Em 1974 já havia a crise do petróleo, mas as autoridades brasileiras ainda a ignoravam oficialmente, na esperança, talvez, de que a qualquer momento começasse a chover gasolina, de acordo, aliás, com a inabalável crença nacional de que Deus é nosso patrício.
Com esta pequena arenga inicial, quero dizer que ainda dava para percorrer o País de automóvel, sem necessidade de tirar os olhos da cara, na hora de encher o tanque. Então resolvi aproveitar o baratilho do combustível e realizar a excursão que há anos vinha idealizando, mesmo porque, naquela altura, já me assaltava a desconfiança de que, pelo menos em matéria de petróleo, Deus é mais árabe do que brasileiro.
Devidamente acomodado na garupa dum Fusca, cujo fôlego se equipara ao do cavalo crioulo, fiz mais de quinze mil quilômetros de estrada, a partir de Brasília. Evitando sempre as capitais, geralmente detestáveis, na desordem do nosso crescimento urbano, estive em dezenas de cidadezinhas interioranas, através dos Estados nordestinos e do Brasil Central. Em quase toda parte encontrei churrascarias gaúchas, nem sempre autênticas mas invariavelmente rotuladas como tal.
Aliás, não há necessidade de tamanha viagem para fazer essa constatação. Basta rápido manuseio no Guia Quatro Rodas. Abrindo-se a edição de 1977, verifica-se que, na página 304, aparece uma churrascaria gaúcha situada na cidade de Juazeiro do Norte, terra do Padre Cícero, que, por sinal, mais vivo do que nunca, ainda é o guia espiritual e o chefe político da famosa localidade sertaneja. Tive o grato ensejo de sentir pessoalmente a sua presença em Juazeiro, passando a incluí-lo entre os santos de minha especial devoção, o que me permitiu dispensar, com os mais profundos agradecimentos, os serviços do Padre Reus, cada vez mais sobrecarregado de pedintes.
Embora o churrasco esteja longe de ser uma invenção gaúcha, não passando de milenar costume alimentar dos povos de tradição cultural de origem pastoril, não se pode deixar de reconhecer que a sua propagação, pelo Brasil a fora, se traduz na única contribuição rio-grandense incorporada a culinária nacional.
Pelos meus alfarrábios, o introdutor da churrascaria em Porto Alegre, foi um gaúcho de origem teuta: Alberto Bins. Na qualidade de comissário-geral da Exposição Farroupilha (uma celebração extraordinária, repleta de grandes promoções de vária ordem, inclusive artísticas e culturais, que teve a duração de 30 dias e marcou época na vida porto-alegrense e na administração de Flores da Cunha), o Mal. Alberto Bins teve a ideia de construir uma churrascaria crioula, no recinto do maravilhoso certame, isto em setembro de 1935.
Vieram, depois, as churrascarias comerciais, do tipo que se disseminaria pela cidade, a começar pela Cabana do Santos, no Passo da Areia, seguida pela Santo Antônio, na rua Dr. Timóteo, ambas ainda em funcionamento e promovendo diariamente verdadeiras saturnais de carne bovina.
Por falar em Alberto Bins, figura notável a vários títulos, foi preciso que um schollar norte-americano, o Prof. Joseph L. Love, chamasse atenção para a sua pessoa, apontando-a como “um dos homens mais responsáveis” pelas inovações econômicas que se processaram no Estado e pelas realizações administrativas executadas em Porto Alegre, na sua época, para que nos déssemos conta de que esse é um nome que faz jus a uma boa biografia.
Capa: Tânia Porcher
Foto: Jorge Rolla
Fonte: Reverbel, Carlos. Barco de papel. Porto Alegre: Editora Globo S.A., 1978, p 7/8.
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