriosa classe.
Disse-me outro dia um motorista de táxi: “Se conselho adiantasse, ninguém dava, vendia”. E acrescentou, com ares doutorais: “Só o exemplo funciona, principalmente quando vem em cima.” Peço-lhe permissão para subscrever as duas sentenças.
Se quisermos vencer a inflação, teremos de parar de dar conselhos e começar a dar exemplos, começando-se, assim, a instaurar um clima geral de austeridade. E a primeira condição para isto seria a contenção dos gastos públicos, com o corte de todas as despesas paranoicas, pois não adianta o povo apertar o cinto sem o governo apertar o seu, dando o exemplo.
A barra está começando a ficar pesada, acho que está na hora de baixar a bola. E, afinal de contas, se até os marajás já andam pelas caronas, porque esses luxos, essas prosopopeias, essa queimação de dinheiro no santuário e no supérfluo?
Segundo a boa aritmética, a grandeza do país terá de ser medida não pela multiplicação dos palácios, mas pela subtração das malocas. Modéstia e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém, dizia o velho Borges. Com aquele jeito de sorro manso, o dr. Getúlio, saído da mesma escola, sempre foi do mesmo parecer.
Mandado pelo jornal, acompanhei as grandes manobras militares realizadas em 1940, nos campos de Saicã. Um dia chegou a notícia de que o exército alemão invadira a França, levando tudo de roldão. Por coincidência, o dr. Getúlio chegou ao campo das manobras, nessa hora triste, ali permanecendo dois ou três dias.
Alojaram-no numa pequena casa, ao lado da que fôra destinada ao pessoal da imprensa. Então pude observar a simplicidade de suas maneiras, o ar bonachão, a fala mansa. Na roda de mate, parecia um estancieiro do lugar, de botas de foles e metido num blusão de zuarte. Uma noite, depois de falar aos jornalistas, encerrou assim a sua entrevista: “Bueno rapaziada, já são horas, vamos dormir.”
No outro dia levaram-no a inspecionar, com o general Dutra, ministro da Guerra, e o general Góis Monteiro, chefe do Estado Maior do Exército, o campo de operações.
Nas proximidades de um dos dispositivos das manobras, onde estacionara, foi ao encontro de um carreteiro que ali se encontrava. Percebendo a sua intenção, coloquei-me de jeito a poder ouvir a conversa. Depois da saudação dirigida ao carreteiro – “Buenas, amigo!” - estabeleceu-se um pequeno diálogo, em que este, dizendo-se peão do “seu” Ananias Vasconcelos, perguntou a certa altura se o seu interlocutor também era fazendeiro no município de Rosário. “Sou, mas noutros pagos”, respondeu o presidente. E o carreteiro: “Logo vi”.
Sei muito bem que o dr. Getúlio não era nenhum santo, mas havia no seu estilo de vida uma simplicidade de maneiras e uma sobriedade de costumes que lhe asseguravam a simpatia e o bem-querer do povo.
(Fevereiro, 1979)
Capa: Jairo Devenutto
Fonte: Reverbel, Carlos. Saudações Aftosas. Porto Alegre, Martins Livreiro, 1980, p. 62/63.
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